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2.1 EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL ATÉ A ACEITAÇÃO DA TEORIA

2.1.3 A Expansão das Formas de Dano Reparáveis

A terceira tendência apresentada por Anderson Schereiber – sendo que nesta a atenção dos tribunais vem se concentrando – é a de assegurar, por qualquer meio disponível, a integral reparação dos danos sofridos pela vítima, com a defesa da expansão das formas de danos ressarcíveis, como destaca este47:

46 BRASIL. Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça. Apelação Cível Nº 591047451, Sexta Câmara Cível, Relator: Adroaldo Furtado Fabrício, Julgado em 10/12/1991.

47 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. Da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

Enquanto não se procede a necessária revisão da inteira dogmática da responsabilidade civil, vive-se num momento de evidente perplexidade com a corrosão das bases do instituto. Não resta dúvida de que o nexo causal não logrou substituir a culpa como barreira de contenção ao ressarcimento dos danos. E mais: à semelhança do que ocorreu com a prova da culpa, a prova do nexo causal parece tendente a sofrer, no seu papel de filtragem da reparação, uma erosão cada vez mais visível. O resultado desta tendência é a realização do pior temor dos juristas da Modernidade: a extraordinária expansão do dano ressarcível.

A ampliação do número de danos ressarcíveis figura como consequência necessária das mudanças anteriores, destacando-se que a partir da expansão quantitativa – que representa o aumento de ações judiciais pleiteando ressarcimento de danos – podemos identificar uma expansão qualitativa, que decorre de “novos interesses, sobretudo de natureza existencial e coletiva, passam a ser considerados pelos tribunais como merecedores de tutela, consubstanciando-se a sua violação em novos danos ressarcíveis”, considerado pelas cortes como merecedores de tutela, consubstanciando-se a sua violação em um novo dano ressarcível48.

Adela M. Seguí apresenta a responsabilidade atual como aquela que se afasta da ideia de castigo para assumir a de reparação, o que tem como consequência que o dano, além de ser constante, passar a ocupar o lugar central dentre os pressupostos requeridos para a reparação, juntamente com a expansão da noção de dano ressarcível, que não é mais aquele produzido ilicitamente ao ser violado o direito subjetivo da vítima, mas sim a lesão de um direito, de um interesse merecedor de proteção49.

A ampliação dos danos ressarcíveis é atribuída pelo autor não apenas à expansão das formas de dano ressarcíveis, da ampliação do conceito de uma perda, como também ao surgimento de novos danos, que se caracterizam pelo fracionamento de prejuízos já conhecidos para dar origem a novos, pela tendência de agrupar dentro de uma mesma

48 Ibidem p. 83. Nesse sentido afirma:

[...] à parte essa expansão quantitativa, verifica-se, em todo o mundo, e de modo ainda mais marcante, uma expansão qualitativa, na medida em que novos interesses, sobretudo de natureza existencial e coletiva, passam a ser considerados pelos tribunais como merecedores de tutela, consubstanciando-se a sua violação em novos danos ressarcíveis. De fato, o reconhecimento da necessidade de tutela dos interesses existenciais atinentes à pessoa humana, e, de outro lado, a verificação de danos demasiado abrangentes, identificados com interesses transindividuais ou supra- individuais, que passam a ser considerados dignos de proteção, vieram exigir o repensar da estrutura individualista e eminentemente patrimonial das ações de reparação.

49 SEGUÍ, Adela M. Aspectos relevantes de la responsabilidad civil moderna. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, v. 52, 2004.

categoria todos os prejuízos patrimoniais e extrapatrimoniais que causam um mesmo evento, e o aumento de lista de direitos da personalidade que são susceptíveis de sofrer danos50.

No direito pátrio, a expansão dos danos ressarcíveis passou por três fases bem definidas, na primeira delas apenas a reparação dos danos meramente patrimoniais, sucedida por uma fase intermediária, com a reparação integral do dano patrimonial, mas meramente simbólica ou parcial dos danos extrapatrimoniais, enquanto, na terceira fase – que pode ser vista como o estágio atual – visa a reparação plena tanto dos danos patrimoniais como dos extrapatrimoniais51.

Como afirma Judith Martins-Costa, a ideia de dano está no centro do instituto da responsabilidade civil, ligando-se, de forma muito próxima, ao valor que historicamente é dado à pessoa e às suas relações com os demais bens da vida52.

Para a autora, quanto mais relevante for a relação entre a pessoa e os bens patrimoniais, economicamente avaliáveis, a responsabilidade patrimonial cresce em importância, em que a pessoa é vista como sujeito titular de um patrimônio que, tendo sido lesado por outrem, deve ser recomposto. De outro lado, quando em primeiro plano está a pessoa humana valorada por si só, pelo exclusivo fato de ser pessoa – “isto é, a pessoa em sua irredutível subjetividade e dignidade, dotada de personalidade singular e, por isto mesmo, titular de atributos e de interesses não mensuráveis economicamente” – passa o direito a construir princípios e regras que visam tutelar essa dimensão existencial, do qual decorre a responsabilidade extrapatrimonial53.

Dentro dessa expansão dos danos nos encontramos na fase em que ocorre a superação da limitação dos danos que podem ser objeto de reparação como apenas aqueles que envolvem o patrimônio, para restar consagrados os danos extrapatrimoniais, além de novas espécies de dano54. Fase que resta consagrada pela Constituição Federal de 198855, ao

50 Idem.

51 SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

52 MARTINS-COSTA, Judith. Os danos à pessoa no direito brasileiro e a natureza de sua reparação. In: A reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 409.

53 MARTINS-COSTA, Judith. Os danos à pessoa no direito brasileiro e a natureza de sua reparação. In: A reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 409.

54 FACCHINI NETO, Eugênio. Da Responsabilidade civil no novo Código Civil. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). O Novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003. 'Tanto na experiência francesa como na americana, por exemplo, a jurisprudência vem reconhecendo crescentemente novos tipos de danos justificativos de indenizações especiais, isto é, independentes daquela que tem por finalidade reparar a incapacidade física como tal, de que são exemplo, o 'prejuízo sexual”, o “prejuízo juvenil” (entendido como a dor particular que provoca, em um jovem, a consciência da própria degradação física e da perda da esperança de uma vida normal), “prejuízo à capacidade matrimonial” dentre outros”. p. 188

determinar a reparação dos danos não apenas materiais, como, também, morais e à imagem56, e pelo Código Civil de 2002, ao prever, em seu artigo 186, a garantia da reparação do dano “ainda que exclusivamente moral”.

Após a análise do último pilar da responsabilidade civil, resta o questionamento se dentro das mudanças de paradigma resultantes da expansão dos contornos do dano, ou seja, pela ampliação das formas de dano que podem ser objeto de reparação por intermédio deste instituto, está inserida a aceitação da teoria perda de uma chance pelo direito brasileiro.