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2.2 OS CONTORNOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL E A TEORIA DA PERDA DE

2.2.1 Funções da Responsabilidade Civil

Embora a responsabilidade civil possua como função essencial a proteção da esfera jurídica das pessoas, o que se dá por meio da imputação da obrigação de reparar os danos causados, seja decorrente de conduta lesiva seja pelo descumprimento contratual, outras funções são atribuídas a este instituto.

Normalmente, duas funções são atribuídas à Responsabilidade civil, como exemplo, Roberto Senise Lisboa, que apresenta como a primeira delas a função-garantia, que decorre da necessidade de segurança jurídica que a vítima possui para o ressarcimento dos danos por ela sofridos, enquanto a segunda, que denomina de função-sanção, decorre da ofensa da norma jurídica imputável ao agente causador do dano, e importa em compensação em favor da vítima71.

Rui Stoco entende que o caráter sancionatório não é apenas uma função, mas a própria natureza da responsabilidade civil, pois os princípios do neminem leadere (não lesar ninguém) e do alterum non leadere (não lesar ninguém) é que dão a exata dimensão do sentido de responsabilidade, pois a ninguém é permitido lesar sem a consequência de imposição de sanção. Dispondo que enquanto no âmbito penal esta sanção atende a um anseio da sociedade e de buscar resguardá-la, no civil o dever de reparar assegura que o lesado tenha o patrimônio, tanto material quanto moral, reconstituído mediante a reconstituição in integrum72. Além de ressaltar que o sistema positivo estabelecido repugna tanto a ofensa ou agressão, tanto física quanto moral, seja impondo sanção de natureza penal ou de natureza civil, também sancionatória, mas de caráter pecuniário, ainda que cuide de ofensa moral.

Para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, a responsabilidade civil possui três funções. A primeira é a compensatória do dano da vítima, em que se encontra o objetivo básico e finalidade da reparação civil, que é o de recompor as coisas ao status quo ante. A segunda é a punitiva do ofensor, que é uma função secundária, pois, embora não seja a finalidade básica da prestação imposta ao ofensor, desta decorre um efeito punitivo pela ausência de cautela na prática de seus atos, persuadindo-o a não mais lesar. A terceira é a desmotivação social da conduta lesiva, que decorre do cunho socioeducativo da obrigação

71 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Vol.2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. 72 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: responsabilidade civil e sua interpretação doutrinária e

estabelecida ao responsável, pois torna público que a sociedade não aceita tais condutas, restabelecendo-se o equilíbrio e segurança desejada pelo direito73.

Rubens Leonardo Marin74 também apresenta a responsabilidade civil como detentora de três funções facilmente identificáveis, que seriam o compensatório, o pedagógico e o punitivo75. O primeiro deles, que é também decorrente do comando legal previsto no art. 944 do Código Civil de 2002, é circunscrito ao dano e, visando o sua reparação, é o mais característico e reflete-se em todos os tipos de fatos danoso que geram o dever de indenizar, seja decorrente de atitudes ilícitas, atividades de risco ou qualquer outros que importem relações indenizatórias.

O pedagógico teria como escopo disciplinar a conduta do próprio agente do ato danoso e, por conseguinte, a comunidade por efeito demonstrativo, inibindo a execução de atos danosos indesejáveis, sendo um efeito acessório da compensação feita ao sujeito passivo da ação danosa. Já sobre a função punitiva, afirma ser a mais controversa das três apresentados, pois tem efeito pela aplicação de uma sanção punitiva, e não meramente reparatória do dano, com a finalidade de punir, ou seja, de castigar o agente do ato danoso.

Fernando de Sandy Lopes Pessoa Jorge apresenta a responsabilidade civil como uma modalidade da obrigação de indenizar, e, partindo da consideração de que indenizar significa eliminar o dano, destaca que “mesmo quando ela exerce, com maior ou menor relevo, funções sancionatórias, está sempre sujeita aos limites que resultam daquele objetivo fundamental”76.

Clayton Reis, no mesmo sentido, afirma não ser adequado atribuir à responsabilidade civil função sancionatória, isto por ver que a punição do causador do dano

73 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil – responsabilidade civil. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

74 MARIN, Rubens Leonardo. Dos sentidos da responsabilidade civil no Código Civil de 2002, e suas correlações aos tipos. In: TARTUCE, Flávio; CASTILHO, Ricardo (Coord). Direito civil, direito patrimonial, direito existencial. São Paulo: Método, 2006.

75 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. Apresentava como finalidades da responsabilidade civil, juntamente com a reparação, a punitiva e pedagógica, afirmando:

Como sentimento humano, além de social, à mesma ordem jurídica repugna que o agente reste incólume em face do prejuízo individual. O lesado não se contenta com a punição social do ofensor. Nasce daí a ideia de reparação, como estrutura de princípios de favorecimento à vítima e de instrumentos montados para ressarcir o mel do ofensor. Nasce daí a ideia de reparação, como estrutura de princípios de favorecimento à vítima e de instrumentos montados para ressarcir o mal sofrido. Na responsabilidade civil estará presente uma finalidade punitiva ao infrator aliada a uma necessidade que eu designo como pedagógica, a que não é estranha à ideia de garantia para a vítima, e de solidariedade que a sociedade humana lhe deve prestar. (p. 11).

76 JORGE, Fernando Pessoa. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 1999.

poderia ser feita a qualquer nível pecuniário, e, com isso, não teria uma preocupação com o ressarcimento do prejuízo sofrido pela vítima77. Dispondo que no processo ressarcitório o julgamento tem que ser pautado em face dos danos que afetam o patrimônio, quer seja material como imaterial do lesado, objetivando repristiná-lo nos níveis em que se encontravam antes da ofensa78.

Ademais, o controle punitivo é exercido pelo Estado através do direito penal, que tem como objetivo a proteção dos bens materiais e imateriais da pessoa e do próprio Estado, dentro do princípio da legalidade. Não sendo adequado, para o autor, que a responsabilidade civil tenha como pressuposto formal a punição do infrator, esquecendo-se que a sua função principal reside na reparação dos danos.

Ressalta que o montante da indenização arbitrado pelo magistrado exerce importante função educativa no espírito do ofensor, afirmando que “não se deve desmerecer que o pagamento de uma determinada importância, a qual o lesionado é compulsoriamente obrigado a desembolsar, enquanto corresponde a uma subtração de parte do seu patrimônio, retrata uma indisfarçável função punitiva”79.

O Superior Tribunal de Justiça vem se manifestando no sentido de que no caso do dano moral a indenização estabelecida apresenta duas funções, sendo elas a de reparar o dano sofrido pela vítima juntamente com a punição do ofensor, como se observa na ementa que segue:

ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE – CIVIL – DANO MORAL – VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1. O valor do dano moral tem sido enfrentado no STJ com o escopo de atender a sua dupla função: reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor, para que não volte a reincidir. 2. Posição jurisprudencial que contorna o óbice da Súmula 7/STJ, pela valoração jurídica da prova. 3. Fixação de valor que não observa regra fixa, oscilando de acordo com os contornos fáticos e circunstanciais. 4. Recurso especial parcialmente provido80.

77 REIS, Clayton. Os Novos Rumos da Indenização do Dano Moral. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

A prevalência do sentido meramente punitivo da reparação dos danos morais é que tem gerado, perante os Tribunais, segundo nosso entendimento, valores desconectados com a realidade nas diversas situações julgadas pelas nossas cortes de justiça. Porque, se o sentido que se concede a essa forma de reparação é meramente punitivo, basta apenas a fixação de qualquer valor, geralmente ínfimo, para conferir o referido efeito punitivo. Por outro lado, quando se trata de indenização, será necessário estabelecer critérios quantitativos para os efeitos de se observar o princípio da equivalência relativa na relação indenização-dano, presente no processo indenizatório. (p.139).

78 REIS, Clayton. Os novos rumos da indenização do dano moral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 79 Ibidem. 146-147.

80 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP 604801/RS; RECURSO ESPECIAL, 2003/0180031-4 Relatora Ministra ELIANA CALMON (1114) T2 - SEGUNDA TURMA. Data do julgamento: 23/03/2004. Data da publicação: 07/03/2005. p. 214.

No mesmo sentido, a decisão do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 866.220-BA, conforme voto do Ministro Luis Felipe Salomão, que destaca81:

Emergem, nesse passo, duas vertentes principais a justificar a responsabilidade civil do ofensor de direitos alheios: sob o prisma individual da vítima, a esta interessa o retorno ao status quo abalado pela agressão, ou, em caso de impossibilidade prática, como na hipótese de danos morais, a compensação da dor sofrida com a experimentação de alguma benesse, ainda que de natureza diversa da do bem lesado; por outro lado, a partir da ótica da coletividade e da posição do agressor, tem-se como escopo da responsabilidade civil a sanção ao causador do dano e a exemplariedade da condenação, devendo esta servir à dissuasão de recalcitrância futura.

Com efeito, verifica-se o duplo escopo da condenação civil: a recomposição ou compensação do dano e a sanção do causador do dano, em razão da reprovabilidade de sua conduta.

Embora a responsabilidade civil possua diversas funções, a primordial é a recomposição do patrimônio do lesado, quando o dano for patrimonial, ou compensação destes, no caso de danos extrapatrimoniais, devendo as punitiva e educativa ser vistas apenas como reflexo, posto que o causador do dano sofre um desfalque patrimonial que poderá desestimular novas condutas lesivas.