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3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.4 A ABORDAGEM SOCIOECOLÓGICA

3.4.1 Origens da abordagem socioecológica

A abordagem socioecológica emergiu como alternativa às abordagens da saúde centradas em ações apenas individuais e, em termos gerais, orientadas por uma visão unicausal da saúde e, em especial, da doença, o que conduz a uma ênfase sobre os aspectos biológicos. Esta alternativa esteve ligada a aspectos como o surgimento de uma visão salutogênica, a influência do sanitarismo e as contribuições da epidemiologia para uma mudança de uma visão unicausal para uma visão multicausal da saúde e da doença.

Trata-se de destacar que, ainda que os métodos diagnósticos e terapêuticos, assim como iniciativas como a vacinação, sejam dirigidos aos indivíduos, é importante considerar a necessidade de uma maior democratização do acesso à saúde e de uma compreensão da saúde como direito, da conjugação da compreensão e da ação sobre os aspectos socioambientais associados à saúde, da participação mais crítica do cidadão em relação à promoção de sua saúde e da saúde de sua comunidade, da dimensão coletiva da saúde e da doença. Estes são, afinal, aspectos aos quais se deve atentar quando se visa a manutenção e o aumento da qualidade da vida e da saúde, por atingirem não somente as pessoas, mas também as comunidades às quais elas pertencem, através de uma abordagem integrativa que incorpora ações individuais e coletivas (OLIVEIRA; EGRY, 2000).

Esta abordagem deixa de lado a distinção entre as atribuições e ações individuais e coletivas, fomentando práticas de saúde voltadas tanto para o indivíduo quanto para a comunidade. Seu surgimento se concretizou quando se começou a buscar no ambiente as causas das doenças, investigando-se não apenas agentes de caráter biológico, mas também fatores físicos, sociais, econômicos e políticos relacionados com a saúde (QUINTERO, 2007). Isso significa dizer que a abordagem socioecológica tem como uma de suas raízes a visão sanitarista, por esta preconizar uma discussão de saúde e doença pautada por questões socioambientais. Vale destacar, no entanto, que a visão sanitarista foi silenciada pela hegemonia da abordagem biomédica (ver OLIVEIRA; EGRY, 2000; RIZZOTTO, 2006), o que dificultou a disseminação da visão de que as ações em saúde devem ser planejadas em consonância com ações relativas ao meio ambiente e às condições socioeconômicas, que se constituem em importantes fatores no processo de saúde e doença. A abordagem socioecológica resgata esta visão, já defendida pelo sanitarismo. Porém, enfatiza que as ações de saúde devem ter como foco o meio ambiente e seu espaço físico (BARTON, 2005), bem como a sociedade e as culturas presentes nos contextos. Diante desse cenário, a “promoção da saúde ambiental” está na interseção entre duas áreas, saúde e meio ambiente, passando pelos aspectos sociais, devendo ser compreendida como todo processo planejado visando à promoção integral da saúde, através de ações que possibilitem avaliar, corrigir, controlar

e prevenir fatores ambientais que podem prejudicar a saúde e a qualidade de vida dos indivíduos que estão inseridos dentro de um contexto sociocultural (HOWZE; BALDWIN; KEGLER, 2004).

Enquanto a abordagem biomédica se ocupa, sobretudo, de uma visão negativa do processo de saúde e doença, focado principalmente sobre esta última, a abordagem socioecológica busca ultrapassar esses limites, defendendo uma visão salutogênica, que considera a saúde como a presença de um estado de capacidades e funcionalidades humanas positivas, em pensamento, sentimento e comportamento (KEYES, 2007), e não apenas como a ausência de doenças.

Numa visão salutogênica, uma abordagem epidemiológica ganha espaço em relação à perspectiva microbiológica, característica da abordagem biomédica, que reforça a unicausalidade, considerando a doença como ação exclusiva de um agente biológico (ver LEAVELL; CLARK, 1976; MOREIRA; NICO; TOMITA, 2007). Isso não significa que se perca inteiramente de vista a dimensão microbiológica, mas que ela passa a ser um aspecto entre vários considerados no processo de saúde e doença. A epidemiologia transformou a visão de saúde e doença de uma perspectiva unicausal para uma multicausal e, assim, favoreceu o que chamamos aqui de abordagem socioecológica. Além do impacto da epidemiologia, a unicausalidade também perdeu espaço diante do seu limitado poder explicativo face à compreensão de diversas doenças não-infecciosas do mundo moderno, como câncer, diabetes, transtornos mentais etc.

Contudo, ao pensarmos nas abordagens da saúde, uma questão precisa ser destacada: a inclusão de uma teoria multicausal nos discursos e nas ações não significa necessariamente que se tenha assumido uma abordagem socioecológica da saúde (como a entendemos no presente trabalho). Afinal, a teoria da multicausalidade propôs um marco de interpretação da saúde a partir da descoberta de relações que favoreciam as possibilidades de prevenção das doenças, consolidando-se na década de 1960 a partir da influência de Mac Mahon (ver BREILH; GRANDA, 1986; CAMPOS; SOARES, 2003), por meio da intervenção em sua cadeia causal, suprimindo-se ou modificando-se variáveis através de medidas coletivas de controle (BREILH; GRANDA, 1986). Esta é uma mudança importante na compreensão da saúde e da doença, mas não tem, por si, o mesmo alcance de uma abordagem socioecológica.

Posteriormente, uma versão mais dinâmica da teoria da multicausalidade foi proposta por Leavell e Clark (1976), em seu modelo da tríade ecológica, que destaca que os fatores importantes para o aparecimento da doença são o ambiente, o hospedeiro e o agente, os quais estariam interrelacionados e em equilíbrio na natureza. Desse modo, a doença é entendida como uma consequência da anormalidade em algum desses fatores e/ou em suas relações, o que provoca a ruptura do equilíbrio do sistema modelado pela tríade ecológica (BREILH; GRANDA, 1986). Nesse contexto, Laurell (1983) destaca que se esse sistema estiver em desequilíbrio, a doença surge por meio de processos biológicos, situados no indivíduo. No caso de doenças infecciosas como a tuberculose, por exemplo, uma compreensão apropriada requer que sejam consideradas as interações entre agente, hospedeiro e ambiente e, assim, a doença passa a ser entendida num contexto que inclui as relações entre esses fatores, além de outros aspectos que definem a doença (CAMPOS; SOARES, 2003; MORENO-ALTAMIRO, 2007). Pode-se perceber, contudo, que, apesar de a teoria multicausal relacionar o processo de saúde e doença a três aspectos (ambiente, hospedeiro e agente), os fundamentos da abordagem biomédica prevalecem: ênfase no indivíduo, centralidade nos aspectos biológicos (ciclo de vida de parasitos, vetores) e tratamento da saúde a partir de sua negação (doença).

Além disso, reconhecer o papel das questões ambientais na saúde e a importância de ações que possibilitem a coexistência de estratégias ambientais e médicas não significa, necessariamente, adotar uma abordagem mais integradora (WITTER, 2008). Por exemplo, ao se propor discussões sobre as doenças infectocontagiosas e crônico-degenerativas, ambas vinculadas a fatores ambientais, não se está obrigatoriamente planejando estratégias que incorporem dimensões econômicas, sociais, culturais, políticas, ecológicas. Isso porque as primeiras, geralmente, são relacionadas à presença de vetores e à contaminação da água, do ar e de outros veículos de patógenos, e as últimas, à poluição ambiental, à má qualidade dos alimentos e ao estresse (BRASIL, 1999). É comum que não se dê maior ênfase, assim, a políticas e programas públicos que lidem com fatores socioambientais de central importância, por exemplo, que forneçam meios e incentivos para os agricultores plantarem sem o uso de agroquímicos, para a preservação de áreas verdes e espaços de lazer nas cidades, para a conservação de biomas naturais, para a melhoria da qualidade de vida das populações de baixa renda etc.

A título de exemplo, no contexto brasileiro, podemos ver como a consideração de questões ambientais não implica uma abordagem mais integradora da saúde e da doença nos propósitos da própria Política Nacional de Saúde Ambiental:

[...] a prevenção de agravos à saúde decorrentes da exposição do ser humano a ambientes nocivos e a redução da morbi- mortalidade por doenças transmissíveis, crônico-degenerativas e mentais mediante, sobretudo, a participação do setor saúde na criação, na reconstituição e na manutenção de ambientes saudáveis, contribuindo, assim, para a qualidade de vida da população brasileira (BRASIL, 1999, p. 15).

Embora a ideia de um “ambiente saudável” sugira uma atenção às dimensões econômicas, sociais, culturais, políticas, ecológicas, podemos observar que o foco ainda recai sobre a “redução da morbi-mortalidade por doenças transmissíveis, crônico- degenerativas e mentais”, e não sobre a manutenção e melhoria da saúde, em todas as suas dimensões. Além disso, não discute a dimensão das desigualdades sociais, injustiças, como a injustiça ambiental, quando se refere à “população brasileira”, ou seja, não problematiza que o acesso aos ambientes saudáveis não é igual para todos.