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3 ANÁLISE DA ATIVIDADE DE ESTUDO DO CONCEITO DE TRANSFORMAÇÃO

3.5 As categorias de análise e seus fundamentos

3.5.2 Da modelação à transformação de um modelo para o conceito de transformação linear

Os episódios de ensino utilizados para a análise dessa categoria referem-se ao desenvolvimento das ações “modelação da relação universal” e “transformação do modelo da relação universal que caracteriza o conceito teórico de transformação linear”, sendo ambas relacionadas com a Tarefa 3 – a modelação se deu por meio da resolução da questão 1 e a transformação do modelo com a questão 2. A metodologia empregada na execução destas ações pode ser verificada nas Seções 2.2.2.2 e 2.2.2.3, respectivamente.

Um modelo, para ser considerado um “modelo de aprendizagem”, precisa estabelecer a relação universal do objeto de estudo, possibilitando uma posterior análise deste objeto (DAVYDOV, 1988). Especificamente, o modelo solicitado pela questão 1 da Tarefa 3 visa refletir o aspecto nuclear do conceito de transformação linear por meio de uma modelação literal (ou textual ou linguística) desse aspecto, iniciando o desenvolvimento de uma escrita formalmente aceita pelas normas do pensamento matemático, pois é necessário que o aluno aprenda a pensar de acordo com os critérios da ciência, como afirma Davydov (1988, p. 165):

O pensamento dos alunos, no processo da atividade de estudo, de certa forma, se assemelha ao raciocínio dos cientistas, que expõem os resultados de suas investigações por meio das abstrações, generalizações e conceitos teóricos substantivas, que exercem um papel no processo de ascensão do abstrato ao concreto.

Assim, para que o aluno exponha o resultado de suas abstrações, como diz Davydov (1988), em forma de um modelo matemático, seu pensamento precisa ter sido mediado matematicamente no processo de abstração, conforme desenvolvido na execução da ação

“transformação dos dados da tarefa a fim de revelar a relação universal do conceito de transformação linear” descrita na seção anterior, para que agora, na fase de modelação, ele consiga fazer as abstrações que ainda necessite para a construção e formalização do conceito seguindo ainda a forma de pensar e escrever da Matemática.

Direcionados por esses pressupostos, os modelos criados pelos alunos podem ser vistos nas Figuras 10, 11, 12 e 13 a seguir relacionadas. Tem-se, em uma totalidade, que todas as relações internas do objeto foram apresentadas nos modelos, mas não em um único modelo, todos eles deixaram de apresentar uma ou outra relação e/ou apresentaram relações que ainda necessitam de generalização do conteúdo17 apresentado. Vê-se também que cada grupo tem o seu próprio ritmo de formação do conceito.

Para o grupo 1 (Figura 10), a relação universal está prestes a ser apreendida, pois seu modelo contempla mais características do nuclear do objeto, a saber, a transformação linear ˜ (˜ˆ ¯ ‰ °) e as propriedades que ela deve satisfazer (˜(1 < >) = ˜(1) < ˜(>)), com especificação para a localização dos elementos aplicados na transformação ˜ (1, > s ¯, ‚ s !&.&> s ¯), faltando apenas dizer que os conjuntos são espaços vetoriais. Este grupo é o que apresenta um maior nível de abstração, restando apenas a exibição do significado dos conjuntos ¯ e °.

Figura 10 – Modelo criado pelo grupo 1

Fonte: Obtida pela autora durante o experimento didático formativo.

O grupo 2 (Figura 11) conseguiu realizar a generalização do conteúdo expressando o domínio e o contradomínio como espaços vetoriais quaisquer; entretanto, ainda não conseguiu abstrair as propriedades que a transformação linear deve satisfazer. Assim, este grupo ainda não conseguiu estabelecer as relações universais do objeto.

17 Generalização do conteúdo está intimamente relacionada com a generalização do resultado discutida na Seção

3.6.5, a diferença é que aqui está se referindo a um conteúdo matemático relacionado com um conceito a ser formado e não com um resultado que necessita de formalização, de comprovação matemática de sua veracidade, como lá.

˜ˆ ¯ ‰ °

{˜(1 < >) = ˜(1) < ˜(>)&|&1, > s ¯} {˜(‚>) = ‚˜(>)&|&&‚ s !&; > s ¯}

Figura 11 – Modelo criado pelo grupo 2

Fonte: Obtida pela autora durante o experimento didático formativo.

A Figura 12 apresenta o modelo criado pelo grupo 3. Nota-se que o processo de abstração está ainda longe de ser finalizado, pois os alunos não conseguiram extrair as relações gerais dos casos particulares. Há muita confusão conceitual expressa nesse modelo advinda de conceitos que são considerados como pré-requisitos para a formação do conceito de transformação linear (Figura 1): o grupo diz que transformações lineares são “formas” para determinar funções, mas escreve uma transformação linear utilizando a notação de função, contradizendo a fala anterior, e também há problemas com os conceitos de vetores e de espaço vetorial, pois a expressão “condições de um vetor” não está condizente com a situação em estudo, uma vez que vetores são elementos dos espaços vetoriais e não possuem “condições”, os espaços vetoriais, sim, possuem certas condições, que são chamadas de condições de existência ou axiomas de um espaço vetorial, que precisam ser satisfeitas para que um conjunto seja considerado um espaço vetorial. Vê-se também que o grupo não conseguiu realizar uma completa generalização do conteúdo, pois o domínio e o contradomínio da função ®(#) são constituídos por um espaço vetorial específico, o !" (espaço vetorial real de dimensão -), e não um espaço vetorial qualquer, como deve ser na relação universal. Quanto às propriedades que devem ser satisfeitas por uma transformação linear, o grupo as escreveu corretamente, porém, criou outras que não condizem com as relações particulares anteriormente levantadas.

Sendo ®ˆ ¯ ‰ °, tal que ¯ e ° são espaços vetoriais, é possível concluir que existirá ‚, ± escalares e Y, ], ^, o pontos de ¯, tal que se:

‚(˜(Y) < ˜(]) = ±(˜(^) < ˜(o)) implicará que:

‚Y < ‚] = ±^ < ±Y Será uma transformação linear.

Figura 12 – Modelo criado pelo grupo 3

Fonte: Obtida pela autora durante o experimento didático formativo.

O modelo criado pelo grupo 4 (Figura 13) revela que os alunos não possuem uma linguagem matemática bem desenvolvida, implicando em uma escrita matemática que não atende às normas desta ciência. O modelo literal foi apresentado, mas não condiz com os padrões que devem ser seguidos para a apresentação de conteúdos matemáticos. Nota-se que a relação universal do conceito não foi totalmente desvelada, pois o grupo apenas conseguiu situar o conjunto que determina o domínio e o contradomínio da transformação, que são os espaços vetoriais. Sabem que uma transformação linear deve possuir uma lei de formação, mas expressam a transformação como uma “relação entre seus elementos” e dizem que a lei de formação deve obedecer às propriedades dos espaços vetoriais, mostrando um pensamento confuso que, ao analisar as situações particulares, não conseguiu realizar a abstração necessária para tornar o particular em geral.

Figura 13 – Modelo criado pelo grupo 4

Fonte: Obtida pela autora durante o experimento didático formativo.

Apesar de não ter tido nenhum modelo que contemplasse todas as condições necessárias à formalização do conceito, observa-se que alguns alunos estão conseguindo estabelecer as conexões necessárias à formação do conceito, mesmo que bem sucintas. Esta é uma Transformações Lineares são formas de determinar funções que satisfaçam as condições de um vetor: domínio, contradomínio e imagem.

˜(#)ˆ!" ‰ !"&&|&&´&# s !" Para L uma constante, L s ! e # um vetor

˜(#$) < ˜(#%) ou L˜(#) tal que:

˜(#$) < ˜(#%) = ˜(#$< #%) e L˜(#) = ˜(L#) ˜(•#) = µ(@) e ˜(#$< #%) = ¶(•)

µ(@) = !" ‰ !"&&&´@ s !" ¶(•) = !" ‰ !"&&&´• s !"

Dada uma função ®(#, @, •, … , -), entende-se por transformação linear a relação entre seus elementos respeitando uma lei de formação que obedeça as propriedades dos espaços vetoriais com domínio, contradomínio, imagem contidos em espaços vetoriais.

característica importante nesse momento, reconhecer o que está sendo estruturado no sistema conceitual dos alunos. Observa-se em todos eles o reconhecimento da necessidade de trabalhar com uma função dentro de espaços vetoriais, satisfazendo algumas condições, apesar de nem todos esboçarem a representação desta função nem de suas condições. A forma como os alunos escreveram mostra também o início da superação deles da dificuldade de expressar por meio da linguagem escrita o que eles estavam falando, diminuindo o espaço existente entre essas duas capacidades.

Após cada grupo apresentar o raciocínio utilizado na formação dos modelos escritos nos cartazes e comparar o seu modelo com o modelo dos demais grupos, o professor iniciou um diálogo com o intuito de mediar com os alunos a transformação dos modelos por eles propostos.

Professor: O que foi que apareceu em comum em todos? A2: Os elementos envolvidos estão em espaços vetoriais.

Professor: Apesar de ninguém ter escrito explicitamente, todos deixaram implicitamente que as transformações são o que?

A8: São funções. Professor: São funções. A2: Entre espaços.

Professor: Entre espaços vetoriais? (Alunos balançam a cabeça com sinal de sim) E apesar do grupo 4 não ter escrito, tem que satisfazer essas propriedades? (Indicando as propriedades da soma e multiplicação por escalar que caracterizam uma transformação linear). (Aula 5 de 04/02/2017)

Com esse diálogo, teve-se o início da análise dos modelos com o intuito de identificar o que há em comum neles e, assim, chegar a um modelo que apresentasse todas as relações em sua “forma pura” (DAVYDOV, 1988) e que fosse a expressão do pensamento matemático que os alunos vinham desenvolvendo. Assim, após os alunos se expressarem e levantarem os pontos em comum nos modelos expostos, o professor levantou os pontos que ainda não haviam sido mencionados, chamando a atenção para a aparição deles nos modelos (última fala do professor no diálogo acima) e utilizou o modelo que estava mais generalizado em termos de conteúdo para estruturar o novo modelo, exercício pedido pela questão 2 da Tarefa 3 (Quadro 8), conforme constata-se no diálogo abaixo:

Professor: Então o conceito vocês disseram e está bem escrito aqui (apontando para os cartazes). O grupo 1 falou corretamente, faltou uma e outra palavrinha pra ficar tudo correto, então vamos usar o deles para escrever aqui (fala e escreve simultaneamente no quadro negro): Sejam ¯ e ° espaços vetoriais. Uma transformação linear é uma aplicação _ˆ ¯ ‰ ° tal que _(* < ~) = _(*) < _(~), para todo *, ~ s ¯ e _(‚*) = ‚_(*)& para todo ‚ s ! e todo * s ¯. (Aula 5 de 04/02/2017)

Na fala inicial do professor, descrita no diálogo acima, além de perceber sua preocupação em valorizar a atividade e o desenvolvimento dos alunos, vê-se a intenção de despertar neles uma visão crítica que confronte o seu próprio modelo com os dos demais colegas e com o novo modelo que está prestes a ser criado a partir dos modelos expostos. Em seguida, ele conduz os alunos na transformação do modelo, mostrando-lhes como escrever um conceito de acordo com as normas da escrita matemática para que ele seja aceito como um modelo matemático. O modelo transformado pela turma com o auxílio do professor pode ser verificado na Figura 14.

Figura 14 – Modelo transformado pelos alunos com o auxílio do professor

Fonte: Obtida pela autora durante o experimento didático formativo.

Com o modelo transformado, o professor levou a turma a analisar alguns conceitos que geraram dúvidas durante as ações de aprendizagem anteriormente desenvolvidas, como os conceitos de domínio, contradomínio e imagem, atuando na construção dos nexos internos do conceito de transformação linear (Figura 2), conforme mostra a seguinte fala do professor:

Professor: Então aqui está implícito que o domínio e o contradomínio são espaços vetoriais. Quando eu escrevo assim, já estou dizendo que _ é uma função cujo domínio é ¯ e o contradomínio é °. A imagem vai ser dada pela lei que a gente chama de _, satisfazendo essas duas propriedades. Então observe que nos cartazes, a menos de organizar melhor, o conceito ficou bem entendido. Então, qualquer função entre espaços vetoriais que satisfaça essas duas propriedades é uma transformação linear. (Aula 5 de 04/02/2017)

Mesmo o professor tendo escrito no quadro negro a relação universal, ele não a fez sozinho, os alunos o conduziram nesse processo de escrita e ele pôde ensinar como escrever um princípio geral de acordo com as normas da linguagem matemática, utilizando a simbologia adequada, fato de grande dificuldade para os alunos, como já mencionado anteriormente. Dessa forma, obteve-se a abstração das relações particulares e identificou-se a essência de uma transformação linear. É certo que o processo de abstração não foi completo em todos os alunos, conforme demonstraram os diálogos descritos, mas ainda há a possibilidade de completar esse Sejam ¯ e ° espaços vetoriais. Uma transformação linear é uma aplicação _ˆ ¯ ‰ ° tal que, 6)&&_(* < ~) = _(*) < _(~), ´&*, ~ s ¯,

processo no decorrer das demais ações de aprendizagem, pois o desenvolvimento cognitivo não é linear nem se dá ao mesmo tempo para todos os alunos, cada um tem o seu ritmo próprio de aprendizagem. Assim, o processo de abstração desenvolvido levou os alunos a reconhecerem o procedimento geral de resolução da tarefa, identificando-o em meio às particularidades.