• Nenhum resultado encontrado

Das famílias

No documento O Espírito das Leis (páginas 196-198)

É certo em quase todo lugar que a mulher passe para a família do marido. O contrário acontece, sem nenhum inconveniente, em Formosa, onde o marido vai integrar a da mulher. Esta lei, que fixa a família numa série de pessoas do mesmo sexo, contribui muito,

independentemente dos primeiros motivos, para a propagação da espécie humana. A família é uma espécie de propriedade: um homem que tem filhos do sexo que não a perpetua nunca está contente enquanto não tiver um que a perpetue.

Os nomes, que dão aos homens a idéia de algo que parece não dever perecer, são bastante apropriados para inspirar em cada família o desejo de estender sua duração. Existem povos em que os nomes distinguem as famílias: existem outros em que só distinguem as pessoas, o que não é tão bom.

CAPÍTULO V

Das diversas ordens de mulheres legítimas

Algumas vezes as leis e a religião estabeleceram vários tipos de uniões civis, e isto acontece da mesma forma entre os maometanos, onde existem diversas ordens de mulheres, cujos filhos são reconhecidos pelo nascimento na casa, ou pelos contratos civis, ou mesmo pela escravidão da mãe e o reconhecimento subseqüente do pai.

Seria contrário à razão que a lei castigasse nos filhos o que aprovou no pai: assim, todos os filhos devem herdar, a não ser que exista alguma razão particular que se oponha, como no Japão, onde só herdam os filhos da mulher dada pelo imperador. A política exige que os bens que o imperador dá não sejam muito divididos, porque estão submetidos a um serviço, como o eram outrora nossos feudos.

Existem países onde uma mulher legítima goza, em casa, mais ou menos das mesmas honras que nos nossos climas tem uma mulher única: lá, os filhos das concubinas devem pertencer à primeira mulher. Assim está estabelecida na China. O respeito filial, a cerimônia de um luto rigoroso não são devidos à mãe natural e sim a esta mãe que a lei determina.

Com a ajuda de tal ficção, não há mais filhos bastardos: e, nos países onde esta ficção não acontece, percebemos que a lei que legitima os filhos das concubinas é uma lei

forçada, pois seria a maioria da nação que seria prejudicada pela lei. Tampouco há nesses países filhos adulterinos. As separações das mulheres, a clausura, os eunucos, as trancas tornam a coisa tão difícil que a lei a julga impossível. Além disso, a mesma espada

CAPÍTULO VI

Dos bastardos nos diversos governos

Assim, não se conhecem bastardos nos países onde a poligamia é permitida. São conhecidos naqueles onde a lei de uma só mulher está estabelecida. Foi preciso, nestes países, desonrar o concubinato; portanto, foi necessário desonrar os filhos que dele haviam nascido.

Nas repúblicas, onde é necessário que os costumes sejam puros, os bastardos devem ser ainda mais odiados do que nas monarquias.

Foram talvez feitas em Roma disposições duras demais contra eles. Mas como as

instituições antigas colocavam todos os cidadãos na necessidade de se casarem, e como os casamentos eram, por outro lado, abrandados pela autorização de repudiar ou de fazer o divórcio, só uma corrupção muito grande dos costumes poderia levar ao concubinato. É preciso observar que sendo considerável a qualidade de cidadão nas democracias, onde ela carregava consigo o poder soberano, criavam-se muitas vezes leis sobre o estado dos bastardos, que tinham menos relação com a própria coisa e com a honestidade do casamento do que com a constituição particular da república. Assim, o povo admitiu algumas vezes como cidadãos os bastardos, para aumentar seu poder contra os grandes. Assim, em Atenas, o povo subtraiu os bastardos do número de cidadãos, para ter uma porção maior do trigo que o rei do Egito lhe tinha enviado. Por fim, Aristóteles nos ensina que em várias cidades, quando não havia cidadãos suficientes, os bastardos herdavam e, quando havia o bastante, eles não herdavam.

CAPÍTULO VII

Do consentimento dos pais ao casamento

O consentimento dos pais está fundado em seu poder, ou seja, em seu direito de

propriedade; está também fundado em seu amor, em sua razão e na incerteza da de seus filhos, que a idade mantém no estado de ignorância e as paixões no estado de embriaguez. Nas pequenas repúblicas ou instituições singulares das quais falamos, podem existir leis que conferem aos magistrados uma inspeção sobre os casamentos dos filhos dos cidadãos, que a natureza já havia dado aos pais. O amor do bem público pode ser tal que iguale ou ultrapasse qualquer outro amor. Assim, Platão queria que os magistrados ordenassem os casamentos; assim os magistrados lacedemônios os dirigiam.

Mas nas instituições ordinárias são os pais que casam os filhos; sua prudência em relação a isto estará sempre acima de qualquer outra prudência. A natureza dá aos pais um desejo de conseguir sucessores para seus filhos que mal

sentem para si mesmos. Nos diversos graus de progenitura, eles se vêem avançando imperceptivelmente para o futuro. Mas o que aconteceria se a vexação e a avareza chegassem ao ponto de usurparem a autoridade dos pais? Escutemos Thomas Gage sobre a conduta dos espanhóis nas índias:

"Para aumentar o número de pessoas que pagam o tributo, é preciso que todos os índios que têm quinze anos se casem; e fixou-se até a época do casamento dos índios em quatorze anos para os homens e em treze para as moças. Fundam-se sobre um dito que reza que a malícia pode suprir à idade." Ele viu fazerem um destes recenseamentos; era, diz ele, coisa vergonhosa. Assim, na ação que deve ser a mais livre do mundo, os índios também são escravos.

CAPÍTULO VIII

Continuação do mesmo assunto

Na Inglaterra, as moças muitas vezes burlam a lei para se casarem segundo sua fantasia, sem consultar seus pais. Não sei se éste uso não poderia ser lá mais tolerado do que em outras partes, porque, como as leis não estabeleceram o celibato monástico, as moças só podem ter o estado de casamento, e não podem recusá-lo. Na França, pelo contrário, onde o monaquismo está estabelecido, as moças têm sempre o recurso do celibato, e a lei que ordena que esperem o consentimento dos pais poderia ser mais conveniente. Neste sentido,

o uso da Itália e da Espanha seria o menos razoável: o monaquismo está estabelecido e pode-se casar sem o consentimento dos pais.

CAPÍTULO IX

No documento O Espírito das Leis (páginas 196-198)