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2 A REVISÃO DE TEORIAS E A EXPLICITAÇÃO DE CONCEITOS

3 A DINÂMICA DAS TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS E A EVOLUÇÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS DE LAZER NATALENSES

3.1 O contexto da evolução dos espaços públicos de lazer natalense

3.1.1 Da cidade espontânea ao planejamento higienista

A cidade de Natal foi fundada em 1599, com o objetivo militar de garantir a posse colonial da área. No entanto, o seu povoamento ocorre de forma muito lenta durante muitos anos. Inicialmente, o seu crescimento foi espontâneo, orientado pelas suas características geográficas. O crescimento incipiente tinha nos primórdios um núcleo reduzido à Cidade Alta, que era seu único bairro. Somente nas últimas décadas do século XVIII, começou a expandir-se em dois sentidos, rumo à Ribeira e em direção ao Baldo (CASCUDO, 1999).

A atual Praça André de Albuquerque foi o seu primeiro logradouro público, que era um largo central, sendo o local de celebração da missa de fundação da cidade, em 25 de dezembro de 1599. A escolha dessa área para a edificação da cidade foi motivada por razões estratégicas e de segurança, pois a área se constitui de um planalto com total visibilidade do

rio e do mar, local correspondente ao platô, formado entre a avenida Junqueira Aires e a avenida Rio Branco.

Durante muitos anos, a Cidade Alta continua sendo o único bairro da cidade, sendo ali construída, também, a Praça da Santa Cruz da Bica, cuja primeira referência em documentos oficiais ocorreu em 1675, e posteriormente, a praça João Tibúcio, em 1706.

O primeiro relato oficial sobre questões de entretenimento na cidade refere-se a uma regulamentação fiscal da Câmara Municipal em 1830, que obrigava aos que apresentavam espetáculos públicos como farsas de máscaras, comédias, danças de corda, painéis circulares de fogo artificial, bailes, presépios, e fandangos, a requererem licença para atuar, pagando o imposto de trezentos e vinte réis – moeda da época, ficando os apresentadores liberados para cobrança de taxas para quem participava desses eventos. Além desses espetáculos previstos pela exigência fiscal da Câmara, havia as festas religiosas que foram trazidas pelos portugueses para o Brasil. Essas festas tinham na praça uma conotação mais popular devido à sua gratuidade (CASCUDO, 1999).

Ainda de acordo com Cascudo (1999), a primeira casa de teatro da cidade, um barracão de palha localizava-se na atual rua Gonçalves Lêdo na Cidade Alta, foi edificada no ano de 1840.

Segundo Nesi (2002), na Cidade Alta existia também, um ponto de entretenimento da população na época, num terreno que já existia como espaço público por trás da Matriz e que tornou-se, em 1988, a praça da Alegria, ponto de animação e palco para apresentação de grupos de artistas amadores, em teatrinhos improvisados.

Na continuação do Baldo, adentrando o continente, foi construída uma estrada que ligava Natal a São José de Mipibu e a Macaíba, o que possibilitou o surgimento, nesse percurso, do bairro do Alecrim. Em 1857, foi autorizada a construção de um cemitério nesse local que ainda guardava grande distância da Cidade Alta na época. O crescimento da Ribeira

e o povoamento das Rocas, bairro contíguo, no rumo da praia, ocorreram somente após a instalação das obras do porto, no estuário do Potengi/Jundiaí, em 1897. Esse fato impulsionou o desenvolvimento da Ribeira, antes constituída de uma vila de pescadores, provocando o aumento de sua população com a chegada de operários para essa construção (CASCUDO, 1999).

Natal, como cidade portuária, apresentava as condições para acelerar seu desenvolvimento, visto que a economia do Rio Grande do Norte estava voltada, então, para exportação da produção de matérias-primas como sal, açúcar e algodão.

No final do século XIX e primeiros anos do século XX, intensifica-se a expansão em direção à Ribeira, cujo único elo com a Cidade Alta era uma ponte localizada na área correspondente à atual praça Augusto Severo (MIRANDA, 1999). Outro marco que proporcionou a expansão da Ribeira foi a chegada da estrada de ferro, cuja estação terminal se localizava nesse bairro.

A Cidade Alta, nessa época, apresentava características de um bairro principalmente residencial, enquanto a Ribeira concentrava atividades comerciais e de gestão pública. Em 1905, a praça da Alegria passou a ser denominada Pe. João Maria, crescendo de importância quando se torna o ponto final de bondes puxados a burros, que serviam de transporte urbano na época. Ainda em 1921 essa praça era um recanto arborizado, contendo um busto dedicado ao Padre João Maria, o que veio a torná-la, desse modo, um centro de peregrinação aos devotos desse santo popular.

Também na cidade alta , na praça André de Albuquerque, foram exibidos os primeiros filmes em Natal, na primeira década do século XX, por iniciativa governamental, em telas ao ar livre e aberto ao público (BEZERRA, 2002).

A atual Praça das Mães, que está localizada entre os bairros da Ribeira e Cidade Alta, no encontro das ruas Junqueira Aires e Padre João Manuel, já era local conhecido desde 1599,

pois aí se encontrava uma cruz que assinalava um dos limites da cidade. Porém com a expansão da cidade em direção à Ribeira, a área torna-se mais utilizada e, no início do século XX, foi construída uma praça com arborização, ajardinamento, bancos, e o busto de Pedro Velho. Em 1960, no dia das mães, o local foi reinaugurado com um monumento em homenagem às mães (NESI, 2002).

Mesmo após a Independência, a vida nas cidades brasileiras continua com muitos traços do tempo colonial, porém é crescente a desordem urbana causada pelo processo de imigração na época. Após a Proclamação da República, as cidades brasileiras foram alvo de grandes intervenções físicas, nas quais os espaços públicos urbanos passaram a ser pensados com enfoque higienista, com a preocupação de prevenir a cidade e a vida pública contra riscos à saúde.

O modelo higienista visava erradicar os focos de contaminação e degradação que proliferavam nas cidades da época, o que veio a exigir o combate à proximidade física entre ricos e pobres, pois os guetos e os cortiços – habitações plurifamiliares de então – eram considerados focos de sujeira e doenças. Os projetos de remodelamento das áreas centrais, nas cidades brasileiras de então, seguiam a proposta higienista e tinham uma preocupação com o saneamento, a construção e a regulação de ruas, bem como o acesso aos novos meios de transporte, e propunha a construção de praças e bulevares nas áreas centrais, em prol da salubridade da vida urbana.

O Rio Grande do Norte, em 1904, viveu uma das grandes secas e Natal recebe um grande contingente de migrantes. Utilizando-se desta mão-de-obra, foram desenvolvidas na cidade várias ações urbanísticas e sanitárias, sendo significativa a articulação entre as questões sanitárias e ambientais com a construção de praças para o recreio e a diversão da população (LIMA, 2001).

Como as questões da saúde e assepsia social estavam em evidência, predominava a idéia de que os espaços públicos de recreação, deveriam, antes de qualquer coisa, servir no sentido da promoção da saúde coletiva. De acordo com Lima (2001), nesse período, em Natal, inicia-se um intenso debate sobre as condições de higiene e saúde pública, que levou à tentativa de solucionar a questão das áreas alagadiças do bairro da Ribeira e do Baldo.

Com intuito higienista, foi construída, no bairro da Ribeira, a praça da República. A área correspondente a essa praça era anteriormente um terreno pantanoso, alagado por um braço do estuário do Potengi/Jundiaí. A praça, posteriormente foi denominada de Augusto Severo e ocupava uma vasta área, contendo alamedas formadas por oitizeiros e palmeiras. Havia um canal que circundava toda a praça e continha uma fonte de ferro, postes ornamentais e monumentos em homenagem a Augusto Severo e Nísia Floresta.

O atual Teatro Alberto Maranhão foi inaugurado nessa área, com o nome de Carlos Gomes, e ainda, devido à expansão urbana em direção à Ribeira, foi inaugurada, em 1919, a Praça José da Penha, localizada em frente à Igreja do Bom Jesus das Dores (NESI, 2002).

Outras intervenções com caráter higienista também ocorreram no outro sentido da cidade, entre elas, a modificação do antigo balneário público existente no Riacho do Baldo, área utilizada pela população para abastecimento de água, banhos e recreio. Com a alegação de contaminação e exibições escandalosas dos banhistas que ali freqüentavam em suas horas de folga, foram proibidos os banhos públicos, e foi feita a ampliação da represa existente e a colocação de banheiros no local.

Nesse período, o bairro do Alecrim, por ser local de passagem e de ligação por terra de Natal com o interior do Rio Grande do Norte, como também ligação entre Natal e Recife, experimentou uma ampliação muito grande passando a ser o mais populoso da cidade e onde existia maior concentração de pobres, apresentando um quadro de salubridade preocupante.

Em Natal, o planejamento urbano tem seu início com o Plano Polidrelli - Plano da Cidade Nova, que apresentava características do higienismo. Esse Plano propunha ordenar o crescimento da cidade e planejou os bairros de Tirol e Petrópolis, na época conhecidos como Cidade Nova (MIRANDA, 1999).

O processo de crescimento da Cidade Nova, tal como o crescimento da cidade como um todo, ocorreu muito lentamente. Essa área somente passou a ter maior impulso, por volta de 1908, com a inauguração da 2ª linha de bondes da cidade, que circulava entre a Cidade Alta e a então av. Oitava, hoje av. Hermes da Fonseca. Depois foi implantada outra linha no sentido Sul até o Aero Clube em 1911. Nesse contexto os bondes foram um importante fator de expansão urbana da cidade.

O Plano Polidrelli propunha, ainda, algumas obras de infra-estrutura, e estabelecia um padrão espacial para a cidade, por meio de eixos viários paralelos e perpendiculares compostos por largas avenidas, definidos no sentido norte-sul e leste-oeste, respectivamente. Segundo Lima (2001), esse plano se constituiu em uma solução para o desejo de auto segregação das classes dominantes locais e superava o antigo desenho irregular originário da cidade colonial, onde as classes sociais conviviam praticamente no mesmo espaço ou guardavam uma certa contigüidade. Percebe-se que esse plano criou um bairro privilegiado para os mais abastados, pois ordenou o crescimento de uma nova área da cidade, que se iniciou nas proximidades da avenida Deodoro até as dunas, onde já existiam terras dos que detinham maior poder aquisitivo.

Nesse Plano, estavam previstas duas praças denominadas de Pedro Velho e a Praça Municipal. A praça Pedro Velho constituía uma vasta área entre as atuais avenidas Prudente de Morais e Floriano Peixoto. Nela foi implantado o primeiro campo de futebol da cidade, único equipamento existente até então nessa praça.

Nessa direção, posteriormente, a cidade continuou sua expansão até um recanto de pescadores, denominado de Areia Preta, a primeira praia escolhida para função balneária na cidade. Os bondes elétricos passavam pelo bairro de Petrópolis e desciam, vindo pelos morros, até à praia de Areia Preta, percurso que se tornou um local de passeio para a classe alta da época.

A ponte ferroviária sobre o estuário do Potengi/Jundiaí, Ponte de Igapó, que havia sido inaugurada em 1916, foi também um dos fatores que influenciaram a expansão do crescimento da cidade naquela direção, pois, antes, o acesso ao outro lado do rio era através de barcos, que partiam do bairro da Ribeira (CASCUDO, 1999).

Até este momento existia, no conjunto das intervenções urbanísticas ocorridas na cidade de Natal, a combinação da funcionalidade, do sanitarismo e do pitoresco, nas quais predominavam as idéias de locomoção, higienização e embelezamento dos logradouros públicos. Na cidade de Natal, desde sua fundação, o largo central e posteriormente a praça estiveram presentes como principais espaços de uso público, existindo uma concentração das praças, na Cidade Alta. A expansão da cidade faz surgir mais praças no sentido de seu crescimento, que eram os locais públicos onde se realizam festas, espetáculos e passeios, sendo os principais pontos de encontros da população.