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Mediações culturais

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Capítulo II – MEMÓRIA, IDENTIDADE E CULTURA

3. Memória como produção cultural

3.3 Mediações culturais

Ao tratar da recepção televisa, Guillermo Orozco (2005, p. 28) assinala que o telespectador é um “ente em situação [...] que vai se constituindo”. Atualmente, é possível caracterizar o sujeito pós-moderno como um indivíduo fragmentado (Hall, 2000), com diversas identidades que são assumidas em diferentes momentos e situações, como mencionado.

A influência da televisão junto ao telespectador é muito grande, e na América Latina, isso ainda fica mais evidente, o que cria um campo de estudos fértil, com pesquisas que deslocam o eixo de análise dos meios para as mediações.

Jesus Martín-Barbero (1997, p. 292) propõe um estudo da recepção televisa na América Latina a partir das mediações, que são “os lugares dos quais provêm as construções que delimitam e configuram a materialidade social e a expressividade cultural da televisão.” Essas mediações são múltiplas e dizem respeito à interpretação das mensagens e produção de sentidos realizadas pelo público.

Ao abordar a heterogeneidade de temporalidades como uma mediação fundamental, Martín-Barbero (1995, p. 44) afirma que “em toda sociedade convivem formações culturais arcaicas, residuais e emergentes.” A formação cultural residual pode ser um fator que estimula o telespectador a assistir a um material de arquivo, pois ela é “aquele passado que está vivo, não aquele que celebramos; é aquele de que somos feitos, que configura realmente nossa memória como grupo que tem, neste momento, que escapar de viver, de ter sentido na vida” (MARTÍN-BARBERO, 1995, p. 44).

Martín-Barbero (1999) também reflete acerca do processo humano de recombinar memórias a fim de pensar e repensar o presente:

Pois as pessoas podem, com certa facilidade, assimilar os instrumentos tecnológicos e as imagens de modernização, mas somente muito lenta e dolorosamente podem restabelecer seu sistema de valores, de normas éticas e virtudes cívicas. A mudança de época está em nossa sensibilidade, mas “às crises de mapas ideológicos se adiciona uma erosão dos mapas cognitivos” (Lechner). Não há categorias de interpretação capazes de captar o curso das transformações vertiginosas em que vivemos. Só chegamos a imaginar que na crise dos modelos de desenvolvimento e dos estilos de modernização há um forte questionamento das hierarquias centradas na razão universal, que ao interromperem a ordem sequencial, liberta a nossa relação com o passado, com nossos diferentes passados, permitindo-nos recombinar as memórias e “re-apropriarmos” criativamente de uma modernidade descentralizada.

O receptor é, assim, interceptado, por múltiplas mediações. Orozco (2005, p. 29) indica que “a TV é ao mesmo tempo um meio técnico de produção e transmissão de informação e uma instituição social produtora de significados” e, desenvolvendo o pensamento de Martín-Barbero, propõe, assim, cinco mediações culturais, as quais serão referências para este trabalho: a institucional, a videotecnológica, a de referência, a situacional e a cognitiva.

A primeira delas é a mediação institucional, que enfatiza que os telespectadores pertencem ou são submetidos a outras instituições, como família, que é com quem, geralmente, se assiste à TV. Martín-Barbero (1997, p. 293) afirma que na América Latina a televisão tem “a família como unidade básica de audiência porque ela representa para a maioria das pessoas a situação primordial de reconhecimento.” Incluem-se aqui também outras instituições como a escola, a Igreja e os times de futebol.

A segunda mediação proposta por Orozco, a mediação videotecnológica, pode ser classificada uma das mais importantes para que a televisão seja considerada um veículo de comunicação de massa. Por utilizar como linguagem a imagem e o vídeo, a TV acaba por representar, aparentemente, a realidade da maneira mais fiel possível.

A TV, portanto, não tem somente a capacidade técnica de representar o acontecer social, mas também de fazê-lo verossímil, verdadeiro para os telespectadores. [...] Outros meios de informação e outras instituições sociais para alcançar a naturalização dos seus discursos têm de recorrer a outros tipos de referentes. À TV basta colocar seu telespectador em frente à tela, para colocá-lo frente à realidade (OROZCO, 2005, p. 30).

Assim, a tecnologia utilizada pela televisão pode ser uma forma de mediação, que permite que o público reaja ora racional, ora emocionalmente (OROZCO, 2005, p. 29).

Diferente da videotecnológica, a mediação de referência, que é a terceira mediação, tem a ver com idade, sexo, classe social, origem, etnia ou lugar de residência do telespectador, ou seja, características do indivíduo são levadas em consideração. Esses fatores delimitam o acesso e a preferência por programas de televisão e têm ligação direta com os fundamentos dos Estudos Culturais que enfatizam o contexto e o cotidiano na relação com a cultura.

A quarta mediação é a situacional, que implica no espaço físico onde se assiste à televisão e também com quem se assiste. Esta mediação também é determinada pela posição em que o aparelho está localizado, como no centro da sala ou num canto do quarto. Aqui se encaixa o caso da audiência que, ao assistir à televisão, está também fazendo outras coisas, como navegando na internet, por exemplo.

Orozco (2005) quando aborda a interação do telespectador com a TV, esclarece que ela não está limitada somente ao tempo em que se está assistindo: o sujeito começa a interagir antes de ligá-la, ao decidir qual programa assistir, e também depois de desligar a televisão, quando é feita uma reprodução do que foi assistido.

Por fim, a última mediação proposta por Orozco (2005) é a cognitiva, que está ligada a cada pessoa e as suas “próprias capacidades, história e condicionamentos genéticos e culturais específicos” (OROZCO, 2005, p. 32), ou seja, está diretamente ligada, como enfatizado nos Estudos Culturais, ao repertório do indivíduo.

Nesta pesquisa, localiza-se a nostalgia como uma mediação que pode ser relacionada principalmente com a que Orozco se refere à mediação cognitiva. Essa nostalgia guia o telespectador ao assistir a reexibição de uma telenovela, mesmo depois de muitos anos da sua apresentação original, criando, assim, uma nova experiência estética.

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