• Nenhum resultado encontrado

mento em propor questões sem respostas

2.3.3 Da atividade à busca de sentidos para a formação

Nesta seção, discuto duas situações identificadas durante o desenvolvimento da ati- vidade Riscando cubos e economizando papel. A primeira delas refere-se à busca de sentidos da professora Léia para a atividade de que participava. Especificamente nesta, esta professora se mostrava muito observadora e reflexiva. Durante os diálogos, ela men- cionou que, após as primeiras atividades, já se sentia mais à vontade, mas buscava no movimento das peças, ao formarem um retângulo, uma associação aos seus conhecimen- tos, mencionando que os encaixes das planificações lembravam o trabalho de um pedreiro ao assentar revestimentos. Por um tempo fiquei pensativa, ao ler a transcrição, vendo distinções entre a forma dos azulejos e das planificações. Entretanto, um tempo depois, ao me deparar com um revestimento que mantinha os ladrilhos quadriculados, mas as es-

tampas combinavam-se por entre os ladrilhos, percebi que deve ter ocorrido um esforço do pedreiro para além da forma e com isso passei a interpretar, de outro modo, o que Léia mencionou.

209. L. No começo não entendia o enunciado, não entendia nada. 210. L. Fiquei só observando. . . Nossa!

211. L. Observando. Observava ela (Dulce), observava essa aqui (Gi- sele).

212. L. Nossa, mas foi. . . Aí depois é que eu fui pegando o jeito, mas demora, demora.

213. L. Olha, pra quem não gosta de matemática! 214. D. Não gostava!

215. L. Não gostava!

216. L. Eu quero aprender gente, eu preciso aprender!

217. L. Tá mais fácil, depois disso aqui olha (Apontando seus registros dos primeiros encontros.). Fiquei em casa olhando. . .

218. L. Com essa atividade aqui, eu ouvindo o comentário dela [Gi- sele], dela [Cidinha], eu tô encaixando, né. Fiquei pensando um monte de coisas, fui até falando ah, é o pedreiro, é o azulejo, pra ver se dá certo.

219. L. Mas. . . São gostosas. . . De estar descobrindo, de estar investi- gando, de estar tentando, várias tentativas, não é tarefa pronta. 220. D. Eu penso assim, você [Léia] vai vendo o que serve ou não para

sua realidade, porque às vezes o que funciona para comigo não funciona com você.

Conforme entendido por Dulce, a busca por um sentido para a atividade relacionava- se a ela poder utilizar em sala de aula com seus alunos. Pela observação e participação na atividade das demais, Léia analisou seu próprio modo de aprender, do estranhamento inicial com o enunciado para o prazer das descobertas, associando com suas memórias e com suas necessidades. Concordo com (PLACCO; SOUZA, 2006, p. 38), pensando na formação docente que,

os processos formativos precisam oferecer oportunidades para que os professores busquem pontos de intersecção com seus pares, por meio de depoimentos e relatos de experiências. Nesses processos, convive-se com a declaração de dúvidas e angústias, a confirmação das conquistas e o enfrentamento das dificuldades, num movimento de interlocução, de acolhidas, de pontuações necessárias, que enriquecem o trabalho tanto no individual como no coletivo.

No diálogo subsequente, Léia esclareceu (falas 221 e 223) que se sentia incomodada com o uso que daria para tal atividade no primeiro ano do Ensino Fundamental. Em suas palavras, ela procurava onde “aplicar” isso com seus alunos. Além do estranhamento com o texto do enunciado, é possível que Léia também estivesse na expectativa de que um curso de formação lhe forneceria diretamente o que ela deveria levar para sua sala de aula e como o deve fazer. Segundo Fiorentini, Souza Jr. e Melo (1998), o papel do pro- fessor oscilou entre tomar, através de cursos e capacitações, um conhecimento produzido por outro — o especialista, e aplicá-lo, desempenhando um papel técnico e, lutar pela autonomia intelectual em pensar e produzir conhecimento, atuando como agente ativo e reflexivo. O primeiro caso, de acordo com os referidos pesquisadores, pode ser em decor- rência da cultura profissional da racionalidade técnica, que “supervaloriza o conhecimento teórico” ou ainda pelo “pragmatismo praticista ou ativista” (p. 131).

Apesar disso, Léia ampliou suas reflexões e relatou que, após as atividades que en- volveram planificação de cubo no grupo, ela apresentou “novas” tarefas para seus alunos em decorrência das reflexões e aprendizagens do curso. Esta professora (falas 224 a 226), destacou sua surpresa em alguns alunos não conhecerem um cubo a partir de materiais concretos.

221. L. Eu fiquei pensando: gente, onde é que eu vou aplicar com meus alunos?

222. D. Mas você vai achar. É legal, é muito legal isso. A gente pensa que não vai achar nunca.

223. L. Eu fico me questionando sabe.

224. L. Eu já comecei dando as figuras para eles, mostrando no con- creto o cubo.

225. L. Antes do curso eu já tinha dado, mas depois do curso, mos- trando os lados [as faces], desmontamos o cubo.

226. L. Tinha aluno lá que nunca viu!

A formação docente, pautada em atividades nas quais o professor possa vivenciar novas formas de aprender e de ensinar e possa, no diálogo, compartilhar aprendizagens, dúvidas, angústias e expectativas podem favorecer a problematização e alteração de suas práticas. Placco e Souza (2006) defendem a importância da memória e da redescoberta de suas próprias experiências como ponto de partida para suas aprendizagens: “o professor, ao recorrer à memória como ferramenta de aprendizagem e formação, percorre o caminho

de abertura e disponibilidade para novas indagações e descobertas, cria projetos, revê, abandona e valoriza práticas já percorridas e ilumina esse processo com as lembranças remexidas na gaveta dos guardados” (p. 39).

Por outro lado, provinda de uma experiência de formação diferenciada de Léia, An- dréa ressaltou (fala 227) a influência das pessoas com as quais convivemos ao longo da vida em nossa formação. São nossos pais, professores ou colegas de profissão. Quando estes são rememorados em nossas narrativas de vida, podemos dimensionar aspectos de sua contribuição e presença em nossa formação enquanto homens e professores, pois “aquilo em que cada um se torna é atravessado pela presença de todos aqueles de que se recorda” (DOMINICÉ, 2010, p. 56).

227. A. No [nome de colégio da rede particular] a gente teve muito. A coordenadora de matemática amava matemática e levava todo mundo a amar matemática, a fazer da matemática uma coisa fá- cil.

Como veremos mais adiante (Seção 3.1) em decorrência dessa atividade e de sua experiência docente, Andréa apresentou um problema aberto aos seus alunos envolvendo pavimentações de retângulos com planificações de cubos.

2.4

Investigando a composição de figuras geométricas com

o tangram

Essa atividade ocorreu em dois encontros consecutivos, nos quais nem todas as parti- cipantes foram as mesmas. Após uma primeira etapa, a atividade foi retomada a partir da narrativa oral do que já tinha sido feito e foi sistematizada em um texto coletivo e então foi seguida até o final. Na presente seção, ao narrá-la, parte dos diálogos será complementada com recortes do texto coletivo.

A composição do texto coletivo não se configurou um exercício ou revisão. Ao con- trário, possibilitou novas reflexões e análises além de ter sido importante para a siste- matização dos resultados já obtidos, conforme salientou Cidinha (falas 228 a 230). Do primeiro para o segundo encontro em que esta atividade foi desenvolvida, as professoras não produziram narrativas, tendo em seus registros as anotações feitas durante a atividade.

228. C. Eu achei ótimo o registro, ficou mais completo, mais fácil de entender.

229. C. Foi bem explicadinho, de onde começou, como é que surgiu. 230. C. Porque a gente fez a coisa aqui, anotei, fui passar a limpo,

e eu não entendia mais nada.(Referindo-se aos seus registros no intervalo de um encontro para o outro.)

A escrita do texto coletivo, na forma narrativa, possibilitou a reconstrução e a (re)vi- vência da atividade, utilizando a língua materna, facilitando a aproximação entre as ex- pressões cotidianas e o vocabulário próprio da área, conforme discutimos no grupo. Do mesmo modo, as argumentações em língua materna foram referências para a elaboração de provas que pudessem garantir as respostas encontradas.

Com referência aos seus estudos sobre formas de linguagem, Garnica (2002, p.77-78) defende

a necessidade de, nos contextos de ensino e aprendizagem de Mate- mática, haver uma interconexão entre as linguagens natural e artificial. Mesmo tendo a aparência (ou a pretensão) de impermeabilidade, a lin- guagem Matemática não pode prescindir da língua materna para sua comunicação, e esse processo de vinculação entre sintaxe e semântica, mesmo que de difícil apreensão, naturalmente impõe-se no dia-a-dia do professor de Matemática. Essa constatação, junto às discussões na comunidade de educadores matemáticos, fez com que, em minha traje- tória, a prova rigorosa passasse a ser considerada como uma — dentre as várias — forma de argumentação acerca do objeto matemático.

Meus objetivos nesta atividade foram (i) discutir as possibilidades do uso do tan- gram13 na composição e decomposição de formas planas; (iii) identificar figuras planas que possam ser feitas com as peças do tangram; (iii) explorar a noção de área em figuras planas formadas com as peças do tangram e (iv) desenvolver e refletir sobre a dinâmica exploratório-investigativa.

A tarefa foi entregue às professoras na forma escrita como:

13Por não se referir a um modelo comercial ou marca registrada de material didático, durante o texto,

utilizarei tangram grafado com a letra “t” minúscula. Além disso, preferirei utilizar o artigo “o” ao invés de “um”, escrevendo “o tangram”.

INVESTIGANDO FIGURAS GEOMÉTRICAS COM O TANGRAM Investigue as figuras geométricas que podem ser formadas a partir da junção de duasa peças do tangram. Lembre-se de que uma investigação inicia-se com a exploração da situação proposta, prossegue com a proposição de questões, com o levantamento de conjecturas, testes, refinamento, reelaboração e por fim, com a socialização dos resultados obtidos. Registre todas as etapas!

Para facilitar o registro, em anexo, você está recebendo uma tabela com dese- nhos das peças.

Figura 2.30 – Tabela de dupla entrada com o desenho das peças do tangram construídas em escala.

(Imagem elaborada pela pesquisadora.)

aOptei por restringir a quantidade de peças para não deixar a atividade muito ampla e difi-

cultar seu desenvolvimento ou a socialização e discussão dos resultados.

Ao apresentar o desenho das figuras na tabela, meu objetivo foi facilitar as represen- tações e a organização do registro bem como as análises durante a atividade. Além disso, optei por não lhes dar as peças do tangram para priorizar o registro no qual elas pudessem prever os resultados, para posteriormente utilizarem-no para confirmarem ou refutarem suas conjecturas.

2.4.1

O uso do desenho e de materiais concretos manipuláveis: refle-