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Produção cultural

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Capítulo II – MEMÓRIA, IDENTIDADE E CULTURA

3. Memória como produção cultural

3.2 Produção cultural

Parte da dinâmica da cultura está relacionada com as produções culturais, ou seja, obras ou serviços realizados por indivíduos ou grupos de indivíduos, entre eles os governos e também a iniciativa privada, como as empresas de mídia.

Essas obras ou serviços são considerados produções porque são criadas, elaboradas e consumidas. Nesse sentido, compreende-se aqui o termo “produto” em concepção ampla, não restrita à ideia de algo comercializado.

Lucia Santaella (2011, p. 121) aponta que atualmente o contexto cultural é hipercomplexo e que para um melhor entendimento da produção cultural ao longo da história é necessária uma divisão em seis tipos de lógicas culturais: a cultura oral, a escrita, a imprensa, a cultura das massas, a cultura das mídias e a cibercultura. Esses tipos de lógicas de cultura se conectam, e as diferenças entre eles são de tal forma tênues, que eles se confundem entre si.

No passado, houve muita discussão a respeito do futuro da pintura com a criação da fotografia. O mesmo ocorreu em relação ao livro, com o advento da publicação diária do jornal. Depois, com a chegada dos meios de comunicação de massa, novamente surgiu a indagação: o rádio sobreviverá à televisão? Esses elementos corroboram a compreensão de que a cultura humana é cumulativa, isto é, é preciso considerar mudanças, mas com base na tradição, no que já existe (SANTAELLA, 2004, p. 57).

Cada vez mais os meios de comunicação se apoiam uns nos outros para sobreviver. E justamente para caracterizar este novo cenário midiático, que ultrapassa somente os meios de comunicação de massa, que Santaella (2004, p. 54) apresenta o termo “cultura das mídias”(ou “cultura midiática”), para “dar conta dos trânsitos e hibridismos entre os meios de comunicação, hibridismos estes que eram acelerados ainda mais pela multiplicação dos meios de comunicação que não podiam ser considerados necessariamente como meios massivos.”

No que diz respeito à produção da cultura, Santaella (2004, p. 54-55) propõe uma divisão em quatro níveis:

a) o nível da produção em si; b) o da conservação dos produtos culturais, ligado à memória; c) o da circulação e difusão, ligado à distribuição e comunicação dos produtos culturais; d) o da recepção desses produtos, isto é, como são percebidos, absorvidos, consumidos pelo receptor.

Com esta visão, é possível enxergar a produção cultural por diversos ângulos, e ao tomar como exemplo a mídia, é possível entender o seu caráter não só de produção, mas também de consumo. “A cultura midiática é responsável pela ampliação dos mercados culturais e pela expansão e criação de novos hábitos no consumo da cultura” (SANTAELLA, 2011, p. 59).

O consumo faz parte da vida humana a partir da existência de oferta e demanda de diversos elementos na dinâmica social e à medida que há produtos culturais, eles serão, sim, consumidos. Nestór Canclini (1999, p. 77) define o consumo como “o conjunto de processos socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos”, ou seja, para se divertir ou (sobre)viver em sociedade, é preciso que se consuma.

Canclini (1999, p. 90) defende que os consumidores devem se tornar cidadãos por meio de ações políticas29 e que o mercado é um local de interações socioculturais mais complicadas do que somente para a troca de mercadorias, cujo valor não está embutido desde sua concepção, pois depende dessas mesmas interações.

Teixeira Coelho (1997, p. 318), com visão que partilha dessa compreensão sobre produtos culturais explana que

tratados regionais de integração econômica e cultural definem os produtos culturais como aqueles que expressam ideias, valores, atitudes e criatividade artística e que oferecem entretenimento, informação ou análise sobre o presente, o passado ou o futuro, quer tenham origem popular, quer se tratem de produtos massivos, quer circulem por público mais limitado.

Neste campo, pode-se pensar a ideia de produção aberta, de livre acesso, e também a produção da indústria da cultura. As empresas de televisão, ao produzirem e transmitirem um programa, participam desta dinâmica social e acabam por terem, algumas vezes, uma função até um pouco mais efetiva. Maria Cristina Matta (1993, p. 59, tradução do autor desta pesquisa) afirma que “a televisão é um produto, mas a televisão em si é, quase, um modo de organização global da cultura”.

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As ações políticas às quais Canclini (1999, p. 89-90) se refere são: “a) uma oferta vasta e diversificada de bens e mensagens representativos da variedade internacional dos mercados, de acesso fácil e equitativo para as maiorias; b) informação multidirecional e confiável a respeito da qualidade dos produtos, cujo controle seja efetivamente exercido por parte dos consumidores, capazes de refutar as pretensões e seduções de propaganda; c) participação democrática dos principais setores da sociedade civil nas decisões de ordem material, simbólica, jurídica e política em que se organizam os consumos: desde o controle de qualidade dos alimentos até as concessões de frequências radias e televisivas, desde o julgamento dos especuladores que escondem produtos de primeira necessidade até os que administram informações estratégicas para a tomada de decisões.”

Portanto, a autora admite o papel da televisão como um produto cultural, mas também disserta sobre o consumo e a relação com a sociedade atual:

Alguém poderia estudar o consumo de TV, como consumo de um produto em especial, mas o que eu digo, é que toda a nossa cultura já é televisiva, e quando digo toda a cultura, digo, a educação é hoje televisiva. As relações familiares são, hoje, televisivas (MATTA, 1993, p. 59, tradução do autor desta pesquisa).

Santaella (2004, p. 56), com uma visão da televisão do ponto de vista mercadológico, acredita que, assim como os demais meios de comunicação de massa, ela é uma forma de produção cultural que, por ser ligada a números de audiência, vincula-se diretamente ao mercado. Em contrapartida, Canclini acredita que a dimensão mercadológica de um produto cultural, como a televisão, não deve ser dispensada, mas deve ser assumida somente como mais uma das dimensões que compõem esse produto. Ele cita o exemplo de uma canção que, “produzida por motivações puramente estéticas logo alcança uma repercussão massiva e lucros como disco, e, finalmente, apropriada e modificada por um movimento político, se torna um recurso de identificação e mobilização coletivas” (CANCLINI, 1999, p. 91).

Nessa lógica, um programa de televisão, parte do mercado midiático, também é um produto cultural, afinal, o objetivo ao produzi-lo é que tenha audiência. Mas, se for visto pela ótica da preservação como material de arquivo e depois reexibido, pode ganhar outro caráter: de preservação de uma identidade coletiva, que povoou um imaginário de um grupo durante uma determinada época e assume, quando reexibido, o lugar de um novo produto cultural, desta vez não exclusivamente com o objetivo mercadológico.

É possível perceber que a produção cultural pode ter características da indústria cultural cujo objetivo é o lucro, mas também que outros aspectos devem ser levados em consideração, como a recepção e a apropriação.

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