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A RECOMENDAÇÃO DA OIT PARA UMA DURAÇÃO SEMANAL DE 40 HORAS DE TRABALHO

A Organização Internacional do Trabalho é pioneira na luta contra as jornadas de trabalho extenuantes; em 1919 já se manifestava sobre o assunto.

Manuel Alonso Olea realça a relevância do Tratado de Versalhes e as ideias que presidiram a constituição da OIT:

O Tratado de Versalhes e as ideias que presidiram a constituição da OIT, por um lado, e o processo de constitucionalização dos princípios trabalhistas, por outro, podem ser tomados como precedentes do que aqui se quer descrever; com efeito, internacionalização e constitucionalização confluem na adoção pelas Nações Unidas e a ratificação pelos seus Estados membros dos grandes tratados de direitos humanos, que reúnem de forma abrangente entre estes, e com seu mesmo caráter de direitos que decorrem “da dignidade inerente a pessoa humana”, a princípios substantivos (limitação razoável das horas de trabalho, “a segurança e higiene do trabalho” e, ainda, “o direito de toda pessoa à seguridade social”, por exemplo)”107

Sebastião Geraldo Oliveira alerta que logo na primeira reunião, em 1919, uma das convenções tratou da limitação da jornada de trabalho:

Já na primeira reunião da OIT, no ano de 1919, foram adotadas seis convenções, com visível propósito de proteção à saúde e integridade física dos trabalhadores, tratando de limitação da jornada de trabalho, desemprego, proteção à maternidade, trabalho noturno das mulheres, idade mínima para admissão de crianças e o trabalho noturno dos menores.108

Luiz Eduardo Gunther destaca ainda que a OIT tinha como principal reivindicação a jornada diária de 8 horas:

Criou-se a Organização Internacional do Trabalho com a missão de buscar padrões internacionais para as condições de trabalho. Era algo que os reformadores de classe média, os partidos e os sindicatos de esquerda queriam havia muito tempo (“Dia de Oito Horas” era a grande palavra de ordem). O máximo conseguido antes da guerra, entretanto, “foram os limites para o trabalho feminino noturno e o banimento do fósforo na fabricação do palito de fósforo”.109

107

OLEA, Manuel Alonso. Introdução ao direito do trabalho. Tradução de Regina Maria Macedo Nery Ferrari, Aglaé Marcon, Itacir Luchtemberg e Sebastião Antunes Furtado. 5. ed. Curitiba: Genesis, 1997, p. 414.

108

OLIVEIRA, Sebastião Geraldo. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5. ed. São Paulo: LTR, 2010, p. 51.

109

A OIT está na vanguarda da ideia de fixar uma duração razoável de trabalho desde 1919, conforme destaca Arion Sayão Romita:

A questão estava na ordem do dia, quando da criação da OIT. O Tratado de Versalhes (1919), que instituiu a OIT, dela se ocupa no preâmbulo da Parte XIII, ao incluir a duração máxima diária e semanal do trabalho entre as medidas urgentes destinadas a melhorar a condição dos trabalhadores. Os princípios gerais do art. 427 do Tratado consideram a adoção da jornada de 8 horas, e da semana de 48 horas, um fim a ser alcançado, em qualquer país onde ainda não tenha sido obtido.

Por tal motivo, a jornada de 8 horas, e a semana, de 48 horas, constituíram a primeira questão a ser inscrita na pauta da 1ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Washington, em 1919, e a convenção sobre a duração de trabalho na indústria, em 1919, que consagrou este princípio, foi a primeira convenção adotada pela Conferência, com votação unânime.110

Já estudamos os benefícios da redução da jornada de trabalho semanal das atuais 44 para 40 horas semanais, mencionando inclusive que a OIT corrobora o movimento mundial para fixá-la neste limite. Entre os demais principais objetivos desta instituição internacional, encontramos:

A Organização Internacional do Trabalho – OIT é a agência das Nações Unidas que tem por missão promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a um trabalho decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade.111

Foi em 1935 que a OIT adotou a jornada de trabalho semanal de 40 horas, por meio da Convenção nº 47, como informa Cláudia José Abud:

Em 1935, dois fatores atingiram milhões de trabalhadores: o desemprego e a evolução tecnológica. Essa situação justificava, assim, a redução do tempo de trabalho, e por esta razão a OIT, através da Convenção nº 47, adotou a semana de 40 horas.”112

Constatamos que a missão da OIT está diretamente associada aos objetivos perquiridos na Constituição de 1988, naquilo que diz respeito à diminuição das desigualdades sociais.

110

ROMITA, Arion Sayão. Direito do trabalho – temas em aberto. São Paulo: LTR, 1998, p. 256-257.

111

Disponível em: <http://www.oit.org.br/content/apresenta%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 10 set. 2012.

112

Os direitos sociais à saúde e ao lazer estão previstos no art. 6º da Constituição Federal de 1988; a limitação de 40 horas semanais de trabalho irá efetivá-los, pois proporcionará melhores condições de vida ao empregado que, por sua vez, terá ambos os direitos preservados.

Com maior oferta de postos de trabalho, a economia ficará ‘aquecida’ e, consequentemente, haverá diminuição da desigualdade social no Brasil, dando início a um círculo virtuoso.

Neste sentido, Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, ao constatarem a finalidade almejada do art. 6º da Carta Magna:

Vale lembrar, nessa linha de reflexão, que os direitos sociais, como os direitos fundamentais de segunda geração, são aqueles que reclamam do Estado um papel prestacional, de minoração das desigualdades sociais.113

A reivindicação da jornada semanal de trabalho de 40 horas é bastante antiga; este limite já foi inclusive previsto em 1935 e reiterado em 1967, como tendência mundial de jornada de trabalho. Assim nos esclarece Sangheon Lee, Deirdre McCann e Jon C. Messenger:

Na época da primeira revisão ampla das leis nacionais sobre duração do trabalho, realizada pela OIT em 1967, também era evidente a tendência para o limite de 40 horas nas normas nacionais (ILO 1967).114

Os autores, ainda, ponderam que os benefícios de uma jornada semanal de 40 horas transcende o fato de gerar mais empregos:

O limite de 40 horas, no entanto, não tem sido visto apenas como um estímulo para a geração de empregos, mas tem sido reconhecido como contribuição para um conjunto maior de objetivos, inclusive, em anos recentes, o aprimoramento do equilíbrio trabalho-vida. Tem-se tornado gradualmente o modelo de jornada de trabalho aceitável em muitas jurisdições e, no âmbito internacional, consolidou-se no contexto substancialmente diferente do começo da década de 1960, quando foi apontado como “um padrão social a ser alcançado por etapas, se

113 ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 8. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 184.

114 SANGHEON LEE, Deirdre McCann e Jon C. Messenger. Duração do trabalho em todo o mundo. Suíça.

necessário” na Recomendação de Redução da Jornada de Trabalho, 1962 (n.º 116)115

Maurício Godinho Delgado também assevera que o debate sobre a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais compreende benefícios que não se encerram somente na possibilidade de gerar novas oportunidades de emprego:

O debate sobre a redução da duração do trabalho para o teto de 40 horas semanais é, conforme analisado, multidimensional.

Ele não se esgota na perspectiva econômico-financeira da medida, como poderia inicialmente sugerir-se; é que tem repercussões no plano de distintos interesses claramente sociais, como saúde, educação, comunidade familiar, emprego versus desemprego e, até mesmo, estruturação do mercado econômico interno do país.116

A constante busca por condições mais benéficas aos trabalhadores, em harmonia com as capacidades das empresas em viabilizá-los, é inerente à evolução do homem que procura efetivar seus direitos sociais.

Assim, merece aplausos a redução da jornada de trabalho, das atuais 44 para 40 horas semanais, como medida de suma importância para viabilizar os direitos ao lazer e à saúde do trabalhador; um evidente avanço e uma significativa contribuição para efetivar os direitos sociais.

Conforme veremos adiante, nem sempre a negociação coletiva será um instrumento eficaz para limitar a jornada de trabalho; às vezes será necessária uma medida legal.

É certo que a duração do trabalho deve ser regulada, como forma de garantir a saúde e proporcionar momentos de lazer ao empregado. Neste sentido, Orlando Gomes e Elson Gottschalk também entendem que a limitação da jornada de trabalho é medida necessária para atingir tais finalidades: “A duração do trabalho é

115 SANGHEON LEE, Deirdre McCann e Jon C. Messenger. Duração do trabalho em todo o mundo. Suíça.

Tradução: Oswaldo de Oliveira Teófilo. OIT, 2009, p. 9.

116

DELGADO, Maurício Godinho. Duração do trabalho: o debate sobre a redução para 40 horas semanais.

Revista do Tribunal Superior do Trabalho, v. 75, n. 2. abr./jun.2009. Disponível em:

<http://www3.tst.jus.br/Ssedoc/PaginadaBiblioteca/revistadotst/Rev_75/Rev_75_2/delgadomauricio.pdf> Acesso em: 23 abr. 2012, p. 34.

regulamentada com vistas à tutela da saúde, da vida moral e social do indivíduo, da economia em geral e, ainda, da liberdade individual”. 117

Sérgio Ferraz, em 1977, enumerou as principais Convenções e Recomendações da OIT sobre jornada de trabalho:118

 Convenção nº 1, de 1919 – Estabelecia jornada de trabalho de 8 horas diárias e 48 horas semanais, mas nos casos de trabalho de funcionamento necessariamente contínuo, autorizava-se uma duração média de 56 horas por semana;

 Convenção nº 30, de 1930 – Ratifica a Convenção nº 1 da OIT, que estabelecia jornada de trabalho de 8 horas diárias e 48 horas semanais, porém admitia a possibilidade de trabalho diário em 10 horas, mediante compensação e desde que não extrapolasse a jornada semanal de 48 horas;  Convenção nº 31, de 1931 – Estabelecia jornada diária de trabalho do mineiro

em 7h45;

 Convenção nº 47, de 1935 – Estabelecia jornada de trabalho semanal de 40 horas;

 Recomendação nº 116, de 1962 – Preconizava a redução progressiva da jornada de trabalho.

Observamos que a tendência na evolução humana é sempre instituir uma jornada menor, consubstanciada na busca permanente das melhores condições sociais.

Em sintonia com este entendimento, a Organização Internacional do Trabalho conclui, com propriedade, que a jornada de trabalho semanal ideal não deve ultrapassar 40 horas.

A Convenção nº 47 e a Recomendação nº 116 da Organização Internacional do Trabalho, disponíveis nos anexos deste trabalho, dispõem sobre a jornada de trabalho semanal de 40 horas.

117

GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 334.

118

Alinhados a este pensamento, Sangheon Lee, Deirdre McCann e Jon C. Messenger, após analisarem a evolução da jornada de trabalho semanal em vários países concluem pelo mesmo raciocínio: “(...) Como resultado, os dados de 2005 confirmam que o limite de 40 horas é o padrão dominante atualmente”.119

É fato que as relações de trabalho estão cada vez mais intensas, tensas, densas e complexas. Tal fenômeno pode ser observado pelo surgimento de doenças do trabalho relacionadas à saúde mental, além daquelas inerentes aos trabalhos repetitivos, como a lesão por esforço repetitivo (LER).

Seria um erro não enxergar que o atual patamar de 8 horas diárias, – com possibilidade de 2 horas extraordinárias e uma semana de 44 horas – já não é mais compatível em face das modernas relações de trabalho.

A tecnologia proporciona alta velocidade para a troca de informações e suprimiu, em muitas ocasiões, a necessidade do trabalho ser realizado nas dependências do empregador; o trabalhador está compelido a produzir cada vez mais, em um lapso temporal cada vez menor.

O labor intelectual, que exige o complexo raciocínio do trabalhador no desempenho de suas funções, é cada vez mais necessário para o exercício das mais variadas atividades. É de se observar que, até mesmo as funções consideradas mais simples, como as de garis ou operários, exigem do trabalhador um aprimoramento intelectual que não era necessário em um passado remoto.

Trata-se de um fenômeno moderno das relações de trabalho, que conforme Domenico de Masi, “cada vez mais os trabalhos físicos serão delegados às máquinas e o trabalho ideativo, aos homens”.120

Neste quadro moderno de relações trabalhistas, temos a concentração mental cada vez mais necessária e as funções de hierarquia “mediana” – assistente de direção ou de presidente, entre outras – imbuídas por responsabilidades muito grandes, o que poderá ocasionar doenças psicológicas no futuro.

119 SANGHEON LEE, Deirdre McCann e Jon C. Messenger. Duração do trabalho em todo o mundo. Suíça.

Tradução: Oswaldo de Oliveira Teófilo. OIT, 2009, p. 20.

120 DE MASI, Domenico. (1938). O ócio criativo / Domenico de Masi; entrevista à Maria Serena Palieri;

Manuel Alonso Olea, atento ao fenômeno de redução da jornada de trabalho na história do homem, assim se posiciona: “(...) historicamente, a redução do tempo tem acompanhado o aumento na produtividade do trabalho”.121

Ressaltamos que a redução da jornada (de 44 horas para 40 semanais) é um avanço significativo no que tange aos direitos fundamentais e está em conformidade com a realidade de países europeus, endossada por estudos minuciosos da OIT:

O limite de 40 horas, no entanto, não tem sido visto apenas como um estímulo para a geração de empregos, mas tem sido reconhecido como contribuição para um conjunto maior de objetivos, inclusive, em anos recentes, o aprimoramento do equilíbrio trabalho-vida.122

Nos últimos anos aumentou o número de países que aderiram à jornada semanal de 40 horas, conforme podemos observar nos anexos deste trabalho.

Assim, acreditamos que o momento atual da história humana comporta uma limitação de 40 horas semanais, em especial a brasileira, sem desconsiderar sua natural evolução.

É provável que, daqui a alguns anos, a nova tendência seja reduzir a jornada de trabalho para 36 ou 30 horas semanais.

A França foi precursora ao estipular uma redução de jornada semanal de trabalho inferior ao patamar mundial de 40 horas, mas não estava preparada para suportar o período pretendido (que era de 36 horas semanais) naquele momento, por isso não logrou êxito. O lema era “trabalhar menos para todos trabalharem”.

A experiência francesa e a evolução da jornada de trabalho mundial parecem sugerir que a busca por uma redução de jornada de trabalho é um fenômeno cíclico, que provavelmente ainda sofrerá alterações conforme o avanço e o desenvolvimento das novas tecnologias.

121 OLEA, Manuel Alonso. Introdução ao direito do trabalho. Tradução de Regina Maria Macedo Nery Ferrari,

Aglaé Marcon, Itacir Luchtemberg e Sebastião Antunes Furtado. 5. ed. Curitiba: Genesis, 1997, p. 370.

122 SANGHEON LEE, Deirdre McCann e Jon C. Messenger. Duração do trabalho em todo o mundo. Suíça.

Domenico de Masi já se manifestou sobre este constante movimento histórico de redução de jornada de trabalho: “Já Jeremy Rifkin, autor de O Fim do Trabalho, merece um lugar à parte. Também ele, como eu, pensa que o trabalho de tipo tradicional continuará a diminuir cada vez mais e que, portanto, teremos sempre mais tempo livre.”123

Deve haver sintonia entre o movimento legislativo, no que tange a criação e atualização de leis, com a realidade dos trabalhadores. No caso da redução da jornada de trabalho esta sintonia muitas vezes fica prejudicada, em face de interesses econômicos antagônicos.

Por outro lado, merecem aplausos as campanhas de alguns movimentos sindicais brasileiros que de fato pressionam e conclamam a sociedade a lutar por ideais realmente relevantes; vide o caso das inúmeras campanhas de redução de jornada de trabalho.

123 DE MASI, Domenico. (1938). O ócio criativo / Domenico de Masi; entrevista à Maria Serena Palieri;

8 A EFETIVIDADE DA REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO POR MEIO DE