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R ELAÇÕES DE SOCIABILIDADE

3.2. Sociabilidades em Portugal

3.2.4. Perfis integrados de sociabilidade

Com o objectivo de reduzir a complexidade dos dados com vista quer à agregação de práticas associadas, quer, mais à frente, à articulação destas com diferenciações sociais estruturais, procedeu-se a um conjunto de análises factoriais quer sobre os tipos de convívio, quer sobre os seus protagonistas. Dos factores extraídos destas duas dimensões centrais levou-se a cabo uma análise de clusters, que permitiu ainda mais reduzir a complexidade e dispersão dos convívios em grupos-tipo de sociabilidade.

Da análise dos tipos de convívios extraíram-se três factores (Quadro 3.7). Estes factores agregam convívios associados, ou seja, que tendem a ser levados a cabo em volumes semelhantes pelas mesmas pessoas – mesmo que outras pessoas também os possam levar a cabo não o fazem com a mesma intensidade. De uma forma geral, os três factores correspondem aos dois pólos centrais da sociabilidade, que acima associamos preponderantemente quer a convívios familiares, quer a convívios mais amicais, e a um pólo transversal a toda a população.

O primeiro factor, designado por “comida e ritualidades” associa as idas a restaurantes, o comer em casa de alguém, dormir em casa de alguém, as férias e o natal. Este é um conjunto associado de práticas de socialização alimentar e/ou doméstica, bem como aos grandes momentos rituais e sazonais de convivência familiar. Estas sociabilidades, vimos acima, são as que mais estão associadas a relações familiares. De facto, é conhecida a importância da comensalidade nas sociabilidades, particularmente nas familiares (Kauffman 2007; Wood 1995), bem como a centralidade das actividades rituais (Herpin & Verger 1985).

O segundo factor, inversamente, diz respeito a práticas mais associadas a relações não-familiares (e, vimos, preponderantemente amicais, quer do casal, quer dos seus filhos).

Designado por “actividades culturais e desportivas”, este factor agrega as idas ao cinema, a exposições e museus, com as idas a espectáculos desportivos e a prática de desporto.

Quadro 3.7

Tipo de convívios – análise de componentes principais (rotação varimax)

Convívios Factor 1 Factor 2 Factor 3

Comida e Ritualidades Cultura e Desporto Café e Passeio

1. Restaurante ,643 2. Refeições ,670 3. Dormidas ,511 4. Férias ,534 5. Natal ,558 6. Cinema ,636 7. Exposições ,621 8. Espect. desportivos ,504 9. Desporto ,625 10. Actividades religiosas ,545 11. Actividades políticas ,458 12. Café ,651 13. Passear ,588 Eingenvalues 1,973 1,764 1,598 Variância explicada 15,179 13,572 12,295

O terceiro e último factor, agrega duas práticas que, mesmo sendo mais levadas a cabo em contexto de sociabilidade amical do que familiar, acabam por ser práticas transversais ao conjunto da famílias portuguesas com filhos – ir ao café e passear. É, aliás, sabido como este tipo de saídas são centrais na produção de sociabilidades (Choquet 1988). Sendo certo que neste factor encontramos igualmente as sociabilidades religiosas e/ou políticas e sindicais – mas estas, até pelos seus valores negligenciáveis para o conjunto total da população, podem ser relativamente ignoradas. Se a análise factorial fosse feita sem estas duas últimas actividades, a resolução em três factores seria a mesma. As actividades políticas e religiosas aparecem aqui porque as únicas actividades a que se associam são a ida ao café e o passeio. Quer isto dizer que as famílias que levam a cabo essas duas actividades altamente minoritárias, não têm de maneira relevante outras actividades distintivas, tendo apenas as actividades transversais (ou seja, actividades de volume relevante no conjunto da população e que não estão associadas a tipos mais específicos de protagonistas).

A análise factorial dos protagonistas dos convívios produziu uma resolução mais complexa, com um total de sete factores (Quadro 3.8), nem sempre de fácil compreensão nas associações produzidas, já que se produzem partições inesperadas entre protagonistas que, pela proximidade de parentesco, se poderiam esperar ver juntos (tais como os pais do homem e os seus irmãos, estes inusitadamente associadas aos outros não especificados).

O primeiro factor associa a mãe e pai da mulher do casal às sociabilidades com os seus irmãos e cunhados. O segundo factor associa pai e mãe do homem do casal. O terceiro factor associa os outros familiares não especificamente designados (quer os do homem, quer os da

mulher) com os amigos do casal. Um quarto factor associa isoladamente os filhos e filhas não residentes do casal. O quinto factor associa, também isoladamente, as sociabilidades com os tios quer da mulher, quer do homem. O sexto factor, estranhamente, dá-nos a associação entre os irmãos e irmãs do homem do casal (e respectivos cônjuges) com os convívios com outros não especificados. Finalmente, o sétimo factor associa as sociabilidades com colegas e vizinhos às sociabilidades com os amigos, colegas e namorados(as) dos filhos e filhas do casal.

Quadro 3.8

Pessoas nos convívios – análise de componentes principais (rotação varimax)

Protagonistas exteriores dos convívios

Factor 1 Factor 2 Factor 3 Factor 4 Factor 5 Factor 6 Factor 7 Progenitores e Fratria da mulher Progenitores do homem Restante família e Amigos do casal Filhos e Filhas não residentes Tios do casal Fratria do homem e Outros Amigos dos filhos, Colegas e Vizinhos 1. Mãe da Mulher ,875 2. Pai da Mulher ,852 3. Pai do Homem ,863 4. Mãe do Homem ,869 5. Filhos ,743 6. Filhas ,760 7. Fratria da Mulher ,553 8. Fratria do Homem ,499 9. Tios da Mulher ,791 10. Tios do Homem ,761

11. Outros familiares da Mulher ,754

12. Outros familiares do Homem ,803

13. Amigos do casal ,467

14. Colegas do casal ,512

15. Amigos dos filhos(as) ,549

16. Vizinhos ,657

17. Outros ,758

Eingenvalues 11,472 22,442 32,155 39,603 46,978 53,799 60,393

Variância explicada 11,472 10,971 9,712 7,449 7,374 6,822 6,593

A aparente estranheza de algumas destas associações factoriais vem confirmar, apesar da existência dos pólos de sociabilidade acima identificados, que as sociabilidades das famílias portuguesas com filhos se caracterizam, como seria de esperar, pela multiplicidade de arranjos possíveis entre coordenadas múltiplas: diferentes e variados arranjos de pessoas; diferentes e variados arranjos de tipos de convívio. Em qualquer um dos factores identificados, para os protagonistas e seus convívios, não se dá que as famílias portuguesas apenas sociabilizem com os elementos centrais na agregação de cada factor – estes serão os elementos que distinguem e, assim, mais caracterizam a especificidade de cada grupo. Mas dá-se igualmente que, em cada um desses grupos, também se podem verificar, e amiúde se verificam, outros tipos de convívio e com outros protagonistas, além dos que lhes dão particularismo.

Com o intuito de agregar tipologicamente os tipos de convívio com os seus protagonistas, sem querer fazer desaparecer a complexidade de arranjos em categorias discretas e descontínuas, mas procurando encontrar linhas de força, estruturantes e

processuais, que diferenciam as práticas sociais, construíram-se índices a partir das análises factoriais, que serviram de base para uma análise de clusters que permitiu identificar seis perfis integrados de sociabilidade (Quadro 3.9).

O primeiro cluster, designado por “isolamento”, refere-se às famílias que, como vimos desde o início, não declaram ter espécie alguma de sociabilidade com qualquer tipo de pessoas – este grupo perfaz os já conhecidos 6,3 % da amostra.

Os restantes clusters, no entanto, identificam já agrupamentos de famílias com sociabilidades diversificadas, mas que apresentam características diferenciadoras entre si.

O segundo grupo, de “fraca” sociabilidade, diz respeito às famílias que apresentam globalmente níveis muito baixos de sociabilidade em relação às médias populacionais gerais. Médias, aliás, para as quais contribuem com um peso significativo, já que este grupo é o maior nas famílias portuguesas com filhos, representando quase 38 % da população inquirida. Com um tão fraco nível de sociabilidade (apresentando uma média total de convívios ligeiramente abaixo de 3, para uma média populacional geral de pouco mais de 6), este grupo não apresenta um perfil interno, nas pessoas com quem convive em actividades específicas, que o diferencie de forma marcada das preferências gerais das famílias portuguesas: o pouco que faz tem a ver com actividades de “comida e ritualidades”, seguidas a grande distância pelo “café e passeio” e, ainda a maior distância, por parcas “actividades culturais e desportivas”; o pouco que faz fá-lo com os pais e irmãos da mulher, restante família não especificada e amigos do casal, seguidos pelos amigos dos filhos, colegas e vizinhos e somente depois pelos pais do homem.

Quadro 3.9

Tipos de sociabilidade (Two Step Cluster)

Caracterização por factores de protagonistas e de actividades (análise das médias) p<0,000 N % Progenitores e Fratria da mulher Progenitores do homem Restante família e Amigos do casal Filhos e Filhas não residentes Tios do casal Fratria do homem e Outros Amigos dos filhos, Colegas e Vizinhos Comida e Ritualidades Cultura e Desporto Café e Passeio Total de convívios 1. Isolamento 111 6,3 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 2. Fraca 668 37,6 0,95 0,42 0,94 0,00 0,00 0,13 0,50 1,87 0,45 0,62 2,94 3. Filhos e Tios 145 8,2 1,09 0,40 1,71 0,61 0,86 0,28 0,71 3,60 0,86 1,19 5,65 4. Amical 359 20,2 1,31 0,36 2,84 0,00 0,01 0,23 2,94 3,24 2,39 2,05 7,69 5. Familiar 349 19,7 3,55 2,02 1,53 0,00 0,05 1,12 0,66 6,26 1,06 1,62 8,93 6. Ampla 144 8,1 5,33 2,46 5,24 0,33 0,60 1,17 3,12 10,07 3,49 4,69 18,30 Total 1776 100,0 1,84 0,86 1,79 0,08 0,13 0,43 1,23 3,70 1,21 1,44 6,36 η2 (p<0,001) 0,35 0,29 0,31 0,17 0,31 0,23 0,40 0,53 0,46 0,40 0,46

Nota: a bold valores acima das médias.

O terceiro grupo, identificado por “filhos e tios”, refere-se a famílias cuja aspecto distintivo á um maior volume de sociabilidades com os filhos e filhas não residentes do casal

e os tios e tias de ambos os cônjuges. Este é um grupo que apresenta também sociabilidades com todas as outras categorias de pessoas, mas, além da sua particularidade residir nos filhos e tios, nota-se que o alargamento a outros intervenientes da sociabilidade não se faz segundo as hierarquias populacionais gerais das pessoas com quem se convive. De facto, apesar de também se verificarem convívios com os pais da mulher, os convívios com a restante família não especificada de ambos os cônjuges, bem como com os amigos do casal, assumem aqui maior importância. Tal faz supor que este grupo, que também apresenta um volume geral de sociabilidade abaixo da média populacional geral (embora apenas ligeiramente, com 5,65 convívios), seja composto por casais mais velhos, muitos dos quais não terão já progenitores vivos ou capazes de sociabilidade e com filhos e filhos já autonomizados em agregados domésticos próprios – nestes casos estamos perante pouco mais de 8 % da amostra. Dada a centralidade dos pais, principalmente da mulher mas também do homem, nas sociabilidades globais das famílias portuguesas, o seu eventual desaparecimento poderá provocar, como poderá ser aqui o caso, quer uma diminuição global do volume de convívios (embora a média de convívios de “comida e ritualidades” esteja muito próxima da média populacional), quer um redireccionamento dos convívios que existem para outros familiares, como os tios e os filhos.

Num quarto perfil de sociabilidade deparamo-nos com aquelas famílias que se destacam pela forte componente “amical” dessas práticas. Estas são famílias já com um volume total de convívios superior à média populacional geral (estando ligeiramente abaixo dos 8 convívios), representando cerca de 20 % da população. Nestas famílias, havendo igualmente sociabilidades com todas as categorias de pessoas, são os convívios com os amigos do casal (acompanhados, é certo, pela restante família não especificada de ambos os cônjuges) e, mais comuns ainda, os convívios com os amigos dos filhos, bem como colegas e vizinhos, que demarcam um perfil diferenciado. E aliás diferenciado pela importância das “actividades culturais e desportivas” e do “café e passeio” no conjunto dos convívios que têm, superando as médias populacionais ao mesmo tempo que a “comida e ritualidades” se queda abaixo dessa média (apesar de permanecer como a sociabilidade com volume mais elevado).

Por sua vez, o quinto perfil de sociabilidade é claramente mais “familiar” do que outra coisa qualquer – ainda que tenha convívios com categorias amicais, do casal ou dos filhos, estas apresentam-se abaixo das médias gerais. Estas famílias, que representam também cerca de 20 % da população, declaram um total de convívios maior que a média e ainda maior que o grupo “amical”, com quase 9 convívios. Estamos aqui a falar de casos de forte integração e sociabilidades familiares concentradas nos progenitores de ambos os cônjuges e em seus

irmãos (bem como os cônjuges destes). Daí que as sociabilidades se realizem em torno de actividades que vimos anteriormente estarem associadas a um pólo familiar: além do transversal “café e passeio” (somente por pouco superior à média populacional), deparamo-nos com o forte volume das práticas de “comida e ritualidades” (com quase 6,5 convívios declarados), bem como, inversamente, pelo fraco volume das “actividades culturais e desportivas”, já abaixo da média geral para todas as famílias.

Finalmente identificamos um sexto perfil integrado de sociabilidade, designado por “ampla”, no qual encontramos famílias que apresentam volumes de sociabilidade, por protagonistas e actividades específicas, sistematicamente superiores às médias populacionais gerais. Se o perfil interno deste grupo respeita a hierarquização de pessoas e convívios do total populacional, destaca-se, então, pelo elevado volume de convívios, indiciadores de fortes sociabilidades quer familiares e amicais, quer em todos os domínios de sociabilidade. Este é um grupo com quase o triplo do volume total de convívios (18,3) em relação ao total populacional (6,4) e que representa cerca de 8 % das famílias portuguesas como filhos.