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Cultura: histórico do conceito

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Capítulo II – MEMÓRIA, IDENTIDADE E CULTURA

3. Memória como produção cultural

3.1 Cultura: histórico do conceito

A palavra “cultura” tem sua origem no latim e significa o cuidado dispensado ao campo ou ao gado. “Somente no meio do século XVI se forma o sentido figurado e ‘cultura’ pode designar então a cultura de uma faculdade, isto é, o fato de trabalhar para desenvolvê-la” (CUCHE, 1999, p. 19).

Durante séculos, o conceito de cultura foi bastante discutido e reconstituído até se chegar à noção de cultivo da mente e do espírito, com o Iluminismo no século XVIII. Duas correntes diferentes se destacaram: a francesa, com um pensamento universalista, no sentido coletivo; e a alemã, com um viés particularista. Até então, entendia-se cultura como algo nobre e que somente quem pertencia a uma classe social de maior poder econômico poderia alcançá-la, por meio da educação e das artes.

Durante o século XIX surgiu a etnologia, que tinha como objetivo “tentar dar uma resposta objetiva à velha questão da diversidade humana” (CUCHE, 1999, p. 33). Destacam- se nestes estudos Edward Taylor, com uma concepção universalista da cultura e Franz Boas, com uma concepção particularista, ao defender não “a Cultura”, e sim às diferentes culturas.

Taylor foi o primeiro a definir cultura cientificamente, ao postular que ela é algo adquirido e não dependente da hereditariedade. Com a apropriação do termo pela antropologia, o termo cultura passa a englobar tudo que envolve o conhecimento adquirido pelo ser humano, como hábitos e capacidades. Há, assim, um alargamento da concepção da

noção de cultura, que se estendeu durante o século XX, por estudiosos na antropologia, como Emile Durkheim, e outros em seus respectivos campo de estudo.

A noção de “indústria cultural” surge com a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, que a estudou como um sistema nos anos de 1940. Segundo Mauro Wolf (2003, p. 84):

O termo “indústria cultural” foi utilizado pela primeira vez por Horkheimer e Adorno na “Dialética do Iluminismo” (texto iniciado em 1942 e publicado em 1947), onde se descreve a transformação do progresso cultural no seu contrário, a partir de análises de fenômenos sociais característicos da sociedade americana, entre os anos [19]30 e anos [19]40.

Os frankfurtianos, como eram chamados os estudiosos da Escola de Frankfurt, se baseavam no marxismo, para que apontava todas as formas de consciência social (superestruturas) eram criadas para a manutenção e reprodução da economia, a qual é a base da sociedade (infraestrutura). Para Karl Marx, a cultura de uma sociedade era o reflexo da cultura da classe dominante. Assim, as formas culturais existem por causa de interesses econômicos.

Em um cenário entre guerras e ao centrar a discussão mais na cultura do que no capitalismo, que era o foco do marxismo, a Teoria Crítica analisava, como o próprio nome já evidencia, de maneira crítica os meios de produção cultural da época (cinema, rádio, jornais e revistas), os quais formavam um sistema (ADORNO; HORKHEIMER, 2000, p. 169). Esse sistema, que tinha como objetivo o lucro, funciona como forma de manipulação e controle de uma sociedade consumista.

A ideia de indústria cultural introduz que o que era chamado de arte, na realidade era negócio; o conteúdo, que deveria ser distribuído para a massa, estava comprometido e empobrecido.

O produto cultural, na lógica da Teoria Crítica, é padronizado e fruto do capitalismo, ou seja, para ser consumido em larga escala. A indústria cultural “condiciona, [...] de uma forma total, o tipo e função do processo de consumo e a sua qualidade, bem como a autonomia do consumidor” (WOLF, 2003, p. 85).

A padronização é elemento predominante na indústria cultural: tudo é produzido de forma industrial para atingir um público, que é “reduzido a material estatístico” (ADORNO; HORKHEIMER, 2000, p. 172). Theodor Adorno (1971, p. 288) ao tratar do consumidor, afirma que ele ou ela “não é rei, como a indústria cultural gostaria de fazer crer, ele [sic] não é o sujeito dessa indústria, mas seu objeto.” Isto é, o consumidor é mais um elemento do sistema.

Na indústria cultural, há a produção de um habitus27 de consumo a partir dos produtos culturais. O produto final da Indústria Cultural é a produção de consumidores culturais, ou seja, de audiência.

No livro “Apocalípticos e Integrados”, Umberto Eco (1979b) expõe as principais ideias contra e a favor da Indústria Cultural. “Os apocalípticos acusam os Meios de Comunicação de Massa de serem generalistas, refratários às soluções originais” (ROCHA, 1995, p. 64). E, assim, são apresentados pontos de acusação à Indústria Cultural. Por outro lado, os chamados “integrados” são os defensores da Indústria Cultural, que “procuram legitimar a produção dos mídia” (ROCHA, 1995, p. 68-69).

Ao final dos anos 1950, em um cenário pós-guerra, surge na Inglaterra uma corrente de estudos que procura abordar a cultura na relação com o cotidiano, com a realidade de vida dos grupos sociais. São as primeiras manifestações dos Estudos Culturais. Destacam-se Richard Hoggart, Raymond Williams, E. P. Thompson e Stuart Hall28. O ponto em comum entre os estudos deles é que

o padrão estético-literário de cultura, ou seja, aquilo que era considerado “sério” no âmbito da literatura, das artes e da música passa a ser visto apenas como uma expressão da cultura. [...] O fato de se alargar o conceito de cultura, incluindo práticas e sentidos do cotidiano, propiciou, por sua vez, uma segunda mudança importante: todas as expressões culturais devem ser vistas em relação ao contexto social das instituições, das relações de poder e da história (ESCOSTEGUY, 2010, p. 32).

Nos anos 1970, destacam-se os estudos relativos às subculturas, cultura em perspectiva plural, e “na segunda metade dessa mesma década, percebe-se a importância crescente dos meios de comunicação de massa” (ESCOSTEGUY, 2010, p. 36). Nos anos de 1980, o interesse na audiência começou a crescer, e ela passou também a ser estudada. Na década seguinte, “este leque de investigações sobre a audiência procura ainda mais enfaticamente capturar a experiência, a capacidade de ação dos mais diversos grupos sociais vistos” (ESCOSTEGUY, 2010, p. 43).

Nesta pesquisa, a compreensão de cultura adotada é a dos Estudos Culturais, um campo teórico cujos estudiosos admitem tratar de um conceito complexo, rico, que não permite uma definição única e não problemática do tema. Cultura, portanto, é “algo que se entrelaça a todas as práticas sociais; e essas práticas, por sua vez, como uma forma comum de

27

O conceito de habitus, criado pelo filósofo francês Pierre Bourdier, diz respeito a “um instrumento conceptual que auxilia a apreender uma certa homogeneidade nas disposições, nos gostos e preferências de grupos e/ou indivíduos produtos de uma mesma trajetória social” (SETTON, 2002, p. 64).

28Escosteguy (2010, p. 29) esclarece: “Embora não seja citado como membro do trio fundador [Hoggart,

Williams e Thompson], a importante participação de Stuart Hall na formação dos estudos culturais britânicos é unanimemente reconhecida.”

atividade humana: como práxis sensual humana, como a atividade através da qual homens e mulheres fazem a história” (HALL, 2003, p. 141-142).

A cultura não é algo que se adquire, mas algo que se vive no cotidiano, é um processo, e está sendo experimentada por todo mundo. Os Estudos Culturais tratam a cultura como formas praticadas no cotidiano, presentes nas diferentes expressões do ser humano.

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