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R ELAÇÕES DE SOLIDARIEDADE

4.1. Apoio, família e parentesco

4.1.3. Dádiva e reprodução familiar

A lógica explícita que rege os apoios e solidariedades familiares nas sociedades modernas aparenta ser a da gratuitidade afectiva segundo critérios semelhantes ou próximos aos descritos por Marcel Mauss (2001 [1926]) na sua teoria da dádiva.

A teoria da dádiva de Mauss, ligada à conceptualização geral do problema da reciprocidade nas relações sociais, avançou um quadro de entendimento particularmente pertinente para a compreensão do funcionamento do parentesco, procurando fundar um olhar que nos permitisse diferenciar as relações estabelecidas segundo uma lógica de mercado e a lógica, não mercantil, de funcionamento da troca nas sociedades tradicionais, onde o parentesco jogaria papel maior na estruturação alargada das relações sociais. Mauss defendia que esses mecanismos de troca não tinha sido abolidos na modernidade:

“Uma parte considerável da nossa moral e da nossa própria vida permanece sempre nesta mesma atmosfera da dádiva, da obrigação e ao mesmo tempo da liberdade. Felizmente, nem tudo está ainda classificado exclusivamente em termos de compra e venda. As coisas têm ainda um valor para além do seu valor venal, supondo a existência de valores que sejam apenas desse género. Não temos senão uma moral de mercadores. Restam-nos pessoas e classes que mantêm ainda os costumes de antigamente e quase todos nós nos sujeitamos a eles, pelo menos em certas épocas do ano ou em certas ocasiões” (Mauss 2001 [1926]: 175).

Nas sociedades modernas, de predominância do salariato, os laços entre parentes são aparentemente mais gratuitos que nas sociedades tradicionais (onde o património constituía o grande cimento da parentela).204 Assim, as relações de parentesco aparentam refugiar-se numa base mais individual, em relações que aliam autonomia e obrigação. De facto, a ideologia da gratuitidade das relações familiares e a importância da afectividade na regulação das relações familiares (Singly 1993: 7) têm efeitos práticos (i.e., nas práticas), pois a afectividade não só é

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Veja-se que esta afirmação não deve ser entendida como uma declaração de que os indivíduos de uma sociedade tradicional se regem pela lógica do interesse material. Está-se antes a afirmar que, nas sociedades tradicionais, a identidade é preponderantemente estruturada pelas pertenças grupais (ou categorias objectivadas), pelo que a linguagem dos deveres para com o grupo de pertença prepondera sobre a linguagem dos direitos individuais. Quando esta última domina, tendem a diminuir os constrangimentos institucionais de subordinação, da vontade e das escolhas, que constituem as obrigações normativas generalizadas. Assim, as relações de parentesco, nomeadamente entre diferentes gerações, deixam de ser uma obrigação institucionalmente imposta para se tornarem numa opção electiva. Dizer isto não é dizer que não continuem as relações sociais a serem estruturadas socialmente, ou seja, mesmo que sejam levadas a cabo pela aparentemente “livre” vontade dos agentes sociais, elas são o resultado da incorporação de específicas condições sociais de existência que, pela coabitação e proximidade afectiva que, hoje em dia, a vida familiar acarreta (até porque reforçada por aparelhos sociais de imposição ideológica), predispõem os agentes sociais a „amarem‟ os seus parentes próximos.

um forte elemento das relações familiares, como também é fonte da sua legitimação (Saraceno, 1992: 73; Lima 1993).

O valor da afectividade e da gratuitidade das relações familiares é hoje tão elevado que esconde dos olhos dos protagonistas (e muitas vezes dos investigadores) o que de económico e com valor prático há nas suas trocas, até porque muitas vezes dificilmente monetarizável (Attias-Donfut 1997: 47). Nas trocas, o valor (social, afectivo, patrimonial...) de cada um dos protagonistas está em jogo (Cuturello 1988: 167) e sujeito e objecto não são separáveis.205 Dar algo é, em parte, dar-se. Receber algo é, parcialmente, fazer parte de quem dá (Bloch & Buisson 1994: 56/57). As relações de solidariedade familiares (particularmente as intergeracionais) são um processo onde a separação entre o que é económico e o que é afectivo se demonstra particularmente inadequada (Kohli 1994: 67). Falar de solidariedades familiares é também falar da economia das famílias, além das relações de proximidade e afecto que estão na base dessas solidariedades. Nas sociedades modernas as lógicas da dádiva e do interesse misturam-se, pelo menos a nível das relações familiares. Tem-se interesse em dar. Daí que opor dádiva a cálculo pareça tão simplista como opor expressivo a instrumental. As relações de solidariedade familiar parecem, de facto, constituir uma economia moral, para utilizar o conceito desenvolvido por Scott (1976), para dar conta das éticas de subsistência camponesas.

A par de uma forte interiorização normativa da obrigação de solidariedade intergeracional (Pitrou 1978: 93), as solidariedades familiares parecem jogar-se mais, na consciências dos agentes sociais, no jogo das preferências e das escolhas electivas do que a partir de uma base normativa ou mesmo contratual. Tal não invalida que alguma contabilidade das trocas familiares possa ser feita, mesclando lógicas da dádiva com as do cálculo. Estas últimas em regra encobertas (mesmo para os próprios protagonistas) por uma sensação de gratuitidade das relações familiares e de amizade – o desinteresse deveria ser pago com o desinteresse. E a dádiva confunde-se com o próprio laço entre protagonistas da troca.

É assim interessante verificar, face a tais imperativos normativos de apoio,206 bem como tais legitimações emocionais do desejo de apoiar, como as solidariedades

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As trocas fazem a identidade grupal dos que trocam e é essa identidade o sustentáculo das trocas. Esta circularidade não nos deve, contudo, fazer cair na tautologia explicativa.

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Embora a interiorização da solidariedade entre pais e filhos aparente ter hoje em dia graus de flexibilidade e de liberdade maiores que anteriormente (Saraceno 1992: 69).

intergeracionais são fundamental e estruturalmente assimétricas quaisquer que sejam as reciprocidades imediatas ou diferidas que as caracterizam.

De facto, por um lado, os apoios são principalmente no sentido unilateral dos progenitores para a descendência, sendo globalmente as gerações mais velhas a apoiarem as mais novas (Attias-Donfut 1996: 322).207 Este desequilíbrio profundo deve-se ao facto que as obrigações para com os filhos ou netos são sentidas como „totais‟, enquanto as obrigações para com os pais ou avós não o são tanto. Quanto mais próximas as pessoas (parentes), mais a reciprocidade pode ser diferida e mediata. Entre próximos, desde que se verifique um nível considerado minimamente aceitável de reciprocidade entre os intervenientes (nomeadamente afectiva), os grandes problemas colocam-se mais em termos de distribuição do que de retribuição, nomeadamente quando estão em causa relações entre colaterais ou destes (como conjunto) em relação à linha genealógica vertical – a dádiva é mais fácil quando os sujeitos não têm estatutos iguais (entre pais e filhos por oposição à fratria).

Apesar de que dar e receber podem não ser sequer considerados como momentos distintos dos processos de troca (Bloch & Buisson 1994: 56), a reciprocidade só pode ser aferida ao longo do tempo, o que dificulta, obviamente, o seu estudo e análise. De qualquer modo, colocar a questão da reciprocidade é concomitantemente colocar a questão da justiça das trocas. A norma geral da solidariedade entre gerações parece ser a de uma dívida sempre em aberto (Attias-Donfut 1995: 23), até porque as trocas familiares se constroem sobre a desigualdade relativa dos intervenientes (pelo menos em termos de recursos, além de geracional), sobre a não-reciprocidade (pelo menos imediata) e assimetria das transferências (Bawin-Legros & Jacobs 1995: 5).

Como se pode constatar, as lógicas de solidariedade familiar, mesclando, de formas complexas e não lineares, dádiva e cálculo, só podem ser entendidas adoptando-se uma perspectiva que ultrapasse esse par dicotómico e que consiga pensar a acção sem cair nas falácias da gratuitidade desinteressada ou do interesse mercantil. De facto, se a fundamentação ideológica hoje em dia dominante para a dádiva familiar é o discurso da dádiva desinteressada, tentarmos uma explicação dos processos sociais que não rompa com os discursos dos agentes é encerrarmo-nos definitivamente nas armaduras de sentido que sustentam as próprias práticas sociais, assim impossibilitando a sua explicação.

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Embora os níveis de reciprocidade geracional possam variar não só consoante os momentos específicos do percurso de vida, mas também por classe social (Attias-Donfut 1996: 322).

Toda a conceptualização da dádiva encerra um paradoxo resultante da tensão entre a sua suposta gratuitidade e a obrigação de dar (ou trocar), aliás, a expressão troca de dádivas é em si mesmo contraditória. Como afirma Boltanski (1990: 214), “ soit l‟insistance est mise sur le „don‟, c‟est-à-dire précisément sur le caractère „gratuit‟ du cadeau, et l‟on perd de vue l‟échange, soit l‟accent est mis sur l‟échange, et la gratuité du don ne peut plus apparaître que comme une illusion voire une tromperie”. Lévi-Strauss (2001 [1950]) defende que as lógicas e os nomes da gratuitidade da dádiva mais não constituem que eufemisações simbólicas e linguísticas destinadas a mascarar o seu carácter obrigatório, de solidariedade imposta entre os diferentes segmentos e grupos sociais (ou pessoas e categorias de pessoas).

No entanto, quedarmo-nos por essa visão não nos permite, sem cair em indigenismos senso-comunais ou no seu oposto radical (permanente suspeição de interesse), apreender que muitas das trocas verificadas são pensadas e levadas a cabo pelos agentes sociais segundo lógicas, de funcionamento e de explicação, que procuram a todo o custo afastar-se quer da ideia de interesse (ligada à ideia de cálculo utilitarista), quer da ideia de obrigação imposta e feita a contragosto, antes salientando amiúde o seu carácter de dádiva pura, absolutamente gratuita e que não exige retorno, embora retorno possa haver. Além de que existe o dado primeiro que é a primeira dádiva feita, há que inaugurá-la e assim prescindir do valor que se entrega sem garantia de retorno do investimento.

Se é certo que não podemos deixar de ter em atenção ambos os lados da questão, não devemos cair nem no utilitarismo, nem na utopia comunitarista. Como nota Silva (1998: 142/143), a própria linguagem para designar tais processos (dádiva, ajuda e entreajuda, solidariedade, apoio, etc.) está impregnada de conotações ideológicas que acentuam a gratuitidade e a reciprocidade. Inversamente as linguagens do cálculo e do lucro veiculam as lógicas do ganho interessado e egoísta da racionalidade de mercado capitalista. Se a “entreajuda engloba, de facto, uma multiplicidade de transacções sociais em vista da reprodução social e, como tal, não escapa aos motivos de cálculo económico, aspecto aliás já focado por Weber quando a remetia para uma espécie de ética popular „primitiva‟ não sentimental, traduzida no aforismo: „Do ut des‟ (dou para que dês)” (Silva 1998: 143), então as formas de solidariedade consubstanciam formas de reprodução da desigualdade social, como aliás tinha já sido visto por Ribeiro (1997: 209 e ss.) aquando da sua análise do “sistema de favor” numa economia camponesa de montanha. Também Sobral (1999: 264) constata que as relações de parentesco, amizade e vizinhança “reflectem as afinidades ou fricções da sociedade”.

Esta dicotomia entre o cálculo e a dádiva, que nos impede de pensar os processos de solidariedade familiar e o seu enraizamento social, tal como muitas outras dicotomias classicamente existentes no pensamento sociológico, 208 pode ser superada com uma conceptualização da solidariedade familiar, particularmente intergeracional, como caso particular da economia das trocas simbólicas no interior da família. Economia essa que é estruturalmente constituída pela temporalidade (Bourdieu 2000 [1972]: 222), havendo uma importância fulcral do intervalo entre dádiva e contra-dádiva (que pode ser um intervalo geracional), pois não podemos reduzir a um acto cínico (que busca explicitamente ganhos ulteriores) algo que em muitos contextos é vivido como acto desinteressado. E desinteressado particularmente nos contextos onde a proximidade social e emocional aliada à coabitação209 – a família – é instituída pela própria gratuitidade que ajuda à formação de um corpo ou agente colectivo. Deste modo, o “reconhecimento da dívida torna-se reconhecimento, sentimento duradouro para com o autor do acto generoso, podendo ir até à afeição, ao amor, como vemos particularmente bem nas relações entre gerações” (Bourdieu 1997c

: 130).

Há, assim, uma ambiguidade constitutiva da própria realidade da solidariedade familiar, pois, “Se os agentes podem ser ao mesmo tempo mistificadores, de si próprios e dos outros, e mistificados, é porque mergulham desde a infância num universo onde a troca de dons se acha socialmente instituída em disposições e crenças” (Bourdieu 1997c: 124).

Verifica-se, deste modo, todo um trabalho de instituição da família que assegura a sua integração e que é condição própria da sua existência (Bourdieu 1997ª: 96). Este trabalho integra inúmeros actos de reafirmação do colectivo,210 tais como apoios, empréstimos, entreajudas, solidariedades – trabalho esse particularmente feminino.

Podemos ver, então, como as solidariedades familiares, nas suas configurações topológicas (de rede) particulares e nos tipos de apoio que prestam, concorrem para a feitura da própria família, enquanto espaço de relações que, embora internamente diferenciado e mesmo assimétrico (geracionalmente e de género, pelo menos), se constitui segundo uma

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Em última análise a dicotomia, máxima, entre sociedade e indivíduo. Aliás, no pensamento dos antecessores e clássicos do pensamento sociológico a oposição entre sociedades tradicionais e sociedades modernas, no que se refere às suas formas de organização e reprodução familiar, em muito é devedora desse par de categorias opostas.

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Pelo menos nalgum momento do ciclo de vida familiar, ainda que não no momento em que se observa uma dádiva específica.

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Sem ser necessariamente devido a um espírito de corpo colectivista e que subordina a individualidade. A integração pode ser feita e sentida através das ligações emocionais e afectivas entre os familiares – da sua “disposição amante” (Bourdieu 1997ª: 97).

lógica explícita de desinteresse. Ora, visto não ser suficiente essa explicação para a sua compreensão, há então que perceber as maneiras como se constitui o interesse desinteressado, pois que esse não pode ser reduzido à sua dimensão mercantil, contabilística, material e egoísta (J. P. Cabral 1998). Neste sentido, um quadro conceptual que nos permite entender e explicar o empenhamento do agente no mundo que o rodeia segundo um princípio, prático e simbólico, de defesa da identidade e do eu211 (ou, se quisermos, do seu ser social), que não passa necessariamente pela consciência (aliás, tendo sempre componentes que a iludem) e que recusa explicações assentes no postulado de regras comportamentais (sejam elas exteriores e impostas, sejam interiores e escolhidas, por afecto ou por lucro), antes pensando a prática como incorporação prática de esquemas práticos adaptáveis às situações que, na prática, se encontram, será um esquema conceptual que nos permita pensar a solidariedade familiar, suas configurações e seus contextos, enquanto parte das estratégias familiares constituintes do sistema de estratégias de reprodução (Bourdieu 2000 [1972], 1979 & 1980b).

Se não podemos, então, confundir os sentidos subjectivos com a verdade objectiva das solidariedades, se devemos recusar os lirismos solidaristas e afectivos das fundamentações ingénuas das dádivas, bem como o cinismo do utilitarismo do cálculo racional, e se temos que pensar a acção de maneira a escapar à linguagem das regras e das obrigações, tal como às das escolhas, resta-nos o recurso a uma visão disposicional da acção (que a concebe como concomitantemente estruturada e estruturante) e que a ancora, por essa via disposicional, nos contextos sociais onde é levada a cabo.

As solidariedades familiares não se dão no vazio social, são antes caracterizadas por toda uma série de características sociais que as estruturam, tais como as decorrentes do posicionamento relativo dos grupos familiares no espaço social, ou, se quisermos, da classe social das famílias. Esta questão, porque remete para as condições reais de vida familiar (e os recursos e competências que aí estão disponíveis) e para os processos de diferenciação entre categorias sociais, remete necessariamente para as formas específicas de perpetuação das famílias ao longo do seu percurso de vida,212 ou, se quisermos, para as estratégias de reprodução social das unidades familiares (relativas).

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J. P. Cabral afirma (1998: 146), aliás, que “todo o interesse é inescapavelmente dependente das formas de identidade historicamente formuladas. Mas, como todas as identidades são cruzadas por outras identidades; limitadas por elas; construídas sobre elas e por meio delas – nenhuma identidade é absoluta. Logo, nenhum

interesse é ilimitado.”

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O que aqui ressalta é a importância das condições de existência social (quer a nível da incorporação disposicional, quer a nível dos capitais disponíveis) das diferentes condições de classe213 e do processo de reprodução dos capitais (ou melhor, da apropriação privada das espécies de capital) que só pode ser feito, em grande medida, pela reprodução das famílias, nomeadamente através dos usos sociais do parentesco (Bourdieu 1980a & 1987) enquanto caso particular dessa reprodução mais alargada.

Estamos aqui perante uma conceptualização dos processos sociais que, trazendo à discussão o plano das práticas colectivamente produzidas (o espaço social das classes), não descura os protagonistas da acção que, ao produzirem e reproduzirem relativamente nas suas práticas o seu lugar na estrutura de classes, estruturam o espaço social das classes.214

Se as solidariedades familiares remetem para o parentesco, remetem também, como temos vindo a ver e pelo facto de que o apoio diz respeito aos recursos disponíveis nas redes familiares, para a ideia de que existem vários tipos de recursos “cuja distribuição desigual condiciona a localização dos indivíduos na estrutura social” (Machado 1991: 76/77). Neste sentido a conceptualização, por Bourdieu (1979: 128 e ss.), do espaço social não como uma hierarquia de status, como defendeu a vulgata funcionalista (Davis & Moore 1945), mas antes como campo cuja topologia relacional é construída pelas distribuições desiguais das espécies de valor agenciável e investível que são centrais num momento particular da divisão do trabalho social, 215 é particularmente pertinente para perceber os processos de diferenciação social da solidariedade familiar, bem como as maneiras como os grupos familiares agem nesses espaço.

A noção de espaço social apresenta algumas similitudes com a de um espaço geográfico abstracto (pois as distâncias espaciais correspondem a distâncias sociais) onde existem várias regiões que só podem ser caracterizadas e localizadas umas por relação às outras.216 O espaço social das classes, campo de concorrência pela apropriação dos bens raros

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Sendo certo que nem toda a realidade social pode ser reconduzida, muito menos reduzida, à questão da diferenciação social em classes de existência, tal como esta questão não pode ser pensada unilinear ou unidimensionalmente (Costa 1987; Costa et al. 2000: 10).

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Sobre esta questão ver também Costa (1999: 89-288 & 481-491). 215

E que, nas sociedades contemporâneas, são o capital económico e o capital cultural. Apesar das críticas que se podem dirigir a uma definição demasiado estreita dos recursos culturais, nomeadamente quando são reduzidos ao diploma escolar, pelo efeito de ratificação das hierarquias instituídas na própria ordem social (ver a esse respeito, J. S. Nunes 1999).

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A sociologia ao fazer a análise das posições relativas e das relações objectivas entre posições começa por ser uma topologia social (analysis situs – “num primeiro tempo, a Sociologia apresenta-se como uma topologia

do qual um dado universo social é o lugar, seria, assim e como vimos, estruturado por três dimensões básicas: o volume global de capital, a estrutura das principais espécies de capital (os tipos de recursos disponíveis, mormente económicos e culturais/educacionais) e a trajectória social (passada e potencial).217 As posições relativas das categorias de classe seriam reconstruídas218 pela estrutura das relações entre todas as propriedades pertinentes para a sua definição, sendo cada classe social definida como o conjunto de agentes que estão colocados em condições de existência homogéneas, impondo condicionamentos homogéneos e produzindo sistemas de disposições homogéneos, próprios a engendrar práticas semelhantes, e que possuem um conjunto de propriedades relativamente comuns nas três dimensões referidas (Bourdieu 1979: 112).

Ora o que se está aqui a afirmar, e é elemento central deste quadro de entendimento, é que o espaço de posições corresponde, relativamente, ao espaço das acções (por via das disposições), ou seja, dá-se primazia à articulação entre posições sociais e sistemas de disposições para a acção (habitus) que produzem as práticas. O conceito de habitus (Bourdieu 2000 [1972], 1979 & 1980b) é, assim, o operador conceptual que nos permite articular as posições sociais e condições de existência das famílias com as suas práticas (neste caso de solidariedade), superando a dicotomia entre objectivismo e subjectivismo.

social”, Bourdieu 1989a: 133). O espaço social pode assim ser descrito como “um campo de forças” (Bourdieu

1989a: 134). Sendo que se pode “descrever o campo social como um espaço multidimensional de posições tal que qualquer posição actual pode ser definida em função de um sistema multidimensional de coordenadas cujos valores correspondem aos valores das diferentes variáveis pertinentes: distribuem-se assim nele, na primeira dimensão, segundo o volume global do capital que possuem e, na segunda dimensão, segundo a composição do seu capital – quer dizer, segundo o peso relativo das diferentes espécies no conjunto das suas posses” (Bourdieu 1989a: 135).

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As diferenças primárias que distinguem as grandes classes de condições de existência encontram o seu princípio no volume global de capital. As fracções de classe dentro das grandes classes de existência são definidas por estruturas patrimoniais diferenciadas, ou seja, por diferentes distribuições no seu capital global das várias espécies de capital (económico, cultural e qualificacional, simbólico, social, etc.). A trajectória social diz respeito à evolução no tempo do volume e da estrutura dos capitais, devendo ser entendida como “feixes de