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5 Da fantasia à assinatura

No documento Direito Penal (páginas 66-69)

A maior parte das pessoas tem a fantasia embotada. O que não as toca diretamente, o que não atinge duramente seus sentidos com sua ponta afiada quase não as excita. Mas se acontece diante de seus olhos, bem perto da sua emoção, ainda que seja algo insignificante, logo desencadeia nelas uma paixão desmedida67.

Para Freud, a fantasia seria responsável pela geração de um prazer próprio do sujeito, a qual persiste como um resíduo do complexo de Édipo, remetendo--nos à primeira infância e que tem efeito traumático sobre o sujeito. Não se deve admitir que a fantasia se remetesse, necessariamente, a um conteúdo impressio-nante do ponto de vista imaginário, mas sim à fixação do sujeito às impressões corriqueiras e não excitante para outras pessoas68.

A fantasia deve ser entendida como uma reconstrução em análise que cer-ceia o desejo e a tentativa do sujeito de colocar na cadeia de significantes o que se apresenta como uma cena difusa. Não se trata de devaneio inconfessável69. O que motiva as fantasias são os desejos insatisfeitos, seria uma correção da realidade insatisfatória e passariam a “proteger” o sujeito de uma realidade interna – e não externa70.

Nos crimes cometidos por esses homicidas se percebe agressividade hos-til, destrutiva, sádica que se alimenta de profundos sentimentos ambivalentes mórbidos, obsessivos, cujo alvo é o próprio absoluto. Suas raízes nos remetem ao amor infantil. Freud chamou de sentimento oceânico. Logo, o alvo das

fanta-67 ZWEIG, 2007 apud CARREIRA, Alessandra Fernandes. Algumas considerações sobre a fan-tasia em Freud e Lacan. Psicologia USP, São Paulo, v. 20, n. 2, p.157-172, abr./jun. 2009. p.. 159.

68 CARREIRA, Alessandra Fernandes. Algumas considerações sobre a fantasia em Freud e La-can. Psicologia USP, São Paulo, v. 20, n. 2, p.157-172, abr./jun. 2009. p.159.

69 CARREIRA, Alessandra Fernandes. Algumas considerações sobre a fantasia em Freud e La-can. Psicologia USP, São Paulo, v. 20, n. 2, p.157-172, abr./jun. 2009. p. 160.

70 MARTINS, Karla Patrícia Holanda; OLIVEIRA, Débora Passos de. Fantasia e a transferência: articulações a partir do texto Gradiva de Jensena. Arquivos brasileiros de psicologia, Rio de Janeiro, v. 62, n. 3, p. 59-67, 2010. p. 62

sias, das necessidades e da hostilidade destrutiva é o próprio absoluto, que não é alcançado por ser procurado por vias equivocadas e mórbidas71.

Para a fantasia do serial killer, ter a vida de suas vítimas em suas mãos aumenta a sua sensação de controle, e a degradação e a desvalorização da ví-tima reforçaria essa sensação, para isso – e por isso – muitos usam a tortura como método72. Equivocadamente se afirma que eles não sentiriam empatia73

pelo próximo, isso porque compreendem exatamente aquilo que para o outro é humilhante, degradante ou doloroso, afinal é com base nisso que ele planejaria sua ação de forma a realizar sua fantasia74. Nesse sentido afirma Brent Turvey75

e, completando o pensamento, John Douglas76, ex-agente de apoio do FBI, traz a informação de que, como a maior parte desses homicidas sofreu humilhação pública na infância, praticada pelos pais ou pelos colegas de escola, sabem exata-mente como é passar por essa tortura.

O ritual que proporcionam à vítima é, na verdade, a demonstração de toda a sua intimidade. Contudo, o agressor não seria parceiro de sua vítima, mas um dominador perante um objeto77. O local onde se encontra o corpo da vítima revela muito sobre a fantasia e o meio de controle usado pelo assassino, o modus operandi, as armas usadas, entre outros78.

Embora muitas vítimas sejam furtadas após o crime, a força motriz mais comum de assassinatos em série é o controle sexual e dominância. Outros mo-tivos para o assassinato podem ser lucros financeiros, ritual político, social, ou morais – os chamados assassinos missionários – ou por compaixão – frequente em assassinatos do tipo médico79.

Conforme eles repetem sua fantasia, tornam-se mais frenéticos, frequente

71 MARTA, Taís Nader; MAZZONI, Henata Mariana de Oliveira. Assassinos em série: uma aná-lise legal e psicológica. Pensar, Fortaleza, v. 15. n. 1, p. 303-322, jan./jun. 2010. p. 304.

72 CASOY, Ilana. Serial killer: louco ou cruel? 6. ed. São Paulo: Madras, 2004. p. 19.

73 É a faculdade de perceber de que modo uma pessoa pensa ou sente. É a capacidade de se colocar no lugar da outra pessoa.

74 CASOY, Ilana. Serial killer: louco ou cruel? 6. ed. São Paulo: Madras, 2004. p. 24.

75 CASOY, Ilana. Serial killer: louco ou cruel? 6. ed. São Paulo: Madras, 2004. p. 24.

76 CASOY, Ilana. Serial killer: louco ou cruel? 6. ed. São Paulo: Madras, 2004. p. 24.

77 CASOY, Ilana. Serial killer: louco ou cruel? 6. ed. São Paulo: Madras, 2004. p. 25.

78 CASOY, Ilana. Serial killer: louco ou cruel? 6. ed. São Paulo: Madras, 2004. p.. 20-21.

79 VRONSKY, Peter. Serial killers: The method and madness of monsters. Nova York: Penguin, 2004. p. 9.

e violento nos seus assassinatos80 e por isso importante reconhecer os padrões empenhados na cena do crime81. O modus operandi é deflagrado conforme a análise da arma do crime, o tipo de vítima e o local escolhido. A assinatura se liga à fantasia e, por isso, reproduz um ritual particular. Portanto, é o ritual do assassino em série. O modus operandi pode ser modificado, “aprimorado”, mas o ritual não, ele decorre da fantasia, da necessidade do serial killer em transgredir. As assinaturas não são fáceis de perceber, isso porque as vítimas se comportam de maneira diferente, além de fatores externos poderem interferir na ação do agressor82.

Ilana Casoy elencou algumas possíveis assinaturas: possuir uma ordem sexual específica; amarrar a vítima de forma particular; fazer o mesmo tipo de ferimento às suas vítimas; dispor o corpo de maneira peculiar; torturar, mutilar e/ou mantém alguma outra forma de comportamento ritual83.

Apesar da importância do modus operandi, ele por si só não conecta cri-mes, isso porque se modifica ao longo dos cricri-mes, diferente da assinatura que, mesmo que evolua, sempre apresentará o ritual que satisfaz o transgressor. Para John E. Douglas a assinatura é mais importante de se identificar, inclusive, que a identificação do perfil da vítima84.

Uma coisa é certa, cada um desses transgressores cativa uma fantasia pró-pria, que apenas pode ser verificada no caso em concreto. A menos que nos co-loquem a frente de um estudo de caso, afirmar as fantasias possíveis de um serial killer é praticar a “adivinhação”85.

80 VRONSKY, Peter. Serial killers: The method and madness of monsters. Nova York: Penguin, 2004. p. 9.

81 CASOY, Ilana. Serial killer: louco ou cruel? 6. ed. São Paulo: Madras, 2004. p. 60.

82 CASOY, Ilana. Serial killer: louco ou cruel? 6. ed. São Paulo: Madras, 2004. p. 61-62.

83 CASOY, Ilana. Serial killer: louco ou cruel? 6. ed. São Paulo: Madras, 2004. p. 62.

84 CASOY, Ilana. Serial killer: louco ou cruel? 6. ed. São Paulo: Madras, 2004. p. 63.

85 Uma questão que me deparei durante a leitura das referencias nesse trabalho foi quanto aos “anjos da morte”, ou seja, aqueles assassinos em serie que cometem o homicídio de mori-bundos em leitos de UTI ou de idosos. Acredito que cada serial killer poderia ter a fantasia no sentido de sentir-se bem por acabar com o sofrimento de outrem, por exemplo. Donald Harvey se auto-proclamava um anjo da morte. Ele era enfermeiro em Londres e matava do-entes terminais no hospital em que trabalhava, comumente com cianeto e arsênico, e afirmou ter matado por puro sentimento de empatia com o sofrimento de suas vítimas. Será que esse homicida em série teria uma fantasia? Como dito antes a fantasia é motivada por desejos insatisfeitos e deve ser entendida como uma tentativa do agente em se colocar na cadeia de significantes. Nesse sentido, esse tipo específico poderia ter dentre suas fantasias, assim como Donald Harvey um sentimento de empatia com o sofrimento de outrem, de modo que

acre-Quanto a essas questões, cabe destacar que certas características na fan-tasia podem estar ligadas às questões psicológicas. Os seres humanos possuem seu comportamento influenciado por causas biológicas, psicológicas e sociais86. Assim, ao se falar em homicidas em série, não há como se esquivar dessas áreas, de forma a buscar a melhor interpretação das provas de um crime, por exemplo.

6 Aspectos psicológicos e as questões da patologização na

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