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R ELAÇÕES DE SOLIDARIEDADE

4.2. Apoio em Portugal

4.2.1. Volume de apoio

No respeitante ao volume de capital social, a primeira constatação a que podemos chegar é que existem, transversalmente à estrutura social, redes sociais de apoio em Portugal (Quadro 4.1), o que vem desmentir o primado absoluto e exagerado das teses durkheimianas e

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É claro que uma análise mais completa destes processos sociais, e menos centrada na interacção entre capital social e trajectórias familiares, implicaria uma análise, quantitativa ou não, não só dos apoios recebidos, mas também dos apoios dados por conjuntos específicos de agentes. Ou seja, implicaria uma análise das trocas em qualquer sentido, mesmo que muito diferidas no tempo, entre todos os elementos de uma rede social de apoio.

parsonianas de contracção, nuclearização e até isolamento da família e do parentesco.228 Os agregados domésticos não se encontram isolados de toda uma série de relações de troca que estruturam as suas histórias e identidades familiares. Se a oposição entre um pretenso passado rico em solidariedades alargadas, familiares ou comunitárias, e um presente de isolamento familiar, ou mesmo individual, não faz grande sentido, não devemos igualmente cair no extremo oposto desta discussão conceptual – o de falar generalizadamente de um qualquer retorno do parentesco e das “solidariedades primárias” ou de uma natureza generalizada das lógicas da solidariedade e da dádiva.

No entanto, se as lógicas de apoio entre agentes e grupos sociais se verificam, elas não parecem relevar de uma ordem de entrosamento intenso e generalizado em redes sociais alargadas, nomeadamente naquela onde, por excelência, parece dar-se o capital social: a parentela. A diversidade de situações, em termos de apoio recebido, é de facto a regra estatística. Podemos, desta maneira, afirmar que a segunda constatação é a de que existem segmentos da população portuguesa, igualmente transversais a diversas posições de classe, que declaram nunca ter recebido espécie alguma de apoio ao longo de parte significativa do seu percurso de vida familiar. De facto, já em análises anteriores (Wall et al. 2001; Vasconcelos 2002a, 2002b & 2005) tinha sido verificado que parte significativa da população não teve nenhum tipo de apoio por parte de outros agregados domésticos (cerca de 10 %).

Como anteriormente explicado, os apoios recebidos foram registados para um largo período do percurso de vida familiar,229 tomando em consideração quer um conjunto variado de apoios quotidianos recebidos em três momentos específicos de transição na vida familiar,230 quer um outro conjunto diverso de grandes apoios recebidos em qualquer momento desse curso de vida. Esta inquirição permitiu-nos saber não só dos apoios mais recorrentes mobilizados no dia-a-dia da vida familiar, em fases ou estádios específicos de (re)organização dessa vida e das necessidades constantes daí decorrentes, como também dos apoios com maior excepcionalidade, mais pontuais e/ou de maior montante, mais associados a transmissões (essencialmente intergeracionais, como veremos) ou a situações de necessidade menos regulares.

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Demonstrando mais uma vez que os processos estruturais de individualização nas sociedades modernas não podem ser confundidos com o isolamento social individual.

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Falamos aqui de percurso ou curso de vida familiar no sentido das teorias do life course, distinguindo-o da noção de ciclo de vida familiar, por rígida e etapista em demasia.

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São eles o momento de início da conjugalidade, o de nascimento do primeiro filho e o momento actual da vida familiar (com filhos pequenos ou adolescentes).

Olhando para o total do curso de vida analisado (Quadro 4.1), para um período, em média, de quase 17 anos de vida conjugal, verificamos que cerca de pouco mais de 9 % da população231 não recebeu nunca qualquer tipo de apoio. Igualmente verificamos que um pouco menos de metade da população (quase 44 %) recebeu abaixo de 5 apoios – tal indicia, como comprovaremos mais à frente, que cerca de metade da população portuguesa se caracteriza por baixos volumes de capital social. Veremos também como os cerca de 56 % que declaram ter recebido 5 ou mais apoios correspondem a uma diversidade de situações que não podem ser tratadas semelhantemente.

Quadro 4.1

Volume de apoio ao longo do curso de vida familiar (%) Média de 16,5 anos de vida conjugal

Volume de Apoios Quotidianos e Grandes Apoios Apoios Quotidianos Início da Conjugalidade Apoios Quotidianos Nascimento do 1º Filho Apoios Quotidianos Actualmente Total Apoios Quotidianos Grandes Apoios Total Apoios Grandes e Quotidianos 0 apoios 044,2 030,0 051,2 022,0 026,4 009,4 1 apoio 018,5 019,9 019,3 010,0 018,2 007,1 2 apoio 015,4 016,2 012,3 009,8 020,2 009,1 3 apoio 009,7 012,6 008,3 009,6 013,9 010,1 4 apoio 005,9 008,5 004,4 008,3 008,5 008,2 5 ou mais apoios 006,3 012,8 004,5 040,3 012,8 056,1 Total (n=1776) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Média população total 1,4 2,1 1,1 4,6 2,1 6,8

Média pop. apoiada (n=991) 2,6 (n=1244) 3,0 (n=866) 2,3 (n=1385) 5,9 (n=1307) 2,9 (n=1597) 7,5

Distinguindo a análise do volume de apoios entre apoios quotidianos e grandes apoios, vemos como os primeiros são mais frequentes que os segundos, já que, se a percentagem da população que não recebeu nenhum desses apoios não difere substancialmente (entre 22 % e pouco mais de 26 %, respectivamente), a percentagem das famílias que receberam 5 ou mais apoios é de 40,3 % para as ajudas recorrentes em momentos específicos de transição familiar e somente de 12,8 % para as grandes ajudas excepcionais e de montante mais elevado. Se as primeiras, as quotidianas, são ajudas que remetem mais para necessidades permanentes em determinadas fases nevrálgicas do funcionamento familiar, e se as segundas, as grandes, decorrem mais de transmissões patrimoniais ou de apoios excepcionais para situações rituais ou extraordinárias, verificamos, assim, que uma larga maioria da população portuguesa (perto dos 90%) não é objecto, pelo menos repetidamente (recorrência que indiciaria maiores capitais a legar), dessas transmissões. Inversamente, as famílias que conseguem ser alvo de uma multiplicidade de apoios quotidianos e, podemos pressupor, de menor valor, mesmo

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Esta percentagem de 9,4 % é ligeiramente inferior à de 10,1 %anteriormente encontrada (Wall et al. 2001) devido a procedimentos de limpeza da base de dados e de consequente correcção de uns parcos erros encontrados.

sendo uma minoria, são uma extensa minoria (cerca de 40 %). Tais diferenciações, como poderemos constatar melhor mais à frente, não podem deixar de estar ligadas às formas de desigualdade social de tipo classista, já que podemos partir do princípio (a verificar empiricamente a posteriori, como é óbvio) da relativa semelhança de posições de classe entre os participantes de uma qualquer rede social de apoio (para mais dado o seu carácter essencialmente familiar e até intergeracional directo, como veremos).

Os apoios variam não só consoante a sua quotidianidade ou excepcionalidade, os primeiros mais frequentes que os segundos (com uma média de 4,6 apoios recebidos contra apenas 2,1; ou 5,9 contra 2,9, se tomarmos em consideração somente a população apoiada), mas também consoante o momento específico da vida familiar em questão. De facto, olhando para as ajudas quotidianas nos três diferentes momentos da vida familiar, verificamos que quer o início da vida conjugal, quer o nascimento do primeiro filho, são fases de transição onde se verifica maior mobilização do apoio – particularmente aquando do nascimento do primeiro filho. Se no início da conjugalidade a percentagem dos que não recebem nenhum apoio é ligeiramente superior a 44 %, tal valor desce para 30 % no nascimento do primeiro filho e volta a subir, agora para mais de 51 %, no momento presente da vida familiar (vida conjugal com filhos pequenos e adolescentes). Da mesma maneira a percentagem daqueles que recebem 5 ou mais apoios varia entre um máximo de quase 13 % aquando do primeiro filho, para um mínimo de menos de 5 % no momento presente.

Este quadro geral indicia igualmente uma outra realidade. A de que, mesmo sendo verdade que cerca de 90 % da população recebe algum apoio ao longo de todo o percurso de vida familiar, é patente que, em qualquer momento específico desse curso de vida, ou seja, fazendo um corte temporal e olhando apenas para uma fase específica da vida familiar, quase metade da população, exceptuando o momento de nascimento do primeiro filho232 (onde essa metade desce para uns mesmo assim relevantes 30 %), não está a ser alvo de apoio. Ou seja, os volumes de apoio, quotidiano ou outro, nunca são, em qualquer momento concreto do curso de vida, muito elevados, só atingindo algum montante significativo agregando todo o apoio ao longo da vida. As médias de apoio desagregadas são disso exemplares, já que pouco

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E provavelmente qualquer momento de nascimento de crianças. De facto, esta maior mobilização da rede social de apoio para esta fase de transição familiar indicia que um dos momentos de maior activação do capital social será sempre o nascimento de crianças (e não apenas da primeira). Se, como veremos, o capital social é essencialmente uma questão de redes familiares de apoio, então a ciclicidade do apoio será consideravelmente estruturada pelo calendário de fecundidade das famílias, mais especificamente das mulheres.

ultrapassam os 2 apoios, se tomarmos também em consideração aqueles que não receberam apoio, ou nunca ultrapassam os 3 apoios, contabilizando apenas a população apoiada.

Pretendo alcançar uma análise do volume total de apoios, e por essa via da activação real do capital social, mais heurística e que permitisse destrinçar as diversas situações existentes, não só em termos dos que nada ou pouco recebem, mas particularmente em termos das diferentes condições dos que muito recebem, alcançou-se uma tipologia, obtida através de uma análise hierárquica de clusters, com cinco grupos diferenciados consoante o volume do apoio recebido ao longo da vida (Quadro 4.2).

Quadro 4.2

Tipos de volume de apoio

(Cluster hierárquico de todos os apoios ao longo do curso de vida)

Volume de Apoio % Média

Sem Apoio 9,4 0,0

Apoio Fraco 48,9 3,4

Apoio Médio 19,6 8,3

Apoio Forte 16,3 13,2

Apoio Muito Forte 5,8 22,8 Total (N=1776) 100,0 6,8 η2=0,09; p<0,001

Se, como seria de esperar, o grupo daqueles que nunca receberam qualquer apoio se mantém constante (em 9,4 %), verificamos que as restantes situações são reordenadas de maneira bastante diferente. Assim, vemos que quase 49 % da população tem um fraco volume de apoio (com uma média de 3,4 apoios ao longo do curso de vida analisado) – este é o grande grupo no conjunto da população portuguesa no respeitante à capacidade real de mobilização de capital social. Com um volume médio de apoio temos pouco menos de 20 % da população, com uma média de 8,3 apoios ao longo da vida (mais do que o dobro daqueles que têm um volume de apoio fraco). Em relação às situações de maior volume de apoio encontramos duas situações diferentes, aqueles que têm um apoio forte (pouco mais de 16 % com uma média de 13,2 apoios) e aqueles que têm um apoio muito forte (uma minoria de pouco menos de 6 % com uma elevada média de quase 23 apoios ao longo de todo o curso de vida).

Como seria de esperar, dada aliás a natureza do apoio ou capital social como recurso activado e apropriado na divisão social do trabalho e transmitido diferencialmente nos grupos reprodutivos e/ou de coabitação (maxime, grupos familiares e parentela),233 esta diversidade de situações em termos de volume de apoio não se distribui uniformemente pelo espaço social. Ou seja, verificamos que a diferentes posições de classe estão associados diferentes

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perfis globais de volume de apoio. É claro que esta não é uma diferenciação linear e hierárquica, o que é consentâneo, aliás, com a multidimensionalidade dos processos de diferenciação classista e a natureza multipolar, que não uma hierarquia simples de status ou estratos sociais, do espaço social.234

Observando a desigualdade estrutural das posições de classe através da diferenciação de grandes categorias sócio-profissionais235 (Quadro 4.3), vemos que as diversas situações de volume de apoio estão presentes em todas as situações de classe. Mas estão-no em diferentes proporções, daí resultando, em cada classe social, diferentes volumes médios de apoio recebido ao longo do curso de vida familiar.

Quadro 4.3

Volume de apoio e classe social do casal

Volume de Apoio ED PIC PTEI IPP C EE EEI OI AAI Total

Sem Apoio 007,5 006,7 005,6 010,8 009,9 010,4 007,6 010,5 010,9 009,4 Apoio Fraco 055,0 031,5 042,6 050,0 047,3 045,8 051,4 054,8 054,7 048,9 Apoio Médio 012,5 023,6 020,5 018,3 024,2 020,8 019,3 017,7 017,2 019,6 Apoio Forte 022,5 030,3 019,0 016,9 012,1 016,3 015,7 012,6 014,1 016,3 Apoio Muito Forte 002,5 007,9 012,3 004,0 006,6 006,7 006,0 004,4 003,1 005,8 Total (N=1776)

χ2(32) = 58,77; p=0,003 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Média pop. total

η2=0,02; p<0,001 6,7 9,1 8,5 6,4 6,7 7,0 5,9 6,8 5,6 6,8

Média pop. apoiada

N=1597; η2=0,02; p<0,001 7,2 9,7 9,0 7,2 7,5 7,9 6,6 7,4 6,3 7,5

Assim, vincando mais uma vez que estamos aqui a analisar o volume de apoio, ou seja, o número de apoios que se declara ter recebido, e não o conteúdo ou espécies específicas de apoio recebido (em bens e serviços), verificamos que as situações sem apoio são superiores ao total populacional (em valores que rondam os 10-11 %) nos segmentos pouco qualificados da população, quer de empregados assalariados, como os agregados de assalariados agrícolas e industriais (AAI: 10,9 %), nos de operários industriais (OI: 10,5 %), empregados executantes (EE: 10,4 %), quer de pequena propriedade ou trabalho por conta própria, como os camponeses (C: 9,9 %) ou os independentes e pequenos patrões (IPP: 10,8 %). A excepção é aqui os agregados de empregados executantes e industriais (EEI: 7,6 %), que apresentam um valor de não apoio inferior ao total populacional.

234

O que não invalida que nesse espaço social multidimensional e multipolar não possam existir hierarquias, simbólicas e materiais, que actuem a montante e a jusante da acção social.

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Como vimos, as categorias sócio-profissionais são boas indicadoras da distribuição diferencial no espaço social das duas grandes espécies de capital centrais nas modernas estruturas de desigualdade social: o capital económico e o capital cultural. Além do que boas indicadoras da correlativa diferenciação estrutural de condições sociais de existência, sistemas de disposições incorporadas (ou habitus mentais e práticos) e estilos de vida.

São os grupos mais capitalizados da população que seguem na linha desta anterior excepção, com os empresários e dirigentes (ED: 7,5 %) mesmo assim a deterem uma maior percentagem de não apoio do que as categorias cuja inserção sócio-profissional mais depende ainda de elevadas qualificação educacionais – as profissões intelectuais e científicas (PIC: 6,7 %) e as profissões técnicas e de enquadramento intermédio (PTEI: 5,6 %). Estas últimas apresentam igualmente a maior percentagem de casos em que se verifica um volume de apoio muito forte (pouco mais de 12 %). No respeitante a estas últimas situações, a de mais elevado volume de apoio, as profissões técnicas e de enquadramento intermédio podem ser emparelhadas com as profissões intelectuais e científicas (estas com quase 8 % de apoio muito forte), como as categoriais sociais em que mais se verificam processos de mobilização de capital social (pelo menos em termos do número de vezes dessas activação),236 já que apresentam números médios de apoio iguais ou superiores a 9.237

De seguida encontramos todas as outras situações de classe, em que o número de apoios recebidos ronda a média com valores em torno dos 7 apoios (ora mais acima, ora mais abaixo), mas em que podemos diferenciar entre aqueles cuja fatia de recipientes de apoio forte é superior a 6 % (C: 6,6 %, EE: 6,7; EEI: 6,0 %) e aqueles em que é inferior a 5 % (AAI: 3,1 %; OI: 4,4 %; IPP: 4,0 %; ED: 2,5 %;).

O caso dos empresários e dirigentes é particularmente interessante, já que, apresentando uma percentagem de inexistência de apoio inferior ao total populacional, apresentam igualmente tanto percentagens de apoio fraco superior ao total geral (55 % face a pouco menos de 49 %), como percentagens de apoio médio inferior ao total (12,5 % para quase 20 %), como ainda percentagens de apoio forte superiores (quase 23 % face a 16,3 %), bem como a mais reduzida percentagem de casos recipientes de apoio muito forte (2,5 % para quase 6 %). Esta combinação complexa de valores ora superiores ora inferiores ao total

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Lembremos que um único apoio, nomeadamente por parte de categorias sociais com volumes globais de capital mais elevados, pode, em espécie, ter maior valor do que qualquer número múltiplo de apoios quando protagonizados por agentes dotados de menores recursos.

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Na análise dos números médios, mormente olhando apenas para as médias da população apoiada (excluindo, portanto, todas as situações de inexistência de apoio), são as profissões intelectuais e científicas que apresentam um resultado mais elevado (9,7) do que as profissões técnicas e de enquadramento intermédio (9,0). Apesar de estas últimas terem quer menores percentagens de inexistência de apoio, quer maiores de apoio muito forte. Lembremos que as percentagens aqui apresentadas dizem respeito ao número de casos na amostra, e não ao número de ajudas que esses casos podem receber. Assim, e exemplificando, um menor número de recipientes de apoio (casos) podem receber um número total desses apoios mais elevado do que um outro grupo com maior número de casos.

populacional geral, em que se chega a valores médios de apoio perto das médias populacionais (ainda que sempre ligeiramente inferiores), é bem demonstrativa da não linearidade dos processos classistas respeitantes à criação, reprodução e transmissão de vantagens cumulativas adquiridas (Aboim & Vasconcelos, 2009).

Como veremos mais à frente, a situação globalmente privilegiada dos empresários e dirigentes deve necessariamente ser analisada mais pela óptica das espécies específicas de apoio do que apenas pelo seu volume, particularmente quando este indicador diz somente respeito à ocorrência de apoios prestados e não ao seu conteúdo. Esta será, aliás, a linha analítica desenvolvida na secção seguinte. Mas, se a multidimensionalidade dos processos classista complexifica ela própria a distribuição social dos apoios, não quer isto dizer que não encontremos processos linearmente mais hierárquicos no respeitante ao capital social.

De facto, olhando para o volume de apoio através de uma diferenciação social mais ordinal e hierárquica,238 como o nível de escolaridade da mulher inquirida (Quadro 4.4), verificamos uma distribuição e progressão do volume de apoio claramente mais linear.

Quadro 4.4

Volume de apoio e escolaridade da mulher

Volume de Apoio Sem Escolaridade Ensino Primário Ensino Preparatório e Básico Ensino Secundário Curso médio ou Licenciatura incompleta Licenciatura ou grau superior Total

Sem Apoio 009,0 013,0 007,4 006,5 006,9 004,3 009,4

Apoio Fraco 066,7 052,8 046,9 043,2 046,5 031,2 048,9

Apoio Médio 011,5 016,6 022,7 023,6 022,8 017,2 019,6

Apoio Forte 011,5 014,6 016,3 016,6 015,8 033,3 016,3

Apoio Muito Forte 001,3 003,0 006,7 010,1 007,9 014,0 005,8 Total (N=1776)

χ2(20) = 93,41; p=0,000 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Média pop. total

η2=0,04; p<0,001 4,7 5,8 7,1 8,1 7,5 10,4 6,8

Média pop. apoiada

N=1597, η2=0,04; p<0,001 5,2 6,6 7,7 8,7 8,1 10,9 7,5

Com a excepção relativa das famílias cuja mulher inquirida tem um curso médio ou licenciatura incompleta,239 e trata-se aqui somente de uma pequena mas sistemática oscilação para baixo, o volume de apoio aumenta linearmente com o aumento do nível de escolaridade. Tal é patente na descida progressiva das percentagens de inexistência de apoio e de apoio fraco quanto mais elevado o grau de escolaridade, como na subida das percentagens de apoio médio, forte ou muito forte no mesmo sentido. Olhando para os extremos da distribuição encontramos que nas famílias em que a mulher é licenciada ou mais, a percentagem de

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Não quer isto dizer que os processos sociais que subjazem à diferenciação social dos níveis de escolaridade, como modalidade central e credenciada de capital cultural, sejam simples, lineares e ordinalmente hierárquicos. 239

Provavelmente até porque estamos nestes casos a falar ou de percursos de progressão escolar interrompidos (a licenciatura incompleta), ou de níveis qualificacionais e de certificação pós-secundários (o curso médio ou o bacharelato) eles próprios ambíguos e de contraditório valor no mercado de emprego.

inexistência de apoio (4,3 %) é menos de metade das famílias em que a mulher não tem escolaridade (9 %). Inversamente, mas no mesmo sentido de diferenciação e desigualdade social, a percentagem de apoio muito forte é quase onze vezes superior nas licenciadas (14 %) do que nas sem escolaridade (1,3 %). Tal produz uma progressão sistemática do volume médio de apoio na população apoiada (embora seja semelhante se contabilizarmos a população total). De 5,2 nas situações sem escolaridade, passamos para 6,6 nas de ensino primário, para 7,7 nas de preparatório e básico, 8,7 no secundário, 8,1 nas situações em que a mulher tem um curso médio, bacharelato ou licenciatura incompleta,240 e, finalmente, para 10,9 quando a mulher tem uma licenciatura ou grau ainda mais elevado.

Em suma, constatando que as famílias portuguesas com filhos têm, no geral, apoio, logo acesso a capital social providenciador de outros recursos, verificamos, no entanto, que não só existe uma fatia da população que nunca teve algum apoio em momento algum do seu percurso de vida familiar, como, com toda a diversidade de situações em termos de volume de apoios que encontrámos, cerca de metade da população apresenta um volume fraco de apoio. E, mesmo assim, a ocorrência de apoio apenas atinge valores claramente positivos porque tomamos em consideração o volume de apoio agregado de toda a vida familiar, já que constatamos também que esse volume varia ao longo dos momentos ou fases específicas do curso de vida e é mais frequente aquando do nascimento de crianças (nomeadamente o primeiro filho). Mesmo com a agregação feita, aqueles que têm volumes fortes e particularmente muito fortes são uma clara minoria. Simplificando a distribuição proporcional do capital social, diríamos que cerca de 10 % da população não tem apoio, 50 % tem-no fraco, 20 % médio, 15 % forte e apenas 5 % muito forte. Esta distribuição diferencial, que tanto remete para diferentes e desiguais condições sociais de existência, não poderia deixar de estar ligada aos processos mais globais de diferenciação e desigualdade social da sociedade portuguesa, nomeadamente de natureza classista, ou seja, aqueles processos que têm a ver com a criação, apropriação e transmissão diferenciais dos múltiplos recursos centrais (simbólicos e materiais) à divisão social do trabalho. Embora de maneira complexa e não linear, espelhando, aliás, a própria multidimensionalidade da estrutura de classes, vimos que, no geral, as condições sociais sem capital social tendem a ser mais frequentes nas categoriais