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Memória televisiva

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Capítulo II – MEMÓRIA, IDENTIDADE E CULTURA

1. Memória, memória individual e memória coletiva

1.1 Memória televisiva

A memória de um país determina, muitas vezes, como ele é visto. E isso se aplica a todas as áreas, inclusive à comunicação.

Em 2003, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) promoveu em sua 32ª sessão, em Paris, a “Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial”, em que ficou estabelecida “a profunda interdependência que existe entre o patrimônio cultural imaterial e o patrimônio material cultural e natural” (ORGANIZAÇÃO..., 2003), ou seja, foi reconhecido que a cultura imaterial também tem o seu valor para a sociedade, assim como o material e natural. Em 2004, foi realizada na Federação Internacional de Arquivos de Televisão (FIAT/IFTA22), em parceria com a UNESCO, a Conferência “Defesa do Nosso Patrimônio Audiovisual: Um Desafio Mundial”23, que lançou o seguinte manifesto:

Considerando que é universalmente admitido que o rádio e a televisão ocupam um papel central na história contemporânea de nossa sociedade e que os arquivos constituem uma parte essencial da memória coletiva do século XX; [...] considerando que este patrimônio está ameaçado em virtude de fragilidade dos suportes e da obsolescência das máquinas necessárias à leitura dos registros; [...] considerando que em um futuro próximo, ou seja, daqui a uns 10 a 20 anos, uma parte importante dessa memória está inevitável e irremediavelmente perdida e que esta ameaça aumentará ainda mais a desigualdade entre os países pobres e os ricos, entre o Norte e o Sul, e produzirá em curto prazo, e de maneira ainda mais profunda, uma desigualdade de acesso à memória coletiva dos povos; [...] considerando que atualmente existem soluções técnicas para assegurar a preservação em longo prazo, o acesso e a reutilização de documentos de arquivo,

22FIAT/IFTA: siglas em francês e inglês, respectivamente, de Fédération Internationale des Archives de

Télévision e International Federation of Television Archives.

entre elas a transferência para formatos digitais e a construção de áreas de armazenagem em condições ideais, [são] medidas que exigem recursos humanos e financiamento urgentes. Na continuidade das ações empreendidas pela Unesco e o Conselho da Europa, a Federação Internacional de Arquivos de Televisão (FIAT/IFTA), por ocasião da sua 27ª Conferência Anual, solicita a atenção e a vigilância de todos para: alertar, mobilizar e estimular as autoridades competentes a tomarem medidas urgentes para enfrentar a ameaça iminente ao patrimônio audiovisual das nações do mundo; implementar políticas de preservação e planos de migração desses arquivos; definir critérios de prioridade que devem nortear as ações de preservação” (MANIFESTO..., 2005, p. 134-135).

Em 2005, já em sua 33ª reunião, também em Paris, foi celebrada pela UNESCO a “Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais”, cujo objetivo, dentre outros, era o de alertar a sociedade civil e os governos para a necessidade de preservação dos materiais fílmicos, televisivos e radiofônicos ao redor do mundo (ORGANIZAÇÃO..., 2005).

O Brasil é um país que não tem a tradição de preservação de sua memória. Um exemplo é o esporte: mesmo sendo considerado o “país do futebol”, o primeiro museu destinado à modalidade mais popular no Brasil foi inaugurado em 2008, na cidade de São Paulo. Outro caso é o do Carnaval, que não possui um museu nacional destinado à sua preservação. A própria língua-mãe do País, a Portuguesa, que, em 2006, ganhou o seu museu na cidade de São Paulo para preservar a sua origem e história, é mais um exemplo.

Em relação à televisão, isso não é diferente. A Associação dos Pioneiros, Profissionais e Incentivadores da Televisão Brasileira (Pró-TV), presidida pela atriz Vida Alves, foi criada em 1995 com o objetivo de preservar a história do principal veículo de comunicação de massa no País. Entretanto, somente depois de mais de quinze anos, a Pró-TV conseguiu realizar o projeto “Cidade da TV”, na cidade de São Bernardo do Campo, com exposições permanentes e itinerantes relativas à televisão no País, desde a década de 1950.

Iniciativas em outros países só ratificam como o Brasil está muito atrasado em relação à preservação de material de arquivo televisivo. Nos Estados Unidos, existe o Vanderbilt

Television News Archive. Segundo informações da Universidade de Vanderbilt, que é

responsável pelo projeto, o arquivo é o mais extenso e completo do mundo com notícias televisivas. O acesso ao material é liberado ao público, o qual pode solicitar a duplicação do material ou uma compilação em caráter de empréstimo (BRASIL; FRAZÃO, 2012, p. 15-16).

Outra iniciativa está no Reino Unido, que possui o The National Archive. O acesso do público se dá por meio de uma solicitação presencial, com entrada gratuita, ou via correspondência e internet. Também na Europa, o Institut National de l’Audiovisuel é o exemplo francês de preservação da memória televisiva:

Repositório de arquivos audiovisuais provindos das emissoras de rádio e televisão francesas. [...] o acervo disponibiliza mais de cem mil documentos audiovisuais (entre programas históricos e de cunho jornalístico, num total de vinte e cinco mil horas). A partir de 2006 abriu sua versão digital ao acesso livre dos arquivos digitalizados e solicitações online (BRASIL; FRAZÃO, 2012, p. 16).

Com uma realidade mais próxima à brasileira, a Argentina possui o Museo de la TV

Pública. Com sede na emissora de televisão pública Canal Siete, na cidade de Buenos Aires,

o museu foi aberto ao público em 2011 e conta com uma exposição de equipamentos e painéis com fotografias, vídeos e textos da história da televisão pública na Argentina.

No Brasil, merece destaque o trabalho da Cinemateca Brasileira:

A instituição promove, com apoio do Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos coordenado pelo Ministério da Justiça, o Resgate do Acervo Audiovisual Jornalístico da TV Tupi, onde constará ao final do projeto e em base de dados 125 horas de imagens dos telejornais da extinta emissora (BRASIL; FRAZÃO, 2012, p. 17).

O projeto da Cinemateca ainda é muito pequeno em meio ao vasto material produzido por diversas emissoras de televisão e que poderia ter sido preservado no Brasil.

A TV Globo também possui um projeto de preservação de seu material: em 1999, criou um departamento específico para o levantamento histórico e de preservação da história da empresa e de suas produções: o Memória Globo. Este trabalho é feito por meio de entrevistas com colaboradores da emissora e pesquisa de materiais de arquivo. Desde sua criação, foram publicados seis livros e foi lançado um portal na internet24, com informações detalhadas da emissora desde sua criação.

Além do material disponibilizado em livros e também no portal, o arquivo televisivo propriamente dito da emissora, ou seja, os vídeos dos programas da TV Globo, podem ser acessados por meio do departamento Globo Universidade, que visa auxiliar pesquisas acadêmicas.

Bucci (2004a, p. 198) sugere a criação de uma “instituição pública, independente, aberta ao público em caráter permanente”. O autor ainda alerta que o material que compõe esse arquivo seja gravado tal como foi recebido pelo público. Dessa forma, somente a doação pelas emissoras de televisão do seu material produzido não é suficiente: é preciso que, inclusive, intervalos comerciais e possíveis falhas de transmissão também sejam gravados para que uma futura análise seja mais completa e eficaz.

Por fim, podemos concluir que o Brasil tem um longo caminho a ser percorrido em relação à preservação de sua memória televisiva. Mesmo com iniciativas privadas, como a da

TV Globo e também a do projeto da Cinemateca Brasileira de digitalizar parte do arquivo jornalístico de uma extinta emissora, o País ainda não possui um museu próprio do meio de comunicação, como é o caso do museu argentino, que mesmo sendo destinado à história da televisão pública, já preserva parte abrangente da história televisiva argentina. Além disso, as iniciativas como a norte-americana, a britânica e a francesa confirmam que é necessário que haja uma conscientização geral, não privilegiando somente uma emissora, pelo contrário, o ideal seria uma instituição totalmente independente e que tivesse como foco o receptor e a forma como ele recebe esse material televisivo, que seria arquivado corretamente e, assim, preservado para futuras consultas e análises.

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