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Uma grande preocupação dos estudiosos do Direito do Trabalho está relacionada à cultura de preferir remunerar os trabalhadores pelo desempenho de trabalhos extenuantes ou penosos com adicionais calculados sobre o salário, ao invés de reduzir a jornada de trabalho.

Estes pagamentos são conhecidos como adicionais de periculosidade (art. 193 da CLT) e de insalubridade (art. 189 da CLT).

Conforme veremos, a solução mais adequada para a regulação dos serviços penosos ou extenuantes é proporcionar mais tempo de descanso para os trabalhadores restabelecerem suas forças. É o caso daqueles que executam serviços de digitação, por exemplo, cujas jornadas são limitadas em até 6 horas diárias e 36 semanais.

Estas jornadas especiais foram criadas com o objetivo de preservar a saúde do trabalhador. Sua infração (ou mesmo o descumprimento da jornada comum) ensejará a obrigação de remunerar as horas excedentes, uma prática totalmente contrária ao objetivo principal desta fixação diferenciada que visa prioritariamente preservar a saúde do trabalhador.

Neste sentido, Sebastião Geraldo de Oliveira, ao comentar a tendência moderna que repudia a “monetização do risco”, que nada mais é do que compensar a agressão por meio do pagamento de adicionais:

A solução retrógrada de compensar a agressão por adicionais (monetização do risco) vem sendo banida com energia pelos trabalhadores, sob a bandeira coerente de que “Saúde não se vende”. De fato, a crescente dignificação do trabalho repele a política de remunerar as agressões à saúde, acelerando o desgaste do trabalhador e, consequentemente, apressando a sua morte.104

104 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5. ed. São Paulo: LTR, 2010, p.

Como aponta Carmem Lúcia Antunes Rocha, a mercantilização da saúde do homem não encontra guarida em nossa legislação, pois contraria o princípio da dignidade da pessoa humana:

O princípio da dignidade da pessoa humana é a fórmula jurídico-normativa que impede a mercantilização do homem, conforme já anotado, porque com ele o sistema de Direito absorve um conteúdo ético axiomático, que impõe o respeito à igualdade humana e à singularidade da pessoa como dado universalmente sujeito ao respeito de todos.105

Sebastião Geraldo de Oliveira é categórico ao concluir que a redução da jornada de trabalho é a forma mais eficaz de preservar a saúde do trabalhador, devendo ser afastada a prática de se mercantilizar a saúde do trabalhador, que consiste em reparar a perda da saúde com dinheiro:

A redução da jornada é a saída ética para enfrentar a questão. Em vez de reparar com dinheiro a perda da saúde, deve-se compensar o desgaste com maior período de descanso, transformando o adicional monetário em repouso adicional. A menor exposição diária, combinada com um período de repouso mais dilatado, permite ao organismo humano recompor-se da agressão, mantendo-se a higidez. Essa alternativa harmoniza as disposições constitucionais de valorização do trabalho, colocando o trabalhador em prioridade com relação ao interesse econômico.106

Entendemos que a mercantilização da saúde ocorre quando há pagamento de adicionais para compensar o trabalho do empregador em atividades insalubres ou perigosas.

Entendemos, também, que haverá a mercantilização da saúde do trabalhador quando houver a prática reiterada de exigência de trabalho em jornadas extenuantes, além dos limites legais.

Como vimos, a atual jornada de trabalho brasileira é de 44 horas semanais e 8 horas diárias, no entanto trata-se de jornada já ultrapassada e que necessita ser revista. Mesmo sendo uma das maiores jornadas de trabalho no mundo, ainda assim, é comum o trabalho em períodos superiores ao limite semanal de 44 horas,

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ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Porto Alegre. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/32229-38415-1-PB.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2012, p. 09.

106 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5. ed. São Paulo: LTR, 2010, p.

preferindo o empregador remunerar as jornadas extenuantes com horas extras. Esta prática é possível em virtude dos baixos custos envolvidos.

A corrente que refuta a ideia de que a redução da jornada semanal para 40 horas gerará mais postos de trabalho se fundamenta, principalmente, no fato de que os empresários preferirão pagar horas extras aos trabalhadores a contratar novos funcionários.

Assim, para não haver a possibilidade de desvirtuamento do objetivo principal da redução da jornada de trabalho – que é efetivar o direito à saúde, ao lazer e à educação – é necessário desenvolver novos mecanismos capazes de desestimular a prática de empregadores que insistam em exigir a prestação de jornada extraordinária.

O projeto de Emenda Constitucional nº 231 visa fixar um percentual mínimo de 75% de pagamento adicional sobre a hora normal do trabalhador. Frise-se que anteriormente à Constituição Federal de 1988, tal percentual era de 25%; atualmente corresponde a 50%. Assim, indiscutivelmente, verifica-se que o objetivo principal do ônus legal da hora extra é desestimular a prática de trabalho em jornadas superiores ao limite legal fixado.

Observamos que a jurisprudência e a doutrina modernas caminham para consolidar o entendimento que repudia a prática de jornadas extenuantes, conforme depreendemos deste julgado:

RESCISÃO INDIRETA. JORNADA DE TRABALHO EXCESSIVA. AUSÊNCIA DE DESCANSO. É de se reconhecer a rescisão indireta do contrato de trabalho em vista do descumprimento pela ré de obrigações trabalhistas, legais e contratuais, e bem assim, de normas que velam pela saúde do empregado, considerando-se, nesse particular, a atribuição de excesso de trabalho sem o devido descanso. Recurso Ordinário da reclamada ao qual se nega provimento. (Recurso Ordinário, TRT/SP, 4ª Turma, Acórdão número 20120608469, Relator: RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS, publicado em 06/06/2012).

O PEC nº 231, ao estipular um percentual de 75% de pagamento para horas extraordinárias é um importante mecanismo, já que a pretensão é de desestimular a

prática de jornadas extenuantes. A intenção é preservar a saúde do trabalhador e gerar mais tempo livre para o lazer.

Neste sentido o Tribunal Superior do Trabalho, ao entender que as longas jornadas ferem a dignidade da pessoa humana:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DESERÇÃO. A parte agravante não cuidou de efetuar, em sua integralidade, o depósito a que se refere o art. 899, § 7.º, da CLT, dispositivo acrescentado pela Lei n.º 12.275/10 e que teve sua aplicação regulamentada por meio da Resolução n.º 168 deste TST. Seu Apelo, portanto, é deserto. Agravo de Instrumento não conhecido. RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DANO MORAL COLETIVO. A reparação por dano moral coletivo visa à inibição de conduta ilícita do Reclamado e atua como caráter pedagógico. Assim deve servir como meio apto a coibir a reiterada exigência de prestação de jornada extenuante e prevenir lesão a direitos constitucionais fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, que atinge a coletividade como um todo, e possibilita a aplicação de multa a ser revertida ao FAT, com o fim de evitar e reparar perante a sociedade a conduta lesiva, servindo como elemento pedagógico de punição. Recurso de Revista conhecido e provido. (Recurso de Revista, TST, 4ª Turma, Processo: ARR - 14900- 80.2006.5.01.0080, Relator: Ministra Maria de Assis Calsing, publicado em 03/04/2012).

A fim de preservar a saúde do trabalhador são imprescindíveis todos os esforços para adotar medidas eficazes de redução de jornada já que o objetivo é a efetiva diminuição do tempo de trabalho, e não a remuneração de horas extraordinárias.

Por outro lado, o dispositivo legal do Projeto de Lei, que impõe o pagamento de jornada extra em 75% sobre o valor da hora normal, poderá ser uma forma eficaz para desestimular o empregador a exigir do empregado o trabalho além de sua jornada normal.

No entanto, somente haverá plena eficácia no objetivo principal da redução da jornada de trabalho se houver, concomitantemente, o pagamento de salários equânimes.

Uma remuneração ínfima não criará qualquer obstáculo ao empregador. Isto porque, por se tratar de baixos valores a serem pagos, ele preferirá remunerar tantas

horas extras quantas forem necessárias para a execução dos mais variados trabalhos.

Assim, entendemos que a pretensão de reduzir a jornada de trabalho semanal para 40 horas, em consonância com o patamar almejado pela Organização Internacional do Trabalho, poderá encontrar obstáculo no caso em que houver a prática de pagamento de salários muito baixos.

7 A RECOMENDAÇÃO DA OIT PARA UMA DURAÇÃO SEMANAL DE 40 HORAS