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Imaginário e nostalgia

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Capítulo II – MEMÓRIA, IDENTIDADE E CULTURA

2. Memória e identidade: preservação

2.3 Imaginário e nostalgia

O imaginário é uma construção coletiva permanente, está em um ciclo dinâmico constante. “O imaginário é algo que ultrapassa o indivíduo, que impregna o coletivo ou, ao menos, parte do coletivo. [...] é o estado de espírito de um grupo” (MAFFESOLI, 2001, p. 76). Nesse sentido, Magali Cunha (2011, p. 38) indica que

a noção de imaginário surge em relação a tudo que se apreende visualmente do mundo e é elaborado coletivamente. Desse modo o imaginário diz respeito às expressões culturais e se modifica na configuração da identidade que cada cultura produz e sustenta como sua.

Gilbert Durand (2002) compreende o imaginário como uma construção social e a partir de um olhar da filosofia e da psicanálise, localiza o seu trajeto antropológico estruturado por esquemas, imagens, arquétipos, símbolos e mitos.

Esquemas são como estruturas mentais que formam imagens de um conceito, o que acaba por formar os arquétipos, que são as primeiras impressões de algo, isto é, os arquétipos

são antigos modelos que se repetem durante gerações. O símbolo é a concretização de um esquema. Já os mitos explicam um esquema ou um grupo de esquemas.

Do ponto de vista de Cornelius Castoriadis (apud CUNHA, 2011, p. 39) o “ser humano só existe no grupo social e pelo grupo social e este é sempre histórico. [...] A história é imediatamente social e o grupo social faz história permanentemente.” Tal afirmação constata a importância da figura do outro, ou seja, o indivíduo não é um sujeito isolado, assim como indicado na relação com os conceitos de memória e identidade tratados acima.

Nesse sentido, ao abordar as transformações da contemporaneidade e do fenômeno da globalização, Octávio Ianni (2000, p. 225) aponta que

esse é o ambiente em que germinam nostalgias e utopias [...]. São muitos os que ficam com saudade do passado, ou do futuro. Às vezes, apenas negam o presente. Mas outros podem utilizar a nostalgia ou a utopia para refletir melhor sobre o presente.

A grande maioria das pessoas é, de alguma forma, sensível à nostalgia do passado (HALBWACHS, 2008, p. 642). A nostalgia tem uma ligação também com o presente, mas ela “fixa-se num passado determinado, num lugar, num momento, objetos de desejo de fora do nosso alcance, mas ainda real ou imaginariamente recuperável” (LOURENÇO, 1999, p. 13).

Esse sentimento nostálgico pode estar ligado não somente ao que foi de fato vivido, como também pode ter uma relação com o que foi imaginado:

A atitude nostálgica não depende apenas do fascínio pela natureza irrecuperável do acontecido para afirmar a sua capacidade de atracção e o seu enorme impacto emocional. De facto, ela navega muitas vezes até um passado que jamais foi vivido, mas que é imaginado, idealizado, ou arquitectado a partir de modelos pré- estabelecidos, utilizando para esse efeito os diversos recursos dos quais dispõe a memória coletiva adquirida (BEBIANO, 2006, p. 4).

A memória coletiva está relacionada ao imaginário social de um determinado grupo. Em relação ao processo comunicacional, as mídias interagem com várias esferas da sociedade e podem ser consideradas um agente transformador do imaginário. Um exemplo disso é a televisão, a qual contribui para a construção de uma realidade imaginada. Niklas Luhmann (2005, p. 137) aponta que “a televisão parece buscar sugerir ao leitor que certas experiências são dele mesmo. [...] Chega-se a emaranhados indestrinçáveis entre a realidade real e a realidade ficcional.” O que é mostrado numa telenovela, por exemplo, é baseado na realidade, que por sua vez, também pode ser alterada pela ficção apresentada. Luhmann (2005, p. 109) conclui que “o entretenimento possibilita uma autoinserção do mundo representado.”

O imaginário, que está presente na sociedade, interage com a produção de televisão atual, que por sua vez, é resultante e também alimenta o imaginário, num processo de retroalimentação constante.

Quando um sujeito fragmentado, que carrega consigo seu próprio repertório e imaginário, assiste a uma produção de televisão de arquivo, ou seja, está exposto a um produto de memória televisiva com elementos do passado, cria um novo processo de interação, ao fazer com que o imaginário da sociedade seja mais uma vez modificado e, consequentemente, que um novo programa televisivo seja alimentado, tanto pelos produtores, que também têm seus próprios imaginários, quanto por esse processo de retroalimentação, de que o programa é resultante. Esse programa de TV, até então atual, se tornará no futuro também memória televisa e, também, assumirá uma nova função nesse processo de construção. Ao revisitar o passado, o sujeito, já com várias identidades complementares e contraditórias, assume mais uma: o de reciclador de sua própria identidade, que terá reflexo na identidade coletiva do grupo em que está inserido.

Outro aspecto a ser destacado é o fato de que o telespectador de uma novela, como no caso das exibidas no Canal Viva, não é o mesmo de anos atrás, quando apresentadas originalmente. Atualmente, a possibilidade de repercussão das histórias e personagens via internet, pelas redes sociais como o Twitter, cria um novo cenário de mediação.

Como esse telespectador está inserido em um grupo com muitos outros indivíduos, e cada um auxilia nesse processo de interação com o imaginário, tendo a memória televisiva (pela qual eles foram impactados) como mais um ponto a ser considerado neste ciclo, resulta, consequentemente, em uma transformação também no imaginário coletivo.

Assim, o imaginário pode ter um lugar fundamental na relação entre televisão, inclusive sua memória, e a sociedade, pois ele é a base do sentimento de um grupo.

A respeito do lugar da cultura no imaginário social, Maffesoli (2001, p. 75-76) pontua:

A cultura, no sentido antropológico dessa palavra, contém uma parte do imaginário. Mas ela não se reduz ao imaginário. É mais ampla. [...] A cultura é um conjunto de elementos e de fenômenos passíveis de descrição. O imaginário tem, além disso, algo de imponderável. [...] O imaginário é algo [...] que impregna o coletivo ou, ao menos, parte do coletivo. [...] O imaginário é o estado de espírito de um grupo.

Neste sentido, Maffesoli leva à reflexão de que o imaginário e a cultura estão interligados, mas não deixa clara a posição de cada um deles nesse processo. O imaginário depende da cultura para existir, assim como a cultura se vale do imaginário, ou seja, há um processo de retroalimentação entre cultura e imaginário, em que um interage com o outro.

Esta abordagem introduz o próximo tópico em que é apresentado um panorama acerca do conceito de cultura.

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