• Nenhum resultado encontrado

R ELAÇÕES DE SOLIDARIEDADE

4.2. Apoio em Portugal

4.2.3. Dadores de apoio

4.2.3.2. Lateralização e gendrificação do apoio

Os processos de apoio e as operações efectuadas através do capital social, além de serem, como temos vindo a ver e como veremos mais detalhadamente mais à frente, estruturados por processos de diferenciação e desigualdade social classistas, são igualmente atravessados pelas lógicas da diferenciação e desigualdade de género. E, com o temos vindo a constatar, são-no em dois sentidos: o da diferenciação entre o apoio prestado pela família do homem ou pela família da mulher e o da diferenciação entre contribuições dadas por homens e dadas por mulheres.246

Como já se pôde verificar, os apoios prestados pela família da mulher e pela família do homem não apresentam volumes equivalentes, sendo os primeiros sistematicamente maiores. Mas, como seria de esperar, tal diferenciação depende do tipo de lógica de apoio de que tratamos.

De facto, olhando para o volume total de apoio em termos de lateralização da rede de parentesco apenas (Quadro 4.11), verificamos que 66 % é prestado pela família da mulher,

contra cerca de 33 % pela do homem.247 Se tomarmos em consideração cada uma das lógicas

de apoio constatamos que, apesar dos contributos da família da mulher serem sempre mais numerosos, existem variações no sentido anteriormente comprovado – as participações masculinas (neste caso, da família do homem) aumentam com as lógicas de apoio mais financeiras, patrimoniais ou relacionadas com o mercado, ao contrário das femininas que aumentam com o apoio quotidiano e em alojamento. Assim, no respeitante ao apoio financeiro e material, vemos que a fatia dada pela família do homem, sendo inferior à da família da mulher, ultrapassa já o total populacional, aproximando-se dos 37 %. Em relação aos apoios em ajudas para o emprego e em empréstimos, a participação da linhagem masculina aumenta para quase 41 %. Finalmente em relação às heranças, imóveis e negócio, a parcela de apoio da linhagem masculina sobe para perto de metade do total, com 48 %.

246

Nomeadamente vimos a diferença entre o apoio dos pais-homens e das mães, bem como apoios prestado por casais de progenitores.

247

A estas duas parcelas soma-se cerca de 1 % de apoio prestado por familiares do homem e da mulher, por regra filhos ou netos, ou por familiares cuja pertença à linhagem feminina ou masculina do casal não foi especificada.

Quadro 4.11

Lateralização do apoio familiar – distribuição dos apoios

Família da Mulher Família do Homem Família de Ambos ou não especificada Total (N=10865) Quotidiano e Alojamento 69,1 29,5 1,4 100,0 Financeiro e Material 62,5 36,9 0,6 100,0 Emprego e Empréstimo 58,0 40,9 1,1 100,0

Herança, Imóvel e Negócio 51,6 48,0 0,3 100,0

Total 66,0 32,9 1,1 100,0

Os perfis de apoio das linhagem feminina e masculina (Quadro 4.12), não alterando as hierarquia de proporções relativas de cada uma das lógicas de apoio tal como se encontram no total populacional, apresentam, de facto, diferenciações suficientes para, mais uma vez, comprovar a maior importância das dádivas quotidianas e em alojamento no apoio prestado pela família da mulher (quase 68 %) do que no prestado pela do homem (57 %). Da mesma maneira, as parcelas de apoio financeiro e material, em emprego e empréstimo e em herança, imóveis ou negócio são sempre mais elevadas no perfil da linhagem masculina do que no da feminina, sendo as primeiras, aliás, sempre superiores ao total populacional e as segundas sempre inferiores.

Quadro 4.12

Lateralização do apoio familiar – perfil das linhagens

Família da Mulher Família do Homem Família de Ambos ou não especificada Total Quotidiano e Alojamento 066,7 057,1 081,1 063,7 Financeiro e Material 026,2 031,0 013,9 027,6 Emprego e Empréstimo 002,8 004,0 003,3 003,2

Herança, Imóvel e Negócio 004,2 007,9 001,6 005,4

Total (N=10865) 100,0 100,0 100,0 100,0

Se, em vez de contributos das linhagens masculina ou feminina apenas da rede de parentesco, falarmos mesmo da diferenciação de género em termos de contributos de homens e mulheres (ou casais), então as diferenciações observadas acentuam-se ainda mais (Quadro 4.13). Comprova-se que são as mulheres os dadores de apoio mais importantes (cerca de 37 % do apoio), logo seguidas pelos casais (quase 35 %) e apenas depois pelos homens (quase 28 %). Se são as mulheres as maiores dadoras de apoio quotidiano e em alojamento (cerca de 40 %, contra 29 % dos homens e quase 31 % dos casais),248 são os casais os maiores dadores de apoio financeiro e material (quase 58 %, contra quase 28 % das mulheres e cerca de 15 % dos homens) e são os homens os maiores dadores de apoio em ajudas para o emprego e empréstimos (quase 46 %, contra cerca de 35 % das mulheres e cerca de 19 % dos casais). O apoio com herança, imóveis ou negócio é também maioritariamente dado pelos homens

248

O papel central das mulheres no trabalho mais quotidiano está bem documentado, ver Pezzin & Schone (1999).

(quase 41 %), embora seguidos de perto pelos casais (pouco mais de 38 %), devendo-se às mulheres apenas pouco mais de 21 % deste apoio.

Quadro 4.13

Gendrificação do apoio – distribuição dos apoios

Mulheres Homens Casais Total

(N=12044)

Quotidiano e Alojamento 40,3 29,0 30,7 100

Financeiro e Material 27,5 15,1 57,5 100

Emprego e Empréstimo 35,3 45,5 19,2 100

Herança, Imóvel e Negócio 21,1 40,5 38,4 100

Total 37,4 27,8 34,8 100

Estas diferenciações são igualmente comprovadas analisando o perfil de apoio de homens, mulheres e casais (Quadro 4.14). De facto, se, mais uma vez e seguindo a distribuição populacional, a lógica de apoio mais frequente em todos é quotidiana e em alojamento, verificamos que é mais marcada nas mulheres (cerca de 71 %) do nos homens (pouco menos de 69 %) ou casais (quase 54 %). Nos casais ressalta a fatia do seu apoio em espécie financeira e material (quase 39 %), significativamente acima das mulheres (cerca de 20 %) e dos homens (quase 15 %). Nos homens, por sua vez, salientam-se os valores atingidos pelos apoios em emprego e empréstimo e em herança, imóvel e negócio, ambos ligeiramente superiores a 8 %, já que, embora sejam minoritários, são superiores às percentagens que tais apoios têm nas mulheres e casais, bem como no total de dadores.

Quadro 4.14

Gendrificação do apoio – perfil de género

Mulheres Homens Casais Total Quotidiano e Alojamento 071,1 068,8 053,6 065,1 Financeiro e Material 020,1 014,9 038,6 025,7 Emprego e Empréstimo 005,1 008,1 002,4 004,3 Herança, Imóvel e Negócio 003,8 008,2 005,4 004,9

Total (N=12044) 100 100 100 100,0

Globalmente, e não obstante a transversalidade das lógicas de apoio, bem como a manutenção relativa da sua proporcionalidade, as mulheres e a família da mulher estão mais associadas ao apoio quotidiano e em alojamento, de resto mais próximo do universo doméstico, enquanto as restantes lógicas, mais financeiras, patrimoniais ou ligadas ao mercado, estão mais associadas quer aos homens quer à família do homem. É de notar, no entanto, que o apoio financeiro e material, mas também em medida significativa o apoio com herança, imóvel ou negócio, apresentam um carácter consideravelmente familiar (e de transmissão familiar, acrescente-se), já que relevantemente associados ao apoio dados por casais.