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Da Irreparabilidade até a sua Plena Aceitação

3.3 CLASSIFICAÇÃO DO DANO

3.3.1 Danos Patrimoniais e Extrapatrimoniais

3.3.1.2 Danos Extrapatrimoniais

3.3.1.2.1 Da Irreparabilidade até a sua Plena Aceitação

Durante um longo tempo se questionou sobre a possibilidade da reparação dos danos morais por intermédio da responsabilidade civil, e muitos doutrinadores apresentavam diversos motivos para basear a sua irreparabilidade, sendo que estas formas de oposição podem ser divididas em três grupos, de acordo com Caio Mário da Silva Pereira237.

A primeira das formas de oposição é composta pelos que combatiam qualquer tipo de reparação desta espécie de dano, apresentando como argumento para a defesa deste

236 Tal entendimento resta consolidado no Superior Tribunal de Justiça, conforme estabelecido na Súmula de nº 37, onde se lê “são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”, e de nº387, que prevê: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”.

entendimento que o sofrimento não pode ser indenizado, sob pena de estabelecer o pagamento da dor, o que seria imoral.

A segunda espécie de oposição é composta pelos que somente aceitavam a reparação desta espécie de dano quando repercutia no patrimônio do lesado, o que seria a própria negação da sua reparação. Enquanto que a terceira delas é a dos que admitiam a reparação dos danos morais, mas apenas em tese, pois negavam o seu amparo efetivo sobre a alegação de falta de um princípio geral que desse acolhida a esta espécie de dano238.

Fernando de Sandy Lopes Pessoa Jorge239 apresenta os quatro principais argumentos que eram levantados pela doutrina portuguesa contra a reparação deste tipo de dano juntamente com os contra-argumentos, o que se aplica perfeitamente ao direito brasileiro.

O primeiro deles é que seria imoral reparar com uma pretensão pecuniária a frustração de bens da personalidade, que nada pode pagar. Contra este se alegava que a invocada imoralidade não existe, sendo mais imoral não proporcionar ao lesado esta compensação quando da lesão adviessem danos morais ou estes fossem de muito mais intensidade do que os patrimoniais.

O segundo argumento seria que esta espécie de dano, por definição, é insusceptível de avaliação pecuniária, pelo que é impossível determinar-lhe o valor e, consequentemente, calcular a indenização, sendo até impossível determinar quem tem direito a tal indenização. Contra este o autor ressalta que a impossibilidade de determinar o valor da reparação não é obstáculo intransponível, pois o juiz irá fixar segundo o seu prudente arbítrio. Quanto ao exposto, vale destacar a posição de Wilson Melo da Silva, de que mesmo na hipótese do no dano moral a reparação se torne um tanto quanto dificultosa, não poderíamos negar-lhe reparação por tal motivo. Alegando, ainda, que seria ilógico, absurdo e até mesmo antijurídico que uma dificuldade de ordem material contribuísse para uma injustiça240.

O terceiro argumento leva em conta as considerações anteriormente apresentadas contra a reparação dos danos morais para concluir que esta pretensa reparação a admitir-se nunca poderia integrar-se na função da responsabilidade civil, pois traduzia, na realidade, na aplicação de uma pena privada. O que é rebatido pela afirmação de que diversos diplomas

238 Idem.

239 JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ensaios sobre os pressupostos da responsabilidade civil. Coimbra: livraria Almedina, 1999.

240 SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação. 3. ed. rev. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 1999.

legais posteriores vieram a estabelecer amplamente o ressarcimento dos danos morais, destacando, no caso português, o previsto na Constituição Portuguesa, no nº 17 do Artigo 8º.

Flaviana Rampazzo Soares241, quanto aos obstáculos enfrentados para o reconhecimento da possibilidade de indenização por danos imateriais, destaca que estes decorreriam de algumas premissas, a primeira delas é a dificuldade de comprovação desta espécie de dano, seguida por tais danos já serem sancionados na esfera de direito público, mas precisamente pelo direito penal, através da iniciativa do Estado.

A terceira delas é que não se imaginava que os danos constituídos, por exemplo, pela “dor”, pudessem ser avaliados pecuniariamente e protegidos na esfera civil pelo Estado, e, por fim, porque o arquétipo econômico (renda e patrimônio material) sempre norteou as normas jurídicas, então vigentes, o que criava obstáculos para uma interpretação que contemplasse a proteção aos danos não patrimoniais, nestes termos enquanto “as ofensas a bens materiais, sendo estas com expressão econômica imediata, poderiam gerar indenização, consubstanciada, em última análise, por dinheiro, que é a concretização de uma expressão econômica”; já as “ofensas a bens imateriais, sem expressão econômica imediata, poderiam gerar uma consequência de natureza penal, também sem expressão econômica imediata”242.

No direito brasileiro, muito antes de qualquer dispositivo legal que garantisse a reparação dos danos morais, uma parte da doutrina já apresentavam argumentos sólidos na defesa deste posicionamento, a exemplo de Pontes de Miranda243, que afirma:

Hemos de afirmar a ressarcibilidade do dano não-patrimonial, a despeito de haver opiniões que reputam repugnantes à razão, ou ao sentimento, ressarcir-se em dinheiro o que consistiu em dano à honra, ou à integridade física. Nada obsta a que se transfira ao lesado, como algum dano não-patrimonial, a propriedade de bem patrimonial, para que se cubra com utilidade econômica o que se lesou na dimensão moral (=não-patrimonial). Se se nega a estimabilidade patrimonial do dano não- patrimonial cai-se no absurdo da não indenizabilidade do dano não-patrimonial; portanto, deixar-se-ia ressarcível o que precisaria ser indenizado. Mais contra a razão ou sentimento seria ter-se como ressarcível o que tão fundo feriu o ser humano, que há de considerar o interesse moral e intelectual acima do interesse econômico, porque se trata de ser humana. A reparação pecuniária é um caminho; se não se tomou esse caminho, pré-elimina-se a tutela dos interesses mais relevantes. Não só no campo de direito penal se deve reagir a ofensa à honra, à integridade física e moral, a reputação e a tranquilidade psíquica244.

241 SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

242 Ibidem

243 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. PARTE ESPECIAL. TOMO LIII 3. Rio de Janeiro: Editora Borsoi, 1966.

244 Neste sentido, vale apresentar as considerações de LYRA, Afranio. Responsabilidade civil. Bahia, 1977. E outras coisas não fazem os moralistas de gabinete, quando se opõem à ressarcibilidade do dano moral, senão exacerbar a significação do dano em benefício do danador. Essa exacerbação é feita sob o fundamento de que seria imoral

A Constituição Federal de 1988 foi o que realmente pôs fim a tal discussão245 ao prever de forma expressa a possibilidade de reparação dos danos morais no Artigo 5º, tanto no inciso V quanto no X, o que foi seguido pelo Código Civil, que, no artigo 186, estabelece que o dano provocado pelo ato ilícito pode ser o exclusivamente moral.

Desta forma, foi longo o caminho até restar consolidada a reparabilidade dos danos extrapatrimoniais, a começar pela total negação deste tipo de dano, passando pela fase em que a doutrina começou a tender para a aceitação deste dano e, embora alguns argumentos contra este ainda existissem, dentre os quais a imoralidade de sua reparação, até a sua plena aceitação, com a Constituição Federal, por meio da qual restou consolidado o posicionamento crescente de plena reparação do dano extrapatrimonial.

Estas mudanças de perspectivas estão inseridas dentre os reflexos da mudança dos papéis do lesado e do lesante no sistema de responsabilidade civil, com a proteção do primeiro deles, que, já em meados do século XX, passou a desempenhar a função de protagonista da relação jurídica que se instaurava por conta do evento danoso246.