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Da impossibilidade de aplicação do CDC aos contratos de franquia

No documento Direito Penal (páginas 112-116)

4 Dos contratos de franquia e shopping center

4.1 Do contrato de franquia

4.1.2 Da impossibilidade de aplicação do CDC aos contratos de franquia

O contrato de franquia, em sua essência, é um contrato interempresarial de adesão no qual o franqueador apresenta as condições gerais ao interessado em se tornar franqueado. O interessado deve aderir não só ao contrato, mas como a todo modelo de negócio proposto pelo franqueador. Há, assim, uma flagrante disparidade entre as partes, uma vez que o franqueador que é quem de-têm todo o conhecimento técnico e operacional do negócio objeto da franquia. Neste sentido, pode-se afirmar que o candidato a franqueado está em situação de vulnerabilidade, uma vez que, em regra, não detém a mesma envergadura econômica tampouco tem as informações técnicas sobre o negócio e sobre o mercado que vai atuar.

Trata-se portanto de um contrato de adesão no qual a vulnerabilidade se

48  VANCE, Patricia de Salles; FÁVERO, Luiz Paulo Lopes; LUPPE, Marcos Roberto. Franquia empresarial: um estudo das características do relacionamento entre franqueadores e fran-queados no Brasil. Revista de Administração, São Paulo, v. 43, n. 1, p. 59-71, jan./mar. 2008. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rausp/article/download/44467/48087>. Acesso em: 04 abr. 2014.

49  ALBUQUERQUE, Bruno Caraciolo Ferreira. Notas sobre o contrato de franquia na legislação brasileira. Disponível em: <http://www.idb-fdul.com/uploaded/files/2013_11_1 1855_118

mostra presente, exigindo que, no caso concreto, tal condição seja levada em consideração. É certo que a Lei de Franquias - Lei 8.955 de 1994 - dispõe quanto à possibilidade de anulação do negócio em face do descumprimento de entrega no prazo previsto da circulação de oferta de franquia e quanto à veiculação de informações falsas.

Assim, a lei procura tutelar o franqueado diante de possíveis inverda-des constantes na COF ou da inobservância do prazo mínimo para sua análise. Ocorre que a referida lei não trata das eventuais abusividades nos contratos de franquia, ficando adstrito ao disposto de forma genérica no Código Civil. Assim, os instrumentos de resolução devem ser aqueles já mencionados, quais sejam, a boa-fé objetiva, a função social do contrato, o instituto da lesão, a resolução por onerosidade excessiva, e o abuso de direito. É certo que, em matéria de abusivi-dade, o CDC é mais amplo que o CC. No entanto, para sua aplicação é necessária à caracterização de uma relação de consumo.

Conforme já aventado, nas relações entre empresas, tanto para a doutrina como para jurisprudência do STJ, é necessário, para a caracterização da relação consumerista, ter-se o sujeito como destinatário final do produto ou serviço, cumulado com a vulnerabilidade de uma parte em relação à outra. Significa di-zer que a empresa consumidora não deve ser experta no ramo de atividade. Aqui reside a sutileza do contrato de franquia, pois, através dele é que franqueado adquire experiência no ramo de negócio. No transcorrer do tempo o fraqueado torna-se menos alheio às informações de mercado e modo de atuação estatal. No momento da assinatura do contrato tais informações praticamente exclusivas do franqueador, que tem ainda maior envergadura econômica, e, por conseguinte, é capaz de impor sua vontade.

Isto porque, especificamente o contrato de franquia, há subordinação em-presarial, no entanto, não há caracterização de destinatário final, posto que o franqueado adquire bens e serviços se são o objeto de sua atuação empresarial.50 Em outras palavras, pode-se dizer que o objeto principal do contrato de franquia é o núcleo da atividade empresarial desenvolvida pelo franqueado.

O franqueado, desta forma, não pode ser caracterizado como

destinatá-50  ALBUQUERQUE, Bruno Caraciolo Ferreira. Notas sobre o contrato de franquia na legislação brasileira. Disponível em: <http://www.idb-fdul.com/uploaded/files/2013_11_1 1855_118

rio final face ao franqueador. Trata-se de uma ação conjunta entre sujeitos que visam atrair o consumidor e a ampliação de um fundo de comércio. O objeto do contrato é a passagem da franquia do titular para o mercado de consumo, utili-zando a rede de franqueados, que, são substitutos daquele junto ao mercado, o que não caracteriza uma relação de consumo passível de ser regida pelo CDC51. Deve-se observar, porém, que também nas relações tuteladas pelo CC, parte-se do pressuposto de que a liberdade de contratar tem limite na função social do contrato e na interpretação mais favorável ao aderente ante cláusulas ambíguas e contraditórias.

Com efeito, Carlos Alberto Menezes Direito aduz que com a identificação da vulnerabilidade é possível enlaçar o CDC com a teoria moderna dos contra-tos, que dá maior importância à boa-fé a destinação social do contrato. Ou seja, os princípios consagrados pelo CDC são observados pelo Código Civil, ainda que de uma forma mais mitigada, de forma que a norma geral traz normas que tutelam o necessário equilíbrio contratual nas relações.52

O que se endossa é a postura de que tanto no CC quanto no CDC o que é buscada é a garantia da igualdade na contração e, por consequência, o equilí-brio das partes na relação contratual. Reafirma-se que para a interpretação dos contratos não é necessária a tutela do Código de Defesa do Consumidor para proteger o equilíbrio das relações, porquanto o Código Civil é suficiente.53

Importante observar que é flagrante a vulnerabilidade do franqueado na relação, pois não cabe a ele discutir o conteúdo adstrito ao contrato ou as infor-mações recebidas. É possível afirmar que há vulnerabilidade econômica, jurídica e informacional que se consubstancia pela incapacidade do sujeito de verificação e reconhecimento de eventual abusividade praticada. O candidato a franqueado, caso tenha interesse em trabalhar com determinada franquia, deve aceitar as

51  ALBUQUERQUE, Bruno Caraciolo Ferreira. Notas sobre o contrato de franquia na legislação brasileira. Disponível em: <http://www.idb-fdul.com/uploaded/files/2013_11_1 1855_118

79.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2014.

52  DIREITO, Carlos Alberto Menezes. As relações entre o franqueador e o franqueado e o códi-go de defesa do consumidor. Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, Brasí-lia, v. 18, n. 1, p. 11-23, jan./jun. 2006. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/publicacaoinsti-tucional/////index.php/informativo/article/view/445/403>. Acesso em: 04 abr. 2014.

53  DIREITO, Carlos Alberto Menezes. As relações entre o franqueador e o franqueado e o códi-go de defesa do consumidor. Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, Brasí-lia, v. 18, n. 1, p. 11-23, jan./jun. 2006. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/publicacaoinsti-tucional/////index.php/informativo/article/view/445/403>. Acesso em: 04 abr. 2014.

imposições do franqueador. O mesmo ocorre no cotidiano da relação. É em face de tal desequilíbrio que se faz necessária a proteção jurídica do vulnerável.

Há quem defenda que, em face da vulnerabilidade o franqueado, em teo-ria, poderia ser tutelado pelo CDC tendo em vista a figura do consumidor como sujeito vulnerável. O que se pretende é considerar as regras trazidas pelo CDC em seu art. 51 como instrumentos protetivos do franqueado, posto que há a identificação da vulnerabilidade, havendo um peso menor ao requisito de con-figuração de destinatário final. Contudo, não se compartilha dessa posição, não apenas sob o argumento que o contrato de franquia é tutelado por legislação es-pecial54, mas principalmente em razão da natureza da relação, inescapavelmente empresarial.

Na mesma linha, a posição jurisprudencial do Superior Tribunal de Justi-ça55 não considera ser possível a aplicação do CDC aos contratos de franquia por

54  DIREITO, Carlos Alberto Menezes. As relações entre o franqueador e o franqueado e o códi-go de defesa do consumidor. Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, Brasí-lia, v. 18, n. 1, p. 11-23, jan./jun. 2006. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/publicacaoinsti-tucional/////index.php/informativo/article/view/445/403>. Acesso em: 04 abr. 2014.

55  AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL - DIREITO PROCESSUAL CIVIL - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - SÚMULA N. 284 DO STF - CONTRATO DE FRANQUIA - AUSÊNCIA DE RELAÇÃO CONSUMERISTA - FORO DE ELEIÇÃO - POSSIBILIDADE - INVERSÃO DO JULGADO - SÚMULAS NS. 5 E 7 DO STJ - RECURSO DA RECORRENTE NÃO-PROVIDO. 1. Negativa de prestação jurisdicional. Observa-se que a parte recorrente alegou genericamente que o acórdão vergastado o teria afrontado, sem con-tudo demonstrar de forma clara como o decisum teria incorrido em omissão, contradição ou obscuridade. Dessarte incide na hipótese, por analogia, a Súmula n. 284 do STF. 2. "O contra-to de franquia, por sua natureza, não está sujeicontra-to ao âmbicontra-to de incidência da Lei n. 8.078/1990, eis que o franqueado não é consumidor de produtos ou serviços da franqueadora, mas aquele que os comercializa junto a terceiros, estes sim, os destinatários finais." (REsp 632958/AL, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 04/03/2010, DJe 29/03/2010) 3. Ademais, "a só e só condição de a eleição do foro ter se dado em contrato não acarreta a nulidade dessa cláusula, sendo imprescindível a constatação de cerceamento de defesa e de hipossuficiência do aderente para sua inaplicação." (REsp 545575/RJ, Rel. Mi-nistro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 09/09/2003, DJ 28/10/2003, p. 295) 4. Desse modo, para acolhimento do apelo extremo, seria imprescindível derruir as afirmações contidas no decisum atacado, o que, forçosamente, ensejaria a análise de cláusulas contratuais e rediscussão de matéria fática, incidindo, na espécie, os óbices das Súmulas ns. 5 e 7 deste Superior Tribunal de Justiça, motivo pelo qual é manifesto o descabimento do recurso especial. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. BRASIL. Superior Tribu-nal de Justiça. Agravo Regimental em Recurso Especial. AgRg no REsp 1336491/SP. Quarta Turma. Agravante: Marcela Fabrícia Bertasse. Agravado: Argel Cosméticos Ltda. Relator: Min. Marco Buzzi. Brasília, 27 de novembro de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/ processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1198079&num_re-gistro=201201591735&data=20121213&formato=PDF>. Acesso em: 20 nov. 2015.

serem um contrato de cunho iminentemente interempresarial. Como já delinea-do, entende o Superior Tribunal de Justiça pela impossibilidade de aplicação do CDC ao argumento que no contrato de franquia o franqueado não é consumidor de produtos ou serviço e sim aquele que comercializa frente aos consumidores, estes sim destinatários finais dos produtos ou serviços.

A referida corte entende que, ainda que caracterizada a vulnerabilidade técnica, científica, informacional do franqueado em face do franqueador, não se pode aplicar a legislação referente às relações de consumo. Para o STJ, o franque-ado não é destinatário final do produto ou serviço, porquanto desempenha ati-vidade comercial desde bens e serviços. Em face de sua não caracterização como consumidor, mas como partícipe no fornecimento dos produtos e serviços, não é possível à aplicação do CDC.

No entendimento da corte superior, o contrato de franquia é regido por Lei Especial com regência ainda das regras trazidas pelo CC. Com a identificação da vulnerabilidade do franqueado é possível sua proteção pelas regras trazidas pelo CC que traz uma visão social prevendo a aplicação de institutos previstos também no CDC como a boa-fé objetiva, a busca pelo equilíbrio contratual, a função social do contrato, e a prevenção de abusos.

Tal posicionamento confere aos contratos de franchising, quando presente abusos do franqueador, o necessário equilíbrio da relação.

O que se conclui é que, embora a Lei das Franquias não delimite o con-teúdo do contrato de franquia, se restringindo ao regramento da COF, pode-se valer a utilização dos princípios e deveres gerais do direito civil, que sempre de-vem servir como parâmetros para interpretação dos contrato interempresariais. O fato de não ser configurada uma relação de consumo não impede que a busca pelo reequilíbrio contratual.

A tentativa de naturalizar uma suposta simetria das relações empresariais não passa pelo crivo da empiria. Assim, é dever do intérprete verificar as as-simetrias entre os contratantes e, sempre que verificada abusividade, deve, em observância à boa-fé objetiva, buscar reequilibrar as forças.

No documento Direito Penal (páginas 112-116)