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3.2 O DANO INDENIZÁVEL NO CASO DA PERDA DE UMA CHANCE

3.2.2 A Perda de uma Chance como Dano Certo

Na teoria da perda de uma chance as dificuldades que devem ser superadas para a aceitação da reparabilidade deste tipo de dano não se limitam às inerentes a sua avaliação, uma vez que também ganha destaque a necessidade de determinar se neste tipo de dano resta configurado o requisito fundamental da certeza do dano159. Requisito que figura como uma barreira que visa impedir que danos hipotéticos sejam objeto de reparação por meio da responsabilidade civil, pois o objetivo deste é impossibilitar a reparação de dano meramente hipotético, eventual ou conjuntural, ou seja, aquele que não pode vir a concretizar-se.

Este requisito da certeza é quanto à existência de uma chance que foi destruída, e não quanto ao dano final. Caso fosse possível estabelecer, sem restar dúvidas, de que o esperado seria bem-sucedido não existiria uma chance e estaria provada a certeza do dano final, e se, pelo contrário, pudesse demonstrar que não seria realizado, neste caso teria certeza da ausência de um dano indenizável.

Nos casos que envolvem a perda de uma chance, mesmo que não seja possível determinar qual seria o curso exato dos eventos dos quais depende a realização da chance, ainda assim poderíamos falar na certeza deste tipo de dano e da sua consequente reparabilidade160. Além disso, conforme Jérôme Huet, na perda de uma chance são reparáveis danos que atendem a um requisito fundamental, ser um prejuízo certo 161.

158 PADILLA, René A. Sistema de la responsabilidad civil. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997.

159 BOCCHIOLA, Maurizio. Perdita di uma chance e certezza del danno. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedure Civile, Ano XXX, p. 60, 1976.

160 BOCCHIOLA, Maurizio. Perdita di uma chance e certezza del danno. In Rivista Trimestrale di Diritto e Procedure Civile, Ano XXX, p.60, 1976.

A doutrina apresenta uma gama variada de entendimentos quanto ao preenchimento do requisito da certeza do dano no caso da perda de uma chance, que caminham da posição de que este requisito não é cumprido, de que é flexibilizado para que seja aceita a responsabilidade civil por perda de uma chance, até os que apresentam o mencionado dano como certo, que é a posição ora defendida.

No primeiro sentido, Eduardo Abreu Biondi162, entendendo que este requisito não é cumprido, mas que, embora não exista um dano certo e determinado, existe um prejuízo para a vítima, decorrente da legítima expectativa que possui em angariar um benefício ou evitar um prejuízo, e que para que exista a possibilidade de reparação civil das chances perdidas deve-se enquadrá-las como se dano fossem.

Aida Kemelmajer de Carlucci163 afirma que a existência de uma incerteza neste tipo de dano, que ressalta que a teoria em análise gera dificuldade em torno do reconhecimento da certeza, mas que esse grau de incerteza existente não obsta a ressarcibilidade do dano em função de um razoável balanço de probabilidades objetivas tanto pró quanto contra.

Considera que do saldo destas probabilidades surge que a oportunidade implica uma vaga possibilidade, uma mera hipótese ou conjetura (dano eventual), mas sim uma proporção baseada em probabilidades suficientes de que o dano decorria efetivamente do comportamento atribuído ao agente, de modo que o dano ressarcível não é o total da perda sofrida ou renda deixada de receber164. Desta forma, vê uma relação entre o que deve ser reparado e que seria fruto da chance perdida, e não a própria chance destruída como o que deve ser reparado.

Também quanto à relativa certeza, apresentando a perda de uma chance como um dano que não chega a ser certo, mas que tem um certo grau de certeza, Antônio Jeová Santos165 que afirma:

Coloca-se de permeio ao dano certo, indenizável sempre, e o dano eventual, não ressarcível, uma zona gris que vem sendo denominada de perda de chances. Trata-se de probabilidade. O fato danoso veio a tornar impossível o ganho provável. Não é mencionada mera possibilidade, porque o provável encerra um certo grau de certeza no tocante à consequência do dano. Sendo suficientemente fundada a perda de uma

162 BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade civil. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/39/88/3988/>. Acesso em: 25 nov. 2010.

163 ITURRASPE, Jorge Mosset; CARLUCCI, ainda Kemelmajer. Responsabilidade civil. Buenos Aires. Hammurabi, 1993.

164 ITURRASPE, Jorge Mosset; CARLUCCI, ainda Kemelmajer. Responsabilidade civil. Buenos Aires: Hammurabi, 1993.

chance, há o dever de indenizar. É tomando em consideração que filhos menores podem, no futuro, ajudar os pais, que os Tribunais acolhem a indenização em decorrência da perda de filhos em tenra idade. Um jogador de futebol que no início de carreira tem a perna amputada ou um estudante de Medicina, especializando-se em cirurgia e que perde o movimento de uma das mãos, tem comprometido o êxito em suas respectivas carreiras. O dano não é certo, mas o prejuízo não chega a ser eventual, nem impossível.

Grácia Cristina Moreira Rosário166 entende que a perda de uma oportunidade ou chance constitui uma zona limítrofe entre o certo e o incerto, o hipotético e o seguro, mas que os danos são atuais e certos, já se inserindo dentro da terceira posição apresentada.

Caio Mário da Silva Pereira, quanto à perda de uma chance, afirma que nesta surge um problema, pois quando ocorre a privação de realizar um ganho ou evitar uma perda, que “figura-se o fato de uma situação que já é definitiva e que nada modificará; mas por um fato seu o defendente detém o desenvolvimento de uma série de acontecimentos que poderiam oferecer a chance de ganhar ou de perder”167. Concluindo que se a ação se funda em mero dano hipotético, não cabe reparação, mas esta será devida se for considerada dentro da ideia de perda de uma oportunidade e puder situar-se na certeza do dano. Com isso, esta perda de uma chance que repousa em uma probabilidade, deve conter o requisito da certeza168.

Ressaltamos, também, as considerações de Arnaldo Marmitt, no sentido de que dano certo é aquele que tem existência determinada, sendo o dano efetivo e materializado, mesmo que a sua apuração esteja vinculada a eventualidades futuras, como a probabilidade de lucros ou prêmios. Apresenta, ainda, o exemplo que segue169:

É o caso do veículo preparado para uma corrida importante, com possibilidades de conseguir valioso troféu. As perdas e danos compreenderiam aí, além do valor normal do automóvel, a parcela extraordinária, relativa à chance de consagrar-se grande campeão, ou a láurea respectiva. As peculiaridades de cada situação apontarão a melhor maneira de obtenção do justo ressarcimento, com a inclusão de referida parcela.

Tratando deste tema de forma clara, Fernando Noronha170 dispõe que os danos ligados às chances perdidas têm que ser certos, devendo estes não apenas serem consequências adequadas de um determinado fato antijurídico, como, também, objeto de prova suficiente para demonstrar a sua ocorrência quando danos presentes, ou a

166 ROSÁRIO, Grácia Cristina Moreira de. A perda da chance de cura na responsabilidade médica. Revista EMRJ. V. 11, nº 43, 2008.

167 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. 168 Ibidem

169 MARMITT, Arnaldo. Perdas e danos. 3. ed. Rio de Janeiro: AIDE, 1997. p. 19.

170 NORONHA, Fernando. Responsabilidade por perda de uma chance. Revista de Direito Privado. n. 23, ano 6, jul-set. 2005.

verossimilhança de que virão ocorrer, se danos futuros. E, para este ser reparável, ainda terá que ser certo, “embora consistindo somente na possibilidade que havia, por ocasião da oportunidade que ficou perdida, de obter o benefício, ou de evitar o prejuízo; mais ou menos incerto será apenas saber se essa oportunidade, se não tiver sido perdida, traria o benefício esperado”.171

Concordamos com o entendimento de que os danos ligados à perda de uma chance são certos, pois o que será objeto de reparação é a chance em si, cuja seriedade e realidade devem ser comprovadas, mas não o evento futuro, que poderia ou não ocorrer, já que estamos no campo das probabilidades.

Ademais, o caráter de certeza, que deve apresentar o dano reparável, deve ser exigido no caso da perda de uma chance, também visa impedir que um dano hipotético seja objeto de reparação a título desta espécie de dano. Desta forma, no caso perda de uma chance, para que a demanda seja digna de procedência a chance perdida deve representar muito mais do que uma simples esperança subjetiva, deve consistir em algo certo, que possa ser comprovado pela parte172.

Como exemplo, no caso da perda de uma chance que envolve a falta de interposição de recurso por parte de advogado constituído pela parte, esta certeza deve ser observada quanto à posição adotada por aquele Tribunal relativa ao tema da decisão, consistindo na própria existência de concreta chance daquela decisão ser reformada pelo Tribunal. Estaria comprovada a certeza da chance pela parte se esta demonstrar que o Tribunal estava se posicionando de modo favorável, mesmo que em parte, ao que era esperado na ação proposta, não sendo necessário comprovar a certeza quanto à revisão da decisão, mas sim que teria uma probabilidade considerável.

Não restaria presente a perda de uma chance se, dentro deste mesmo caso, restasse comprovada, por meio das provas, a inexistência do direito alegado, não existindo chance, uma vez que uma hipotética procedência deste pedido não passaria de um erro do Judiciário, que não faria parte do patrimônio do autor da demanda.

Desta forma, a certeza ora apontada é quanto à existência da chance, e não quanto aos acontecimentos futuros, pois estes poderiam levar, ou não, aos ganhos ou perdas por parte do titular desta chance. E, com isso, o requisito da certeza não figura como um obstáculo à reparação dos danos decorrentes da perda de uma chance.

171 Ibidem. p. 29.

172 SILVA, Rafael Peteffi da. A responsabilidade pela perda de uma chance e as condições para a sua aplicação. In: DELGADO, Mário Luiz (Coord). Novo Código Civil. Questões Controvertidas. Série Grandes Temas de Direito Privado. Vol. 5. São Paulo: Método, 2006.