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3.2 O DANO INDENIZÁVEL NO CASO DA PERDA DE UMA CHANCE

3.2.4 Modalidades de Perda de uma Chance

Neste ponto, já definido o que vem a ser a chance e as suas principais características, buscaremos fazer uma breve exposição das modalidades de perda de uma chance que podem ser encontradas diante do caso concreto, e que merecem a devida reparação quando presentes os requisitos da responsabilidade civil.

Patrice Jourdain classifica as modalidades de perda de uma chance como a perda da possibilidade de alcançar um benefício, a fim de evitar um dano, e a que decorre da falta de informação que poderia mudar a decisão final da vítima evitando o dano193.

Dentre estas modalidades, para a mencionada autora, há pelo menos um caso em que é unanimemente admissível que esta é indenizável, que consiste no caso em que a vítima estava esperando um benefício futuro. Situação esta em que um risco existe, pois as chances são aleatórias, mas isso não figura como um obstáculo para a existência do dano, pois este consiste no desaparecimento das chances de ganhar e não deve ser confundido com a perda do benefício esperado, já que a incerteza proíbe que este se torne indenizável194.

A segunda modalidade é a situação em que a pessoa está envolvida em um processo prejudicial, mas existe a probabilidade de evitar o dano que está se aproximando. O fato de um terceiro fazer com que perca a oportunidade que dispõe para evitar a realização de danos ao qual foi exposto. Destacando que as aplicações mais comuns desta espécie de perda de uma chance são encontradas no campo da medicina195.

Para Patrice Jourdain, a falta de informação pode causar indenização por perda de uma chance quando referente a tomar uma decisão de certa natureza que tenha a capacidade de evitar um dano. Nestes casos, o ressarcimento integral seria negar que há uma incerteza sobre a decisão que teria ao final tomado a vítima se devidamente informado, e negar a reparação é ignorar o fato de que seu desconhecimento privou a chance que tinha de evitar o dano196.

Fernando Noronha segue no mesmo caminho, sistematizando a perda de uma chance em três modalidades, que são formadas por duas grandes espécies, a de obter uma

193 JOURDAIN, Patrice. Responsabilité civile. Revue Trimestrelle de Droit Civil. Paris: Sirey, n. 1, 1992. 194 Ibidem.

195 Ibidem. 196 Ibidem.

vantagem futura e a de evitar um dano que aconteceu, sendo que esta última se divide em apenas evitar um dano e a decorrente da falta de informação197.

Quanto à perda de uma chance de obter uma vantagem futura, também denominada de perda de uma chance clássica, que tem como exemplo os casos que envolvem a responsabilidade civil do advogado, seja pela perda do prazo para interposição de recurso, como não ajuizar uma ação gerando a prescrição do direito, destaca o autor que198:

Nesta modalidade de perda de chance houve, em razão de um determinado fato antijurídico, interrupção de um processo que estava em curso e que poderia conduzir a um evento vantajoso; perdeu-se a oportunidade de obter uma vantagem futura, que podia consistir tanto em realizar um benefício em expectativa, como em evitar um prejuízo futuro. Com a interrupção, nunca mais se poderá saber se a vantagem tida em vista viria ou não a concretizar-se; por outras palavras, embora o lesado afirme que a interrupção lhe causou um dano futuro, nunca se poderá saber se o processo conduziria necessariamente a ele, porque se trata de ocorrência que era aleatória, em medida maior ou menor.

Quanto à perda da chance de evitar um prejuízo que aconteceu, uma das submodalidades da frustração da chance de evitar um dano que aconteceu, afirma Fernando Noronha que nesta o dano surge porque o processo em curso, sendo este danoso, não foi interrompido, quando poderia ter sido, e, se tivesse sido interrompido, haveria a possibilidade de o dano não se verificar, mas sem poder saber agora se realmente isto teria acontecido. Neste que se insere a perda de chance de cura199, que é apresentado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Estado do Rio Grande do Sul200:

A perda de uma chance, teoria desenvolvida na França, configura um tipo especial de dano. Surge quando pela intervenção médica (ou não intervenção) o paciente perde a possibilidade de se curar ou de se ver livre de determinada enfermidade. Admite-se, portanto, a culpa do médico sempre que sua ação ou omissão compromete as chances de vida ou de integridade do paciente.

Seguindo para a segunda submodalidade, que consiste na perda de chance por falta de informação, esta ocorre quando o dano é experimentado pela parte por esta não ter tomado a melhor decisão, que estaria ao seu alcance se outra pessoa que teria o dever de informar ou aconselhar o tivesse cumprido.

197 NORONHA, Fernando. Responsabilidade por perda de chance. Revista de Direito Privado. São Paulo, ano 6, n. 23, jul./set. 2005.

198 NORONHA, Fernando. Responsabilidade por perda de chance. Revista de Direito Privado. São Paulo, ano 6, n. 23, jul./set. 2005. p. 33

199 Ibidem

200 BRASIL. Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça. Apelação Cível Nº 70013783782, Nona Câmara Cível, Relator: Odone Sanguiné. Julgado em 12/07/2006.

Como exemplo, decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que segue:

RELAÇÃO DE CONSUMO. ÔNUS DA PROVA. DEVER DE INFORMAÇÃO. DANO MORAL. Todos os fornecedores que figurem na mesma cadeia de circulação de riquezas, e tenham tido relação com o consumidor na causação do dano, responderão sem que se impute a este o ônus de distinguir qual o verdadeiro causador. Quanto à entrega do contrato de alienação fiduciária, não há qualquer prova nos autos que documente o recibo do Apelado a expressar a desincumbência das recorrentes. E se de fato esse documento é prescindível para a regularização do veículo alienado, essa informação deveria ter sido passada ao Apelado, que também não foi informado quanto ao prazo de regularização do veículo, não havendo que se falar em escusas ao cumprimento de lei, mas sim vulnerabilidade jurídica quanto ao direito de ser informado. Configurada na espécie verdadeira perda de uma chance, na medida em que, por falta de informação, o Apelado perdeu a oportunidade de tomar uma decisão que pudesse impedir o dano que veio a experimentar. Quanto ao dano moral, a reprovabilidade e desproporcionalidade do desrespeito a que foi infligido o Apelado tende a reduzi-lo ao estado de coisa, alheio à sua condição humana, o que lhe confere direito à compensação. Presentes todos os filtros da responsabilidade civil, afigura-se razoável o valor de R$ 15.000,00 fixados a título de danos morais. Sentença mantida. Negado provimento ao recurso201. (Grifos nossos).

Contudo existem casos que, mesmo que a informação não tenha sido prestada por quem tinha esta obrigação, não estão inseridos nesta modalidade de perda de uma chance. O que ocorre quando o dano é inevitável, assim, mesmo que a informação fosse prestada o dano ocorreria, o que decorreria desta informação se inútil. Também é o caso em que o dano realmente não ocorreria se a informação fosse prestada, envolvendo a certeza e não uma probabilidade.

Quanto a esta modalidade, destaca o autor202:

Nas hipóteses em que o risco de dano tivesse sido eliminado se a informação devida houvesse sido prestada, a responsabilidade da pessoa obrigada à informação será plena: ela incorrerá na obrigação de reparar todos os danos sofridos pelo lesado. Nestes casos, não se poderá falar propriamente em responsabilidade por perda de uma chance (ainda que eles também caibam dentro das hipóteses em que, em geral, se pode falar em frustração da chance de evitar um dano, devido à violação de um dever geral de informação). São os casos em que o problema da responsabilidade por perda de chance só surge nas hipóteses em que o ato que acabou causando o dano fosse evitável. Na verdade, quando o ato que acabou se revelando danoso fosse absolutamente inevitável, seria inútil a prestação de informação e, portanto, nunca poderia haver responsabilidade.

Desta forma, existem três modalidades de perda de uma chance, que não se limita a referente à destruição da probabilidade de obter um benefício, incluindo a de evitar um dano

201 BRASIL. Rio de Janeiro. Tribunal de Justiça. Apelação nº 0006217-08.2006.8.19.0014, 1ª Ementa. Rel. Desembargador Antônio Iloizio B. Bastos. Julgamento: 28/09/2010 – Décima Segunda Câmara Cível. 202 NORONHA, Fernando. Responsabilidade por perda de chance. Revista de Direito Privado. São Paulo,

experimentado e a decorrente da falta de informação da qual pode resultar um prejuízo como impedir um benefício.

3.2.5 A Chance Diante do Caso Concreto

Levando em conta o exposto por Clóvis V. do Couto e Silva203, segundo o qual a proteção da chance é muito importante em matéria de responsabilidade profissional, responsabilidade contratual, sobretudo dos médicos, advogados, dentre outros, e que esta responsabilidade profissional não estava sendo aplicada com rigor pelos juízes no direito brasileiro, iremos iniciar a nossa análise com alguns casos que envolvem responsabilidade profissional para estabelecer qual era a chance existente e que foi perdida e a posição do Tribunal.

Começaremos o estudo pela responsabilidade civil dos advogados por atuação negligente que leve à perda de uma chance, seguindo para casos que envolvem a atividade médica, sendo estes divididos na perda de uma chance de cura e na perda de uma chance por falta de informação.

3.2.5.1 Responsabilidade Civil do Advogado por Perda de uma Chance

Na responsabilidade civil do advogado no caso da perda de uma chance, como no exemplo da perda de prazo para interposição de recurso em decorrência de negligência grave, o que deve ser reparado à vítima é a chance existente de que o processo, ao ser apreciado por uma instância superior, fosse revisado ao seu favor. Não cabendo a reparação, a título de perda de uma chance, a mera e subjetiva esperança de vencer a causa, nem o caso de ter perdido esta204.

Dentre as modalidades de perda de uma chance apresentadas, os casos que envolvem a responsabilidade civil do advogado se inserem na frustração da chance de obter

203 COUTO E SILVA, Clóvis V. do. O conceito de dano no direito brasileiro e comparado. Revista dos Tribunais, 667/07. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

204 MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil, v. V, Tomo II: do inadimplemento das obrigações. TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2003.