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Dos portos de mar

No documento O Espírito das Leis (páginas 198-200)

Nos portos de mar, onde os homens se expõem a mil perigos e vão morrer ou viver em climas distantes, há menos homens do que mulheres; no entanto, vêem-se mais filhos do que em outras partes. Isto se deve à facilidade da subsistência. Talvez mesmo as partes oleosas do peixe sejam mais próprias a fornecer esta matéria que serve à geração. Isto seria uma das causas do número infinito de gente que existe no Japão e na China, onde se vive quase só de peixe. Se isso fosse verdade, certas regras monásticas, que obrigam que se viva apenas de peixe, seriam contrárias ao próprio espírito do legislador.

CAPÍTULO XIV

Das produções da terra que exigem mais ou menos homens

Os países de pastagens são pouco povoados, porque poucas pessoas encontram ocupação; as plantações de trigo ocupam mais homens, e os vinhedos infinitamente mais.

Na Inglaterra, queixaram-se muitas vezes que o aumento dos pastos diminuía o número de habitantes, e observa-se, na França, que a grande quantidade de vinhedos é uma das grandes causas da multidão de homens.

Os países onde minas de carvão fornecem matérias próprias a serem queimadas possuem esta vantagem sobre os outros: as florestas não são necessárias e todas as terras podem ser cultivadas.

Nos lugares onde cresce o arroz, são necessários grandes trabalhos para distribuir as águas; muitas pessoas podem, então, ser ocupadas. E mais: são necessárias menos terras para fornecer a subsistência de uma família do que naquelas que produzem outros grãos: por fim, a terra, que é utilizada em outros lugares para a alimentação dos animais, serve imediatamente para a subsistência dos homens, o trabalho que os animais fazem em outros lugares é feito pelos homens e o cultivo das terras torna-se para os homens uma imensa manufatura.

CAPÍTULO XV

Do número dos habitantes em relação às artes

Quando existe uma lei agrária e as terras estão divididas por igual, o país pode ser muito povoado, ainda que existam poucas artes, porque cada cidadão encontra no trabalho de sua terra precisamente do que se alimentar e todos os cidadãos juntos consomem todos os frutos do país. Era assim em algumas antigas repúblicas.

Mas, em nossos Estados de hoje, os fundos de terras estão desigualmente distribuídos; produzem mais frutos do que aqueles que os cultivam podem consumir; e, se as artes são negligenciadas e só se preocupam com a agricultura, o país não pode ser muito povoado. Aqueles que cultivam ou mandam cultivar, como possuem frutos de sobra, nada os força a trabalhar no ano seguinte: os frutos não seriam consumidos pelas pessoas ociosas, pois as pessoas ociosas não teriam como comprá-los. Logo, é preciso que as artes se estabeleçam para que os frutos sejam consumidos pelos lavradores e pelos artesãos. Numa palavra, esses Estados precisam que muitas pessoas cultivem além do que lhes é necessário. Para isso, é preciso dar-lhes vontade cie possuírem o supérfluo, mas são apenas os artesãos que o dão.

Essas máquinas cujo objetivo é abreviar a arte nem sempre são úteis. Se um objeto está sendo vendido a um preço médio, que seja conveniente igualmente àquele que compra e ao trabalhador que o fez, as máquinas que simplificariam sua manufatura, ou seja, que diminuiriam o número dos trabalhadores seriam perniciosas; e, se os moinhos de água não estivessem estabelecidos em todo lugar, não se acreditaria que fossem tão úteis quanto se diz, porque fizeram descansar uma infinidade de braços, privaram muitas pessoas do uso das águas e fizeram muitas terras perder a fertilidade.

CAPÍTULO XVI

Das idéias do legislador sobre a propagarão da espécie

países onde a natureza fez tudo; logo, o legislador nada tem a fazer. Para que encorajar, por leis, a propagação quando a fecundidade do clima produz gente suficiente? Algumas vezes, o clima é mais favorável do que o terreno; o povo multiplica-se e as forres

destroem-no: é o caso em que se encontra a China. Assim, um pai vende suas filhas e expõe as crianças. As mesmas causas provocam em Tonquim os mesmos efeitos e não se deve, como os viajantes árabes cujo relato Renaudot nos deu, ir buscar a opinião da metempsicose para tanto.

As mesmas razões fazem com que na ilha Formosa a religião não permita que as mulheres dêem à luz antes dos trinta e cinco anos; antes dessa idade, a sacerdotisa pisa seu ventre e faz com que abortem.

CAPÍTULO XVII

Da Grécia e do número de seus habitantes

Esse efeito, que se deve a causas físicas em certos países do Oriente, a natureza do governo produziu-o na Grécia. Os gregos eram uma grande nação, composta por cidades que tinham cada uma seu governo e suas leis. Elas não eram mais conquistadoras do que as da Suíça, da Holanda e da Alemanha de hoje. Em cada república, o legislador tinha tido como objetivo a felicidade dos cidadãos internamente e um poder externo que não fosse inferior ao das cidades vizinhas. Com um pequeno território e uma grande felicidade, era fácil que o número dos cidadãos aumentasse e se tornasse um peso: assim, incessantemente eles

fundaram colônias ; eles se venderam para a guerra, como os suíços se vendem hoje; nada foi negligenciado do que pudesse impedir a multiplicação grande demais dos filhos. Havia entre eles repúblicas cuja constituição era singular. Povos submetidos eram

obrigados a fornecer a subsistência aos cidadãos: os lacedemônios eram alimentados pelos ilotas; os cretenses, pelos periecos; os tessálios, pelos penestas. Só devia haver certo número de homens livres para que os escravos estivessem em condições de fornecer-lhes a subsistência. Dizemos hoje que é preciso limitar o número das tropas regulares: ora, a Lacedemônia era um exército mantido por camponeses; logo, era necessário limitar esse exército; sem isso, os homens livres se teriam multiplicado sem fim, pois tinham todas as vantagens da sociedade, e os lavradores teriam sido sobrecarregados.

Os políticos gregos cuidaram então particularmente de regular o número dos cidadãos. Platão o fixa em cinco mil quarenta e pretende que se limite ou se encoraje a propagação, segundo a necessidade, com as honras, com a vergonha e com os conselhos dos velhos;

pretende até que se regule o número de casamentos de forma que o povo se renove sem que a república seja sobrecarregada.

Se a lei do país, afirma Aristóteles, proibir que se exponham as crianças, será preciso limitar o número daqueles que cada um deve gerar. Se se têm filhos além do número

definido na lei, ele aconselha que se faça a mulher abortar antes que o feto tenha vida. O meio infame que os cretenses usavam para evitar o número muito grande de filhos é relatado por Aristóteles, e senti meu pudor melindrado quando quis relatá-lo.

Existem lugares, conta também Aristóteles, onde a lei dá cidadania aos estrangeiros ou aos bastardos, ou àqueles que nasceram só de uma mãe cidadã; mas, assim que possuem gente em número suficiente, não o fazem mais. Os selvagens do Canadá queimam seus prisioneiros; mas quando têm cabanas vazias para lhes dar reconhecem-nos como de sua nação.

O cavaleiro Petty supôs, em seus cálculos, que um homem na Inglaterra vale a quantia por que seria vendido em Argel. Isso só pode ser bom para a Inglaterra: existem países onde um homem não vale nada; existem outros em que vale menos do que nada.

CAPÍTULO XVIII

Do estado dos povos antes dos romanos

A Itália, a Sicília, a Ásia Menor, a Espanha, a Gália, a Germânia eram mais ou menos como a Grécia, cheias de pequenos povos, e regurgitavam de habitantes: não eram necessárias leis para aumentar seu número.

CAPÍTULO XIX

No documento O Espírito das Leis (páginas 198-200)