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Da lei de talião

No documento O Espírito das Leis (páginas 45-49)

Os Estados despóticos, que gostam de leis simples, usam muito a lei de talião. Os Estados moderados admitem-na às vezes: mas existe a diferença seguinte: os primeiros fazem-na exercer rigorosamente, e os outros quase sempre a abrandam.

A lei das Doze Tábuas admitia duas; ela só condenava ao talião quando não se tinha conseguido satisfazer àquele que se queixava. Podia-se, após a condenação, pagar as perdas e danos, e a pena corporal era convertida em pena pecuniária

CAPÍTULO XX

Do castigo dos pais em lugar dos filhos

Na China, punem-se os pais pelos erros dos filhos. Isto era costume no Peru e também provém das idéias despóticas.

Ainda que se diga que na China o pai é punido por não ter feito uso do poder paterno que a natureza estabeleceu e as leis até aumentaram, isto ainda supõe que não exista honra entre os chineses. Entre nós, os pais cujos filhos são condenados ao suplício e os filhos

cujos pais sofrem a mesma norte são tão punidos pela vergonha quanto o seriam na China com a perda da vida.

CAPÍTULO XXI

Da clemência do príncipe

A clemência é a qualidade distintiva dos monarcas. Na república, onde se tem como

princípio a virtude, ela é menos necessária. No Estado despótico, onde reina o temor, ela é menos,costumeira porque é preciso que os grandes do Estado sejam contidos com exemplos de severidade. Nas monarquias, onde se é governado pela honra, que muitas vezes exige o que a lei proíbe, ela é mais necessária. A desgraça é um equivalente da pena; as próprias formalidades do julgamento são castigos. Eis que a vergonha vem de todos os lados para formar tipos particulares de penas.

Os grandes são punidos tão fortemente pela desgraça, pela perda muitas vezes imaginária de sua fortuna, de seu crédito, de seus hábitos e de seus prazeres, que o rigor, para eles, é inútil; ele só pode servir para retirar dos súditos o amor que eles têm à pessoa do príncipe e o respeito que devem ter pelos cargos.

Assim como a instabilidade dos grandes pertence à natureza do governo despótico, sua segurança pertence à natureza da monarquia.

Os monarcas têm tanto a ganhar com a clemência, ela é seguida de tanto amor, eles tiram dela tanta glória, que é quase sempre uma felicidade para eles ter a oportunidade de exercitá-la; e isto quase sempre é possível em nossos países.

Haverá talvez disputa por uma parte da autoridade, quase nunca por toda a autoridade; e se às vezes eles combatem pela coroa não combatem pela vida.

Mas, dir-se-ia, quando se deve punir? Quando se deve perdoar? É algo que se deixa melhor sentir do que prescrever. Quando a clemência traz perigos, estes perigos são muito

visíveis; distinguimo-la facilmente dessa fraqueza que leva o príncipe ao desprezo e à própria impotência de punir.

O imperador Maurício tomou a decisão de nunca verter o sangue de seus súditos. Anastácio não castigava os crimes. Isaac, o Anjo, jurou que, durante seu reinado, não mandaria matar ninguém. Os imperadores gregos esqueceram que não era em vão que portavam a espada.

LIVRO SÉTIMO

Conseqüências dos diferentes princípios dos três governos em relação às leis suntuárias, ao luxo e à condição das mulheres

CAPÍTULO I Do luxo

O luxo é sempre proporcional à desigualdade das fortunas. Se, num Estado, as riquezas são igualmente divididas, não haverá luxo, pois ele só está baseado nas comodidades que

obtemos com o trabalho dos outros.

Para que as riquezas permaneçam igualmente repartidas, é necessário que a lei só dê a cada um o necessário físico. Se possuírem mais do que isso, uns gastarão, outros comprarão, e a desigualdade estará estabelecida.

Supondo que o necessário físico seja igual a uma soma determinada, o luxo daqueles que só possuirão o necessário será igual a zero; aquele que possuir o dobro terá um luxo igual a um; aquele que possuir o dobro do bem deste último terá um luxo igual a três; quando tiver ainda o dobro, terá um luxo igual a sete; de sorte que se supusermos que o bem do particular seguinte seja sempre o dobro do anterior, o luxo crescerá do dobro mais uma unidade, na seguinte progressão: 0, 1, 3, 7, 15, 31, 63, 127.

Na república de Platão, o luxo poderia ser calculado com exatidão. Existiam quatro tipos de censo estabelecidos. Sendo o primeiro precisamente o termo onde a pobreza termina; o segundo era o dobro, o terceiro o triplo, o quarto o quádruplo do primeiro. No primeiro censo, o luxo era igual a zero; era igual a um no segundo; a dois no terceiro; a três no quarto; e assim seguia na proporção aritmética.

Considerando-se o luxo dos diversos povos uns em relação aos outros, ele está em cada Estado na razão composta da desigualdade das fortunas que existe entre os cidadãos e da desigualdade das riquezas dos diversos Estados. Na Polônia, por exemplo, as fortunas são de uma extrema desigualdade; mas a pobreza do total impede que exista tanto luxo quanto num Estado mais rico.

O luxo também é proporcional ao tamanho das cidades, e principalmente da capital; de forma que ele está na razão composta das riquezas do Estado, da desigualdade das fortunas dos particulares e do número de homens que se reúnem em certos lugares.

Quanto maior o número de homens reunidos, mais vãos eles se tornam e sentem nascer dentro de si a vontade de se singularizar por meio de pequenas coisas. Se estão em tão grande número que a maioria seja desconhecida uns dos outros, a vontade de se destacar redobra, porque há mais esperança de ser bem-sucedido. O luxo dá esta esperança; cada um assume o aspecto da condição que lhe é superior. Mas, de tanto querer singularizar-se, tudo se torna igual, e ninguém mais se destaca: como todos querem fazer-se notar, ninguém é notado.

Resulta disso tudo um incômodo geral. Aqueles que são excelentes numa profissão colocam em sua arte o preço que querem; os talentos menores seguem este exemplo; não há mais harmonia entre as necessidades e os meios. Quando sou forçado a queixar-me na justiça, é necessário que eu possa pagar um advogado; quando estou doente, preciso poder conseguir um médico.

Algumas pessoas pensaram que reunindo tanta gente numa capital diminuiriam o comércio, porque os homens mão estão mais a certa distância uns dos outros. Não penso assim: têm-se mais desejos, mais necessidades, mais fantasias quando se está junto.

CAPÍTULO II

Das leis suntuárias na democracia

Acabo de dizer que nas repúblicas onde as riquezas são igualmente repartidas não pode haver luxo; e, como vimos no livro quinto que esta igualdade de distribuirão constituía a excelência de uma república, segue-se que quanto menos luxo houver numa república mais perfeita será. Ele não existia sob os primeiros romanos, não existia sob os lacedemônios, e nas repúblicas onde a igualdade não foi completamente perdida o espírito de comércio, de trabalho e de virtude faz com que cada um possa e deseje viver de seus próprios bens e que, conseqüentemente, haja pouco luxo.

As leis da nova divisão dos campos, pedidas com tanta insistência em algumas repúblicas, eram salutares por natureza. Elas só são perigosas como ação repentina. Retirando de repente as riquezas de uns, e aumentando da mesma forma as de outros, elas fazem em cada família uma revolução e devem produzir uma revolução geral no Estado.

À medida que o luxo se instala numa república, o espírito volta-se para o interesse particular. Para pessoas que só precisam do necessário, resta apenas desejar a glória de sua pátria e a sua particular. Mas uma alma corrompida pelo luxo tem muitos outros

desejos. Cedo ela se torna inimiga das leia que a incomodam. O luxo que a guarnição de Régio começou a conhecer fez com que ela degolasse seus habitantes.

Assim que os romanos foram corrompidos, seus desejos tornaram-se imensos. Podemos avaliá-lo pelo preço que atribuíram às coisas. Um pote de vinho de Falerno era vendido por cem dinheiros romanos; um barril de carne salgada do Ponto custava quatrocentos; um bom cozinheiro, quatro talentos: os moços não tinham preço. Quando, por uma impetuosidade geral, todo o mundo se entregava à volúpia, o que acontecia com a virtude?

CAPÍTULO III

Das leis suntuárias na aristocracia

A aristocracia mal constituída tem a seguinte desgraça: os nobres possuem riquezas e no entanto não devem gastá-las; o luxo contrário ao espírito de moderação deve ser daí banido. Só existem então pessoas muito pobres, que não podem receber, e pessoas muito ricas, que não podem gastar.

Em Veneza, as leis forçam os nobres à modéstia. Eles acostumaram-se tanto à economia, que só as cortesãs conseguem fazê-los dar dinheiro. Esta via é utilizada para manter a

indústria; as mais desprezíveis mulheres gastam sem perigo, enquanto que seus tributários levam a vida mais obscura do mundo.

As boas repúblicas gregas tinham, a este respeito, instituições admiráveis. Os ricos gastavam seu dinheiro em festas, cm coros de músicas, em carruagens, em cavalos de corrida, em caras magistraturas. As riquezas davam tanto trabalho quanto a pobreza.

CAPÍTULO IV

Das leis suntuárias nas monarquias

"Os suões, nação germânica, prestam homenagem às riquezas", conta Tácito; "o que faz com que vivam sob o governo de um só." Isto significa que o luxo é singularmente próprio às monarquias e que elas não precisam de leis suntuárias.

Como, pela constituição das monarquias, as riquezas são desigualmente repartidas, é necessário que haja luxo. Se os ricos não gastarem muito, os pobres morrerão de fome. É preciso até que os ricos gastem na proporção da desigualdade das fortunas e, como

dissemos, o luxo aumente nesta proporção. As riquezas particulares só aumentaram porque elas retiraram dos cidadãos o necessário físico; é preciso, então, que este lhes seja devolvido.

Assim, para que o Estado monárquico se sustente, o luxo deve ir crescendo, do lavrador ao artesão, ao negociante, aos nobres, aos magistrados, aos grandes senhores, aos

financistas principais, aos príncipes; sem o que tudo estaria perdido.

No senado de Roma, composto por graves magistrados, por jurisconsultos e por homens imbuídos da idéia dos primeiros tempos, foi proposta, sob Augusto, a correção dos

costumes e do luxo das mulheres. É curioso ver em Dioncom que arte ele eludiu os pedidos importunos desses senadores. É que ele estava fundando uma monarquia e dissolvendo uma república.

Sob Tibério, os edis propuseram no senado o restabelecimento das antigas leis suntuárias. Este príncipe, que tinha luzes, opôs-se: "O Estado não poderia sobreviver", dizia, "na situação em que estão as coisas. Como Roma poderia viver? Como poderiam viver as

províncias? Éramos frugais quando éramos cidadãos de uma só cidade; hoje, nós consumimos as riquezas de todo o universo; fazemos trabalhar por nós os senhores e os escravos." Ele percebia que não mais se precisava de leis suntuárias.

Quando, sob o mesmo imperador, propuseram ao senado proibir aos governadores levarem suas mulheres para as províncias, por causa dos desregramentos que elas traziam, tal coisa foi rejeitada. Disseram "que os exemplos da dureza dos antigos foram substituídos por um

jeito de viver mais agradável". Sentiram que eram precisos outros costumes.

Logo, o luxo é necessário nos Estados monárquicos; é-o também nos Estados despóticos. Nos primeiros, é um uso que se faz do fato de se ter liberdade; nos outros, é um abuso que se faz das vantagens da servidão, como quando um escravo escolhido por seu senhor para

tiranizar os outros escravos, incerto quanto ao dia seguinte de sua sorte de cada dia, não tem outra felicidade a não ser a de saciar o orgulho, os desejos e as volúpias de cada dia.

Tudo isso leva a uma reflexão: as repúblicas acabam pelo luxo; as monarquias, pela pobreza.

CAPÍTULO V

Em que casos as leis suntuárias são úteis numa monarquia

Foi no espírito da república, ou em alguns casos particulares, que no meio do século XIII criaram em Aragão leis suntuárias. Jaime I ordenou que nem o rei nem nenhum de seus

súditos podiam comer mais de dois tipos de carne em cada refeição e que cada uma delas só seria preparada de um único modo, a não ser que fosse caça que ele mesmo tivesse caçado. Foram decretadas, em nossos dias, na Suécia, leis suntuárias; mas elas têm um objetivo diferente das de Aragão.

Um Estado pode elaborar leis suntuárias no sentido de uma frugalidade absoluta; é o espírito das leis suntuárias das repúblicas; e a natureza da coisa mostra que este foi o objetivo das de Aragão.

As leis suntuárias podem também ter como objetivo uma frugalidade relativa, quando um Estado, sentindo que mercadorias estrangeiras com um preço alto demais demandariam tal exportação das suas, que ele se privaria mais de suas necessidades por estas do que as satisfaria com aquelas, proíbe terminantemente sua entrada; este é o espírito das leis que foram criadas em nossos dias na Suécia. São as únicas leis suntuárias que são convenientes às monarquias.

Em geral, quanto mais um Estado é pobre, mais é arruinado pelo seu luxo relativo. Quanto mais um Estado é rico, mais seu luxo relativo o enriquece; e deve-se evitar com cuidado criar para ele leis suntuárias relativas. Explicaremos melhor isto no livro sobre o comércio. Só se trata aqui do luxo absoluto.

CAPÍTULO VI

No documento O Espírito das Leis (páginas 45-49)