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3.1 CONTORNOS GERAIS DO DANO

3.1.2 Requisitos para a Configuração do Dano

Na responsabilidade civil, para que o dano reste configurado deve apresentar algumas características, além de estar inserido no conceito apresentado, como decorrente de violação de um bem juridicamente tutelado, quer seja patrimonial como extrapatrimonial. Desta forma, não é qualquer dano que pode ser objeto de reparação, mas apenas aqueles que ultrapassem algumas barreiras, compostos pelos requisitos apresentados pela doutrina e exigidos pela jurisprudência, o que pode ser observado no acórdão, cuja ementa segue138:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS E EXTRAPATRIMONIAIS – AUSÊNCIA DOS REQUISITOS CARACTERIZADORES DO DANO INDENIZÁVEL – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Não há que se falar em indenização, seja na esfera patrimonial, seja extrapatrimonial, quando ausentes os requisitos caracterizadores do dano. 2. Apelação cível desprovida.

Quanto ao tema, Fernando de Sandy Lopes Pessoa Jorge, em sua obra dedicada aos pressupostos da responsabilidade civil, ao tratar sobre danos indenizáveis ressalta que nem todos os danos são atendíveis, mas somente aqueles que reúnem certos requisitos, que seriam o da alienalidade, certeza, mínimo de gravidade e que sejam causados por atos ilícitos139.

O último requisito elencado pelo autor não figura como uma característica essencial do dano, pois, como destacado, o dano pode decorrer de um ato lícito e, mesmo assim, gerar o dever de reparar decorrente da responsabilidade civil.

Quanto ao mínimo de gravidade, este é apresentado pelo autor como um requisito a ser analisado caso a caso pelo arbítrio do julgador, segundo o qual o dano irrisório não constitui pressuposto da responsabilidade civil, já que a exigência de reparação deste dano teria como único propósito o de “vexar” o lesado, o que não merecia tutela do direito140. Contudo o mínimo de gravidade não figura como um dos requisitos para a configuração dos

138 BRASIL, Paraná, Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 721.311-2. 7ª Câmara Civil. Relator: Des. Guilherme Luiz Gomes.

139 JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ensaios sobre os pressupostos da responsabilidade civil. Coimbra: Livraria Almedina, 1994. p. 386.

danos, uma vez que, no âmbito da responsabilidade civil, não existe um valor mínimo que torne o dano reparável.

Seguindo para a alienalidade, esta consiste em inexistir confusão entre o responsável e a vítima, sendo necessário que os danos em análise sejam alheios, isto é, tenham sido suportados por pessoas diversas daquelas sobre a qual se pretende buscar a reparação141.

José de Aguiar Dias esclarece que a lesão que o indivíduo causa a si mesmo produz dano, em sentido vulgar, mas que tal dano não interessa ao direito. Acrescenta, quando trata da aplicação dessa ideia no direito privado, quanto a esta orientação, que a mesma é indiscutível quanto ao dano como fonte de reparação, o que decorre da ausência de interesse em se proceder à restituição ao estado anterior à lesão, e que na falta do interesse não há ação142.

A certeza dos danos, na doutrina brasileira, dentre os requisitos que são apresentados como essenciais para que o dano seja reparado, este figura entre os mais citados, estando relacionado não apenas à sua existência, quanto a sua efetividade, e deve estar presente no momento em que for ajuizada a demanda buscando a sua reparação143. Quanto ao requisito de que o dano seja certo, conforme Antônio Jeová Santos, existe para impedir que ocorra indenização por algo fantástico e que só exista na imaginação do lesado144.

Seguindo para além dos requisitos apresentados por Fernando de Sandy Lopes Pessoa Jorge, outro requisito é o da atualidade. Sendo essencial a conceituação do que venha a ser dano atual e futuro, sendo o primeiro deles o que resta configurado no momento da

141 Quanto a este requisito, afirma Pontes de Miranda. Tratado de direito privado. Parte especial. Tomo LIII. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1966:

[...] em todos os casos de responsabilidade por culpa de outrem, o dano há de ser a terceiro. Portanto, não há invocabilidade da regra jurídica sobre dever de reparar se o dano foi a própria pessoa culpada, ou a quem poderia ser responsabilizado. O dano à pessoa que pratica o ato, positivo ou negativo, pode ser por culpa de quem tem o dever de vigilância; mas aí os princípios jurídicos são diferentes (e.g., o tutor ou o próprio titular do pátrio poder ou o curador pode ter de indenizar o dano que sofreu o incapaz, por falta de cuidado do tutor, pai ou curador). (p.128).

142 DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. 2v.

No direito privado, prevalece a mesma orientação, pois não há nenhuma regra que proíba o sujeito de direitos de diminuir o seu patrimônio. Cabe observar, entretanto, que se, realmente, não há disposição de direito privado que proíba ao sujeito direito a diminuição do seu patrimônio, isso só é indiscutível quanto ao dano encarado como fonte de reparação, pela ausência de interesse em se proceder à restituio ao estado anterior à lesão, e sem interesse não há ação. Porque, fora disso, o dano infligido ao patrimônio é vedado, se não expressamente, pelo menos implicitamente, quando a lei declara que o patrimônio do devedor é garantia comum dos credores; quando estabelece que o autor da herança não pode dispor da porção legitimária etc. (p.795). 143 CARVALHO, Luís Ricardo Fernandes de. Indenização por Danos Morais – Quantum. Revista de Direito

Privado. Nº 17. ano 5. jan – mar. 2004.

conduta lesiva, enquanto o futuro é aquele que não foi sofrido pela parte, mas que se dilata no tempo, existindo uma probabilidade quanto a este se produzir em um tempo posterior145.

O dano futuro, como afirma Miguel Maria de Serpa Lopes146, não se confunde com os eventuais, tendo em vista que no primeiro deles o prejuízo será concretizado, enquanto que no eventual a consumação dos danos permanece dependente de outras circunstâncias, sendo que estas não se realizaram, e sobre as quais não se pode assegurar que poderão ocorrer ou não. Embora existam diferenças entre eles, ambos devem reunir os requisitos de danos ressarcíveis, e só é admitida a indenização dos futuros quando não existam dúvidas do que ocorrerá, não sendo admitidos nos casos de mera eventualidade ou hipotéticos147.

Desta forma, acerca do requisito da atualidade, deve restar claro que esta não é absoluta, pois a reparação dos danos futuros não encontra objeções, já que não se requer que o dano esteja inteiramente realizado, mas apenas que tenha certeza de que este se produzirá, ou que possa ser apreciado pelo Judiciário148. O que não pode ser objeto de indenização continua a ser o dano meramente hipotético, eventual ou conjuntural, ou seja, aquele que não possa vir a concretizar-se, e não o dano futuro149.

Paulo Roberto Ribeiro Nalin150 destaca que no que tange ao dano ser atual, observa-se que, a princípio, todos os efeitos do ilícito devem implicar em materialização imediata dos prejuízos na esfera jurídica do lesado, contudo esta regra é bastante genérica, até mesmo por força dos lucros cessantes, que são legalmente reparáveis, e que autorizam a investigação dos danos para além do momento que o causou. Ressalva que nestes casos a dúvida não deve prevalecer, bastando como exigência inafastável que se tenha a certeza que o dano se produzirá e que ele possa ser especificado ao tempo da decisão judicial condenatória,

145 VARIZAT, Andrés F. Daño pasado, daño futuro y principio de la reparación integral: sus proyecciones practicas em un reciente fallo del Tribunal Superior de Justicia de Córdona. Disponível em: www.taringa.net. 146 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. 6. ed. V. 2. Rio de Janeiro: Livraria Freitas e

Bastos, 1995.

147 GOMES, Júlio Vieira. Sobre o dano da perda de uma chance. In Direito e justiça. Vol. 19, t. 2, 2005: [...] tradicionalmente exige-se, para que o dano seja ressarcível, que o mesmo seja certo. Importam, no entanto, não confundir a certeza do dano, isto é, o ter-se verificado ou a existência de circunstâncias que o torna inevitável ou simplesmente provável, com o seu caráter imediato, consequentemente, devem distinguir-se os danos certos no futuro, dos simplesmente eventuais. O dano meramente eventual não é ressarcível, porque falta o requisito da certeza. E é evidente que esta certeza é uma certeza apenas relativa, não absoluta: o lucro cessante nunca existiu, e nunca chegará a existir. (p.11)

148 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. 149 Ibidem.

150 NALIM, Paulo Roberto Ribeiro. Responsabilidade civil: descumprimento do contrato e dano extrapatrimonial. 1. ed. Curitiba: Juruá, 1996. p. 78.

concluindo que “o dano futuro é, assim, relevante juridicamente, passível de reparação, entretanto sua eventualidade, ou mera possibilidade, deve ser rejeitada”151.

Carlos Alberto Bittar afirma que os requisitos apresentados pela doutrina e jurisprudência, que são ser atual, certo e definido, pessoal e direto, admitem certos temperamentos. Quanto à atualidade, defende que, embora seja a regra, aceitam-se também o dano futuro e a perda de oportunidade como suscetíveis de reparação, desde que reflexos do fato lesivo152.

Concordamos com o autor mencionado quanto à existência de temperamentos aos requisitos exigidos para que o dano seja indenizável, sendo estes temperamentos reflexos da busca por maior garantia da vítima de que terá o seu prejuízo recomposto ou indenizado, já que os requisitos surgem como barreiras para a imposição da responsabilidade civil. Contudo o autor apresenta a perda de uma chance como um exemplo do temperamento tanto para o requisito da atualidade como para o da certeza, o que será melhor analisado nos itens que seguem, tanto se na responsabilidade civil por perda de uma chance o dano a ser reparado é futuro ou atual, e se o mesmo apresenta o requisito da certeza ou figura como uma exceção ao mesmo.

Por fim, três requisitos podem ser extraídos do que foi apresentado, sendo eles o da alienalidade, além da certeza153 e atualidade, dentre os quais os dois últimos são os que ganham maior destaque, a certeza por ser apontada como o requisito que impede a reparação de danos meramente hipotéticos, e a atualidade por não ser vista mais como a regra, por ser possível a reparação dos danos futuros154.

151 Ibidem. p.78

152 BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por dano moral. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. 153 Quanto ao requisito da certeza, destaca GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 10. ed.

São Paulo: Saraiva, 2008:

[...] o requisito da “certeza” do dano afasta a possibilidade de reparação do dano meramente hipotético ou eventual, que poderá não ser concretizado. Tanto assim que, na apuração dos lucros cessantes, não basta a simples possibilidade de realização do lucro, embora seja indispensável a absoluta certeza de que este se teria verificado sem a interferência do evento danoso. O que deve existir é uma probabilidade objetiva que resulte do curso normal das coisas, como se infere do advérbio “razoavelmente”, colocado no art. 402 do Código Civil (“o que razoavelmente deixou de lucrar”). Tal advérbio não significa que se pagará aquilo que for razoavelmente (ideia quantitativa) e sim que se pagará se se puder, razoavelmente, admitir que houve lucro cessante (ideia que se prende à existência mesma do prejuízo). (p. 590).

154 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. 2v.

O prejuízo deve ser certo, é regra essencial da reparação. Com isto se estabelece que o dano hipotético não justifica a reparação. Em regra, os efeitos do ato danoso incidem no patrimônio atual, cuja diminuição ele acarreta. Pode suceder, contudo, que esses efeitos se produzam em relação ao futuro, impedindo ou diminuindo o benefício patrimonial a ser deferido à vítima. Aí estão identificados o dano positivo

Assim, embora tenha ocorrido a ampliação dos danos que podem ser objeto de reparação por meio do instituto da responsabilidade civil, não deixa de ser necessário que estes danos estejam presentes no momento em que a parte pleiteie sua reparação, além de apresentar contornos bem definidos, cumprindo todos os requisitos acima apresentados.