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Do pudor natural

No documento O Espírito das Leis (páginas 125-128)

Todas as nações concordaram igualmente em desprezar a incontinência das mulheres: é que a natureza falou a todas as nações. Ela estabeleceu a defesa e o ataque e, tendo posto desejos dos dois lados, colocou num a temeridade e no outro a vergonha. Deu aos indivíduos, para que se conservassem, longos espaços de tempo, e só lhes deu para se perpetuarem alguns momentos.

violenta. É a modéstia e a contenção que seguem estas leis.

Além do que é da natureza dos seres inteligentes sentirem suas imperfeições: então, a natureza colocou em nós o pudor, isto é, a vergonha de nossas imperfeições.

Assim, quando o poder físico de certos climas viola a lei natural dos dois sexos e a dos seres inteligentes, cabe ao legislador criar leis civis que forcem a natureza do clima e restabeleçam as leis primitivas.

CAPÍTULO XIII Do ciúme

Deve-se diferenciar, entre os povos, o ciúme de paixão do ciúme de costume, de moral, de leis. Um é uma febre ardente que devora; o outro, frio, mas por vezes terrível, pode aliar-se à indiferença e ao desprezo.

Um, que é um abuso do amor, nasce do próprio amor. O outro vem unicamente dos costumes, dos modos da nação, das leis do país, da moral e por vezes até da religião.

É quase sempre o resultado da força física do clima, e é o remédio para essa força física.

CAPÍTULO XIV

Do governo da casa no Oriente

Troca-se tantas vezes de mulher no Oriente que elas não podem ter o governo da casa. Assim, se encarregam disso os eunucos; dão-lhes todas as chaves, e eles dispõem de todos os assuntos da casa. "Na Pérsia", conta Chardin, "se dão as roupas às mulheres, como se fossem crianças." Assim, este cuidado que parece ser-lhes tão conveniente, este cuidado que, em todos os outros lugares, é seu primeiro cuidado não lhes diz respeito.

CAPÍTULO XV

Do divórcio e do repúdio

Existe a seguinte diferença entre o divórcio e o repúdio: o divórcio faz-se pelo consentimento mútuo em caso de incompatibilidade mútua, ao passo que o repúdio ocorre pela vontade e para a conveniência de uma das duas partes, independentemente da vontade e da conveniência da outra.

Algumas vezes é tão necessário para as mulheres repudiar e é-lhes sempre tão desagradável fazê-lo, que é dura a lei que dá este direito aos homens sem dá-lo às mulheres. Um marido é o senhor da casa; ele possui mil meios para manter ou reconduzir suas mulheres ao

dever; e parece que nas suas mãos o repúdio não é nada além de um novo abuso do poder. Mas uma mulher que repudia utiliza apenas um triste remédio. É sempre uma grande desgraça para ela ser obrigada a procurar um segundo marido quando perdeu a maioria de seus

atrativos com outro. Uma das vantagens dos encantos da juventude nas mulheres é que, numa idade avançada, um marido se inclina para a benevolência por causa da lembrança de seus prazeres.

Logo, é regra geral que, em todos os países onde a lei outorga aos homens a faculdade de repudiar, deve também outorgá-la às mulheres. Mais: nos climas onde as mulheres vivem numa escravidão doméstica, parece que a lei deve permitir às mulheres o repúdio, e aos maridos apenas o divórcio.

Quando as mulheres estão num serralho, o marido não pode repudiar por causa de incompatibilidade de costumes: é culpa do marido se os costumes são incompatíveis. O repúdio por causa da esterilidade da mulher só poderia acontecer no caso de uma única mulher: quando se têm muitas mulheres, esta razão é, para o marido, de nenhuma

importância.

A lei das Maldivas permite retomar uma mulher que se repudiou. A lei do México proibia que se reconciliassem, sob pena de morte. A lei do México era mais sensata do que a lei das Maldivas; no próprio momento da dissolução, ela pensava na eternidade do casamento: pelo contrário, a lei das Maldivas parece desconsiderar da mesma forma o casamento e o repúdio.

que se tinham separado voluntariamente tornassem a se unir. O repúdio parece estar mais relacionado com a brusquidão do espírito e com alguma paixão da alma; o divórcio parece ser questão de conselho.

O divórcio possui normalmente uma grande utilidade política e, quanto à sua utilidade civil, ele foi estabelecido para o marido e para a mulher, e nem sempre é favorável aos filhos.

CAPÍTULO XVI

Do repúdio e do divórcio entre os romanos

Rômulo permitia ao marido repudiar a mulher se ela tivesse cometido adultério, preparado veneno ou falsificado as chaves. Não deu às mulheres o direito de repudiar o marido. Plutarco chama a esta lei uma lei muito dura.

Como a lei de Atenas dava à mulher, assim como ao marido, a faculdade de repudiar e como sabemos que as mulheres conseguiram este direito na época dos primeiros romanos, não obstante a lei de Rômulo, fica claro que estainstituição foi uma daquelas que os deputados de Roma trouxeram de Atenas e foi colocada entre as leis das Doze Tábuas. Cícero diz que as causas de repúdio provinham da lei das Doze Tábuas. Assim, não podemos duvidar de que esta lei tivesse aumentado o número das causas de repúdio estabelecidas por Rômulo.

A faculdade do divórcio foi também uma disposição, ou pelo menos uma conseqüência, da lei das Doze Tábuas. Pois, a partir do momento em que a mulher ou o marido tinham

separadamente o direito de repudiar, com mais forte razão podiam separar-se de comum acordo e por uma vontade mútua.

A lei não exigia que se apresentassem as razões do divórcio. É porque, pela natureza da coisa, se precisa de causas para o repúdio, enquanto elas não são necessárias para o divórcio; porque onde a lei estabelece causas que podem romper o casamento, a

incompatibilidade mútua é a mais forte de todas.

Dionísio de Halicarnasso, Valério Máximo e Aulo Gélio relatam um fato que não me parece verossímil. Contam que, ainda que se tivesse em Roma a faculdade de repudiar a mulher, os romanos tiveram tanto respeito pelos auspícios, que ninguém, por quinhentos e vinte anos, usou desse direito até Carvílio Ruga, que repudiou sua mulher por motivo de esterilidade. Mas basta conhecer a natureza do espírito humano para perceber qual não seria o prodígio se, uma vez que a lei dava ao povo tal direito, ninguém se utilizasse dele. Coriolano, partindo para seu exílio, aconselhou sua mulher a se casar com um homem mais feliz do que ele. Acabamos de ver que a lei das Doze Tábuas e os costumes dos romanos estenderam muito a lei de Rômulo. Para que estas extensões, se os romanos nunca utilizaram a faculdade de repudiar? Além do mais, se os cidadãos tiveram tal respeito pelos auspícios que nunca repudiaram, por que os legisladores de Roma tiveram um respeito menor? Como a lei corrompeu incessantemente os costumes?

Aproximando dois trechos de Plutarco, veremos desaparecer o maravilhoso do fato em

questão. A lei real autorizava o marido a repudiar nos três casos de que falamos. "E ela determinava", conta Plutarco, "que aquele que repudiasse em outros casos fosse obrigado a dar a metade de seus bens à mulher; e que a outra metade fosse consagrada a Ceres."

Assim, podia-se repudiar em todos os casos, submetendo-se à pena. Ninguém o fez antes de Carvílio Ruga, “que”, como conta ainda Plutarco, "repudiou sua mulher por motivo de esterilidade duzentos e trinta anos depois de Rômulo", ou seja, a repudiou setenta e um anos antes da lei cias Doze Tábuas, que ampliou o poder de repudiar e as causas de repúdio.

Os autores que citei contam que Carvílio Ruga amava sua mulher, mas, por causa de sua esterilidade, os censores o fizeram jurar que a repudiaria, para que pudesse dar filhos à república, e tal gesto fez com que o povo o odiasse. É preciso conhecer o gênio do povo romano para descobrir a verdadeira causa do ódio que concebeu por Carvílio. Não foi porque Carvílio repudiou sua mulher que caiu na desgraça do povo: essa era uma coisa com a qual o povo não se preocupava. Mas Carvílio havia jurado aos censores que, dada a

esterilidade de sua mulher, ele a repudiaria para dar filhos à república. Era um jugo que o povo percebia que os censores iam colocar sobre ele. Mostrarei, na seqüência desta obra, as repugnâncias que ele sempre teve por tais acordos. Mas de onde pode vir uma tal contradição entre aqueles autores? Ei-la: Plutarco examinou um fato, os outros contaram uma maravilha.

LIVRO DÉCIMO SÉTIMO

Como as leis da servidão política se relacionam com a natureza do clima

CAPÍTULO I

Da servidão política

A servidão política não depende menos da natureza do clima do que a civil e a doméstica, como mostraremos.

CAPÍTULO II

Diferença entre os povos relativamente à coragem

Já dissemos que o grande calor cansava a força e a coragem dos homens e que nos climas frios certa força de corpo e de espírito tornava os homens capazes de ações longas, penosas, grandes e arriscadas. Podemos observar tal coisa não só de nação a nação, mas também no mesmo país, de uma parte a outra. Os povos do norte da China são mais corajosos do que os do sul; os povos do sul da Coréial não o são tanto quanto os do norte.

Portanto, não nos devemos espantar de que a covardia dos povos dos climas quentes os tenha quase sempre tornado escravos e a coragem dos povos dos climas frios os tenha mantido em liberdade. É um efeito que deriva de sua causa natural.

Tal coisa também se verificou na América; os império despóticos do México e do Peru

estavam próximos do equador, e quase todos os pequenos povos livres estavam e ainda estão perto dos pólos.

CAPÍTULO III

No documento O Espírito das Leis (páginas 125-128)