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2 A REVISÃO DE TEORIAS E A EXPLICITAÇÃO DE CONCEITOS

3 A DINÂMICA DAS TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS E A EVOLUÇÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS DE LAZER NATALENSES

3.1 O contexto da evolução dos espaços públicos de lazer natalense

3.1.4 A pós-modernidade na cidade do Sol

Atualmente, algumas críticas ao planejamento urbano e ao Estado moderno interventor, têm chegado, muitas vezes, ao extremo de propor substituí-los pelo não- planejamento e pelas forças do mercado.

Porém, refletir sobre o planejamento da cidade aponta para posições mais equilibradas, onde as cidades não podem ser pensadas a partir de um modelo único ideal, nem tampouco podem ser abandonadas as forças do mercado, sendo necessário, então, considerá-las como lugar de conflito entre interesses individuais e coletivos, e contemplar suas diversidades sociais e culturais. Isso não implica abandonar um plano geral regulador de responsabilidade do Estado que leve em conta as possibilidades existentes em cada cidade em prol da distribuição mais justa de equipamentos e serviços para todos que nela vivem.

Um elemento importante para esta análise é a presença de algumas características da pós-modernidade encontradas atualmente em Natal, tanto no campo da arquitetura, quanto nos projetos urbanos.

Como principal característica da arquitetura pós-moderna, encontrada nesse campo, são as intervenções feitas em forma de artefatos com a preocupação voltada para a aparência. Entre estas intervenções, podem-se citar os pórticos construídos na via de acesso da cidade pela BR-101 e na av. Roberto Freire (Fotografias 01 e 02) no caminho do turista em direção às praias de Ponta Negra e Via Costeira. Esses pórticos são construídos com novos materiais, apresentando um caráter monumental, com a preocupação direta com a aparência e o ornamento do percurso.

Fonte: Dália Lima, 2006 Fonte: Dália Lima, 2006

Fotografia 01: Pórticos na BR-101 Fotografia 02: Pórtico na av. Roberto Freire

O que se pode notar, ainda, é uma preocupação de cunho estético – especialmente nas vias onde predominam as atividades turísticas por parte dos governantes e profissionais contratados para intervir nesses espaços. Natal é apresentada pelo marketing turístico como a “Cidade do Sol”, parecendo que aqui todos os lugares permitem o lazer o ano inteiro. Para isso, a iniciativa privada, juntamente com o poder público, articulam-se para simular uma cidade nesse sentido. Assim, os espaços públicos visíveis ao turista são mais bem cuidados, existindo ajardinamento, calçadas e iluminação, enquanto os locais internos dos bairros são mobiliados ou modificados com elementos inadequados ao usuário e não contemplam as peculiaridades da própria evolução contínua do espaço urbano de Natal.

As intervenções nas áreas públicas geralmente também não guardam as referências históricas originais. Segundo Barbosa (1995), a praça Pedro Velho é um exemplo da maneira como ocorrem as intervenções numa praça em Natal e a mudança de seu uso pela população. Nela se podem identificar vários aspectos que condicionam a perda da identidade original da praça com o passar do tempo. A abertura de ruas e avenidas em suas margens, a redução de sua área com as sucessivas reformas, a modificação de seu traçado, a substituição ou retirada de seus equipamentos, a mudança de seu nome, entre outros fatores, fazem, da atual Praça Cívica, uma outra praça bem diferente daquela que se via no passado.

Na arquitetura dos prédios e das áreas públicas em Natal, fazem-se citações ecléticas com variada gama de informações e de imagens, resgatando formas arquitetônicas presentes em diferentes partes do mundo. Como exemplo, tem-se: as construções da sede do Tribunal Regional do Trabalho e da Justiça Federal (Fotografias 03 e 04), que formam um complexo de características ecléticas, com suas enormes colunas, pórticos, escadarias e grandes vidraças, que referenciam desde a arquitetura romana até os envidraçados modernos.

Fonte: Dália Lima, 2006 Fonte: Dália Lima, 2006

Fotografia 03: Sede do Tribunal Regional do Fotografia 04: Sede da Justiça Federal em Trabalho em Natal. Natal.

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Outros exemplos são os projetos de urbanização da praia de Ponta Negra, Redinha e Praia do Meio que apresentam detalhes que recordam desde o calçadão de Copacabana até as barracas de palha das construções nativas do litoral nordestino.

Nos prédios de iniciativa privada distribuídos pela cidade, shoppings, hotéis, restaurantes e igrejas (Fotografias 05 e 06), a arquitetura predominante também é a do espetáculo, apresentando o ecletismo de estilos e destacando um brilho superficial e transitório. Existe uma ênfase nas fachadas dos shoppings, bares e restaurantes, as quais contêm fotografias, símbolos e logotipos que podem ser renovadas constantemente de acordo com as conveniências do mercado.

Fonte: Dália Lima , 2006 Fonte: Dália Lima, 2006

Fotografia 05: Sede da igreja Universal do Fotografia 06: Shopping na av. Hermes da Reino de Deus. Fonseca.

Verifica-se, ainda, nos bairros habitados pela população de maior poder aquisitivo, a ocorrência de um processo de verticalização que se caracteriza por luxuosas incorporações. Nesses prédios, em forma de condomínios fechados, a arquitetura apresenta características ornamentais, e geralmente são verdadeiros espaços fortificados, com muros que os cercam, portões de entrada restritos com postos de guarda, policiamento privado e ruas privatizadas.

A moradia vertical na cidade vem assim repleta do imaginário da pós-modernidade, onde se misturam características estéticas de várias idades. Nas residências em condomínios verticais ou horizontais, a existência de pórticos, muralhas com cercas eletrônicas, e áreas de lazer privadas trazem uma sensação de segurança, conforto e melhor qualidade de vida. Conseqüentemente, isso possibilita um isolamento do entorno, organizando, em ilhas de qualidade, os mais abastados, cujos residentes dispõe da habitação, de áreas verdes e do lazer restritos aos proprietários desses imóveis.

A verticalização em Natal, contribui, ainda, para a fragmentação e segregação na cidade, na medida que esta se intensifica, e se concentra apenas nas Regiões Administrativas Leste e Sul, que são bairros de mais alta renda, enquanto a cidade se expande horizontalmente para Oeste e Norte, através de conjuntos unifamiliares para as camadas de renda média e baixa.

Referindo-se às conseqüências do tipo de verticalização existente em Natal, destaca Costa (2000, p. 294):

[...] a verticalização de Natal tem contribuído para que mesmo sendo importante e necessária para uma cidade desse porte, seja responsável pela existência de uma série de impasses sócio-espaciais negativos... impactos de ordem social e ambiental que tem contribuído para afetar a qualidade de vida de segmentos da sociedade natalense. Os impactos negativos existentes estão relacionados principalmente à questão da infra-estrutura urbana, à segregação socioespacial e a poluição em geral.

Desse modo, o tipo de verticalização que acontece na cidade interfere no processo de segregação socioespacial e nos usos de áreas destinadas ao lazer, uma vez que, à proporção que aumenta o adensamento de edifícios em forma de condomínios em determinada área da cidade, associa-se uma nova forma de morar a essa população residente na área que, no caso, está vinculada a serviços privados de segurança e à construção de áreas de lazer restritas ao uso dos moradores desses condomínios fechados. Assim, fica a demanda por equipamentos públicos para atividades lúdicas, cada vez mais restrita para as camadas mais pobres da população, que detém menos poder de pressão sobre os órgãos governamentais.

Além disso, o pensamento pós-modernista, baseado num urbanismo caótico, produz um espaço urbano fragmentado, na medida em que não planeja a cidade por inteiro. As intervenções feitas são independentes e autônomas, sem articulação com um projeto social nem com planos urbanos de larga escala, como no caso de Ponta Negra e Via Costeira, onde as obras vão sendo construídas sem obedecer a uma estratégia pré-estabelecida, muitas vezes descumprido os planos iniciais.

Essas intervenções urbanísticas com influências pós-modernas, que são feitas em Natal, estão fortemente orientadas para o mercado e com a emergência de novos hábitos de consumo, atendendo principalmente aos consumidores ricos e de classe média, e contribuem

para a ficção, fragmentação, colagem e ecletismo, todos impregnados de um sentido de efemeridade e de caos.

Quanto às influências provocadas pela globalização, na organização do espaço urbano de Natal, existe, hoje, na cidade, uma concentração dos serviços e a ampliação de influências na economia terciária juntamente com os aspectos relacionados ao desenvolvimento da produção do petróleo, carcinicultura e fruticultura no estado. Somadas, as atividades ligadas ao turismo vêm se tornando fatores de expansão econômica importantes nas últimas décadas.

A grande atração populacional que Natal exerce hoje, tem assim, no turismo, um fator cada vez mais determinante para o seu crescimento, pois tanto brasileiros de várias regiões quanto estrangeiros têm sido atraídos para o investimento em hotéis, restaurantes e no setor imobiliário. Em menor proporção, o aumento do contingente de funcionários da PETROBRAS, aqui residentes, contribui para essa expansão. O crescimento do número de universidades representa outro fator de atração para a população da região.

Atualmente, também o comércio de Natal vem se expandindo e mudando suas características a cada momento do crescimento econômico da cidade, e permanece atraindo a mão-de-obra ociosa do interior do estado. O fluxo de capital e o desenvolvimento do comércio exterior decorrentes da carcinicultura e da fruticultura, também contribuem para a expansão urbana da cidade. Segundo Gomes, Silva e Silva (2002, p. 292), “o setor terciário passa por uma redefinição, não somente do ponto de vista de sua diversidade e qualidade, mas também do ponto de vista da sua espacialidade. Surgem nesse período, ainda, novas formas de produção, consumo e gestão urbana”.

Da Ribeira, o comércio passou à Cidade Alta e ao Alecrim e, posteriormente, descentralizou-se em várias áreas natalenses, em decorrência da implantação da infra- estrutura urbana e do surgimento de novos bairros. Observa-se, ainda, que alguns bairros tradicionais da cidade, como Tirol e Petrópolis, que se caracterizavam por serem bairros

primordialmente residenciais de alto padrão construtivo, passaram, nos últimos anos, a apresentar outras formas de uso, principalmente as de prestação de serviços.

Recentemente, o comércio vem se desenvolvendo nas longas avenidas de circulação. Conforme Gomes, Silva e Silva (2002, p. 294), “é o caso das avenidas Hermes da Fonseca, Engenheiro Roberto Freire, Tomaz Landim, Prudente de Morais, Airton Sena e, mais recentemente, a Romualdo Galvão, a Jaguarari e o trecho urbano da BR-101”. Além disso, verifica-se o crescimento da economia informal, que se torna mais visível com a presença de ambulantes nas calçadas e canteiros centrais de Natal.

Hoje, todo o território municipal transformou-se em área urbana, e existe uma expansão crescente da cidade que vai além das fronteiras municipais. De acordo com Lima (2001), verifica-se uma tendência para a constituição de um espaço metropolitano em torno da cidade, bem como uma forte segregação espacial, que é um traço comum presente em todas as cidades brasileiras, e nas diversas cidades encontram-se aspectos específicos desse processo.

Quanto às áreas públicas destinadas ao lazer da população – praças, parques, estádios, teatros, o que mais preocupa quanto à sua inadequação, é que a atuação do governo municipal, ao planejar a infra-estrutura urbana da cidade (incluindo os espaços para o lazer), parece não estar fundada numa reflexão mais aprofundada do papel do lazer na vida humana, pois quando destinadas à população local, essas obras são muitas vezes construídas em períodos de campanhas eleitorais, sendo posteriormente abandonadas ao desgaste natural.