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3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.4 A ABORDAGEM SOCIOECOLÓGICA

3.4.3 Da abordagem biomédica à abordagem socioecológica

Numa abordagem mais ampla de saúde e da doença, deve-se discutir o papel de fatores como o afeto e o bem-estar (SANTOS et al., 2005), da qualidade de vida e dos direitos dos indivíduos, das questões socioambientais, econômicas e políticas e suas relações com os territórios onde as pessoas vivem (SILVA; ANDRADE, 2013). Esta abordagem não é a mais disseminada nas discussões sobre a saúde e a doença, o que pode ser explicado pelo fato de que a construção das representações sociais que os indivíduos apresentam é fortemente motivada pelo contexto histórico (SANTOS; FAGUNDES, 2010), político (SILVA; COSTA, 2010), familiar e sociocultural (FUKUDA; GARCIA; AMPARO, 2012; MORAIS et al., 2012). Assim, a visão que tem sido dominante é a biomédica, geralmente apresentada pelos profissionais de saúde, que tendem a focar nos aspectos biológicos e individuais dos sujeitos acometidos por doenças ou a se preocupar com sua prevenção, sendo, por sua vez, uma decorrência do processo de medicalização da sociedade (ver seção 3.2.3).

Os limites da abordagem biomédica e a proposta de uma abordagem socioecológica têm sido objeto de debates crescentes, a tal ponto que alguns autores chegam a afirmar que aquela abordagem, apesar de hegemônica, começou a entrar em crise no contexto social (ver TESSER, 1999; LUZ, 2005), por ser considerada desumanizadora e pautar-se numa racionalidade exclusivamente técnico-instrumental. Além disso, desde a década de 1980, vem sendo disseminada por todo o mundo a concepção de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS), conforme expressa na Carta de Ottawa, na qual a saúde é definida como “um estado de completo bem-estar

físico, mental e social” (OMS, 1986, p. 1). Desse modo, outros fatores da saúde, além

daqueles privilegiados pela abordagem biomédica, são levados em consideração.

Nessa concepção, a saúde humana está inserida num contexto em que se privilegiam suas relações com a sociedade, o que possibilita entender a saúde desde um horizonte mais integral (QUINTERO, 2007). No entanto, essa definição de saúde carece de informações que permitam operacionalizá-la e aplicá-la em situações práticas, uma vez que, caso a saúde seja entendida dessa forma, ela pode tornar-se um estado inatingível e irreal. Como discutem Segre e Ferraz (1997), afinal, nenhum ser humano pode encontrar-se num estado de completo bem-estar físico, mental e social, em particular em sociedades marcadas por profundas desigualdades e numa ordem econômica mundial igualmente desigual.

A abordagem socioecológica da saúde tem sido considerada uma visão promissora (OMS, 1984; GOLDEN; EARP, 2012), sendo apresentada sob diversas designações:

- Abordagem biopsicossocial (MOSEY, 1974; DE MARCO, 2006; FAVA; SONINO, 2008);

- Abordagem holística (BRALLIER, 1978; YAHN, 1979; MARTIN; MARTIN, 1982; EBERST, 1984; STEFAN; MCMANUS, 1989; OH; KIM, 1993; EDBLAD et al., 1996; BJÖRKLUND; SVENSSON, 2000; BRIGHT, 2002; TÄLJEDAL, 2004; WANG, 2004; WANG, 2005; ZENKOU, 2007; CHOU, 2007; WANG; TANG, 2010; TAROCCO; AMORUSO; CARAVELLO, 2011);

- Abordagem ampliada (ÓGATA; PEDRINO, 2004);

- Abordagem ecológica (ALVES; ARRATIA; SILVA, 1996; BARRY; HONORE, 2009);

- Abordagem ambiental (BRASIL, 2002).

Vale destacar que são encontradas na literatura críticas ao uso do termo ‘biopsicossocial’ para caracterizar esta abordagem16, por compartilhar com a abordagem biomédica a premissa de que se deve buscar uma única realidade, a ser desvelada através dos métodos das ciências naturais, não considerando as ciências sociais e humanas, por exemplo. Para alguns autores, a abordagem biopsicossocial tem sido apenas uma postura paliativa com relação à biomédica, acrescentando à dimensão física as dimensões psicológica e social, muito mais como retórica do que como elementos de uma prática real (ver MURRAY; CHAMBERLAIN, 1999; STAM, 2000). Para outros autores, na prática, a Psicologia da Saúde tem continuado a privilegiar a etiologia unicausal, a divisão entre corpo, mente e ambiente, em lugar de uma visão integrada do indivíduo, com o uso de sofisticadas variáveis psicológicas em análises estatísticas, mas de forma fragmentada (TRAVERSO-YÉPEZ, 2001).

Além disso, alguns autores, como, por exemplo, Ewles e Simnett (2003), consideram a definição de saúde proposta pela OMS totalmente irreal e ideológica (como é possível os indivíduos atingirem um estado de ‘completo bem-estar’?), criticando-a, além disso, por implicar uma posição estática, ao considerar a vida e o viver como algo que, depois de alcançado, não muda, restando ao indivíduo apenas a fruição do completo bem-estar. Para estas autoras, a ideia mais apropriada é de que ter saúde significa ter habilidade para se adaptar continuamente às constantes demandas, mudanças e estímulos.

16 Autores que fazem tal crítica estão, assim, tratando a psicologia como pertencente ao campo das

ciências naturais, o que pode ser a razão para controvérsia, na medida em que parte dos psicólogos a considera parte das ciências humanas.

Há, ainda, outras terminologias utilizadas para a denominação dessa abordagem ampliada de saúde, por exemplo, termos como ‘holística’ e ‘ampliada’, mas que, por terem múltiplos significados, não se mostram suficientemente precisas para veicular, como deve fazer uma boa designação, parte substantiva do conteúdo da abordagem. ‘Ecológica’ e ‘ambiental’ são termos limitados por deixar de fora a dimensão social, algo que ocorre em alguns trabalhos que dão ênfase aos fatores ambientais.

Desse modo, consideramos a denominação abordagem socioecológica mais apropriada, por entendermos ser necessário compreender os problemas ambientais de modo integrado aos problemas sociais, bem como aos demais fatores que podem definir o processo saúde-doença. Ademais, em nossa perspectiva, o termo socioecológico reforça o papel ativo do indivíduo no processo de transformação/mudança social. Em outras palavras, vemos o indivíduo como protagonista para a mudar a realidade no qual ele se encontra, mesmo que a situação seja um cenário adverso. Em contrapartida, a terminologia socioambiental (ver WESTPHAL, 1997), por exemplo, daria ênfase à necessidade, primeiramente, de um ambiente favorável para que, assim, o indivíduo possa agir em prol de mudanças no contexto da saúde.