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3 ANÁLISE DA ATIVIDADE DE ESTUDO DO CONCEITO DE TRANSFORMAÇÃO

3.1 O experimento didático formativo: opção metodológica

A pesquisa consistiu em um experimento didático formativo. O método de intervenção didática é considerado por Davydov (1988, p. 187-188) a forma mais eficiente de intervenção nos processos mentais dos alunos, pois:

O método do experimento formativo tem como característica a intervenção ativa do pesquisador nos processos mentais que ele estuda. A realização do experimento formativo pressupõe a projeção e modelação do conteúdo de novas formações mentais a serem constituídas, dos meios psicológicos e pedagógicos e das vias de sua formação. Na investigação dos caminhos para realizar esta projeção (modelo) no processo do trabalho de aprendizagem cognitiva [...] pode-se estudar também as condições e as leis de origem, de gênese das novas formações mentais correspondentes.

Por ser um método de pesquisa, ele se baseia na organização e na reorganização dos programas de ensino e dos procedimentos necessários para concretizá-los, utilizando procedimentos que formam ativamente nos alunos um novo nível de desenvolvimento das capacidades mentais (DAVYDOV, 1988). Nesse sentido, Freitas (2007), ao esclarecer que o experimento didático formativo é uma investigação que resulta em conhecimento sobre as mudanças no sujeito durante o processo de ensino-aprendizagem, explica:

A investigação resulta em um conhecimento que busca explicar o objeto estudado (funções psicológicas), buscando também resultar em mudança qualitativa no sujeito investigado. No experimento didático, o que se busca é a explicação histórica das mudanças qualitativas no pensamento do sujeito, mudanças estas que são investigadas como uma cadeia complexa de processos inseparáveis de aprendizado, decorrentes da realização de uma tarefa proposta no experimento e contida no modo como este se encontra organizado. A tarefa proposta e os passos da tarefa estão ancorados em um determinado conceito científico a ser aprendido. A organização desses passos está ancorada em princípios teóricos da teoria histórico-cultural e da teoria do ensino desenvolvimental. Esses passos, ao serem cumpridos pelos sujeitos participantes exigem determinado movimento do pensamento, movimento este que pode resultar em mudanças na sua qualidade em relação ao conteúdo da tarefa, ou seja, o conceito científico. Em outras palavras: no decorrer do experimento acontece aquisição de atos mentais, atos esses que contribuem para reorganizar o pensamento, as operações mentais realizadas pelo sujeito. (FREITAS, 2007, p. 11)

Assim, na presente pesquisa, o experimento didático formativo é compreendido como o procedimento investigativo que permite analisar a aprendizagem do conceito de transformação linear em movimento e tempo real, evidenciando a relação entre a organização do ensino fundamentado nos pressupostos da teoria do ensino desenvolvimental, formulada por Davydov (1988), e o das capacidades intelectuais durante o processo de apropriação de conhecimentos, de modo que os saberes apropriados sejam mediadores de ações mentais, resultando em mudanças qualitativas nas funções cognitivas. Desta forma,

O ensino e a educação experimentais não são implementados por meio da adaptação a um nível existente, já formado de desenvolvimento mental [dos alunos] [...], mas sim utilizando, por meio da comunicação do professor [com os alunos] [...], procedimentos que formam ativamente [neles] [...] o novo nível de desenvolvimento das capacidades. (DAVYDOV, 1988, p. 189)

Dessa forma, o método genético-modelador de investigação é “um método de educação e ensino experimentais que impulsiona o desenvolvimento” (DAVIDOV, 1988, p. 188), portanto, adequado para investigar o desenvolvimento do pensamento dos alunos e, consequentemente, a internalização dos conceitos teóricos dos objetos de aprendizagem. Para isso, é imprescindível planejar o conteúdo escolar a partir do princípio de ascensão do pensamento, indo do abstrato ao concreto.

A elaboração do plano de ensino na perspectiva desenvolvimental foi realizada pela pesquisadora e pelo professor colaborador. No entanto, a implementação deste plano ocorreu em um momento em que o cenário político e econômico não estava muito favorável. Era um período de greves por parte dos servidores da rede federal de ensino e de ocupações das instituições por estudantes. Exatamente o que aconteceu na semana anterior à semana prevista para o início das aulas do experimento didático, segunda semana do mês de outubro de 2016: o Câmpus foi ocupado por estudantes e na semana seguinte os servidores aderiram a uma greve. Durante esse período, a pesquisadora aprofundou-se nos estudos sobre o ensino desenvolvimental com o professor colaborador, bem como reviu-se os planos das aulas e fez- se os devidos aperfeiçoamentos. No final, constatou-se que todos estes acontecimentos favoreceram muito, pois o professor adquiriu mais segurança quanto à teoria e todas as aulas puderam ser analisadas e pensadas cuidadosamente.

A desocupação do Câmpus ocorreu em, mais ou menos, um mês. Já a greve demorou quase dois meses, sendo finalizada no início de dezembro de 2016. Porém, o retorno às aulas para finalizar o segundo semestre letivo de 2016 só foi marcado para o início de janeiro de 2017, ficando a realização do experimento condicionada a esses fatores.

Como já detalhado, as aulas do experimento foram realizadas em uma turma da disciplina Álgebra Linear do curso de Bacharelado em Engenharia Elétrica do IFG – Câmpus Goiânia. Foram 13 aulas de 45 minutos cada, distribuídas entre os dias 21/01/2017 (1 aula), 28/01/2017 (4 aulas), 04/02/2017 (4 aulas) e 11/02/2017 (4 aulas), todas aos sábados, conforme o horário de aula da turma, das 7h às 8h30min e das 8h45min às 10h15min, exceto a primeira que foi das 9:30h às 10:15h e destinou-se à aplicação da avaliação diagnóstica da zona de desenvolvimento proximal dos alunos quanto aos conteúdos que precedem a aprendizagem do conceito de transformação linear e que constituem um terreno para a formação do novo conceito. As demais aulas foram destinadas ao desenvolvimento das ações que compõem a tarefa de estudo.

Pelo fato de boa parte dos alunos (64,29%) ser composta de trabalhadores, bem como pelo fato do curso de Engenharia Elétrica, de onde advém a maioria dos alunos, ser noturno, com as aulas encerrando às 22h15min e nem todos eles morarem próximo à instituição de ensino, havia muitos atrasos no início das aulas, com os alunos chegando a partir das 7h15min, dificultando este início antes das 7h25min, fator que nos levou a repensar nosso planejamento e, após uma conversa com a turma, ficou acordado que não haveria intervalo entre as aulas (8h30min às 8h45min) e que elas seriam encerradas às 10h40min. Mesmo assim, foi necessário aumentar mais uma aula em nosso cronograma, que, inicialmente, previa 12 aulas, passando

para 13 aulas como descrito, tornando-se possível cumprir todo o planejamento e executando as aulas conforme os pressupostos davydovianos.

Desta forma, o experimento didático formativo buscou, dentre outras coisas, impulsionar o desenvolvimento dos alunos, intervindo no modo de organizar o ensino do conceito de transformação linear e na forma de eles aprenderem tal conceito, passando por um processo de construção da relação nuclear desse conceito, seguido por uma modelação e pela sua utilização. Quanto ao conceito trabalhado, não se buscou esgotar toda a teoria que o cerca, detendo-se à parte inicial e introdutória que, tradicionalmente, os livros didáticos chamam de definição de transformação linear. Alguns aspectos além deste tópico foram trabalhados de forma a dar sentido e significado ao conceito, como os tipos de transformações lineares planas e a escrita matricial de uma transformação.

As aulas foram planejadas e organizadas (Apêndices C, E, H, J, K, N, Q e S) para cumprir o objetivo de formar o pensamento teórico nos estudantes. Todas elas foram ministradas pelo professor da disciplina Álgebra Linear, que participou ativamente como colaborador da pesquisa, de todo o planejamento e organização das aulas. Durante o experimento, houve reuniões semanais para discussão e análise do plano de ensino, com o intuito de dar maior segurança ao professor colaborador na execução das aulas.

À pesquisadora coube o papel de observar as aulas (Apêndice T), fazendo anotações respeito do desenvolvimento e do envolvimento dos alunos, bem como coletando os dados por meio de gravações audiovisuais. Em síntese, o experimento didático formativo consistiu de uma pesquisa cujo ensino foi organizado intencionalmente de acordo com os pressupostos da teoria do ensino desenvolvimental com o objetivo de formar o pensamento teórico pelos estudantes de transformação linear.

3.2 O curso de Bacharelado em Engenharia Elétrica no contexto do Instituto Federal de Goiás – Câmpus Goiânia

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG) – Câmpus Goiânia é o maior e mais antigo câmpus do IFG, situado em uma área de fácil acesso no centro da cidade. Sua origem reporta à criação da Escola de Aprendizes Artífices de Goiaz em 1909, na antiga capital do Estado, Vila Boa, atualmente Cidade de Goiás, por meio do Decreto nº 7.566, de 23 de setembro de 1909, que instituiu a criação das Escolas de Aprendizes Artífices para o ensino profissional primário e gratuito. Na época, “a educação técnica foi apresentada

como solução para diversos problemas sociais” (BARBOSA; JÚNIOR; BEZERRA, 2015, p. 150).

Seu estabelecimento em Goiânia ocorreu no ano de 1942 com a construção e transferência da capital do Estado para Goiânia. Entretanto, o início de seu funcionamento só ocorreu em janeiro de 1943 devido às festividades do Batismo Cultural de Goiânia, em 5 de julho de 1942, ocorrendo nas dependências da instituição uma exposição de produtos da incipiente indústria goiana. Atualmente, em seu prédio, é possível ainda notar vestígios dessa comemoração como o pórtico alusivo a esse Batismo Cultural. No momento de transferência de localização, por meio do Decreto-Lei nº 4.127, de 25 de fevereiro de 1942, a instituição passou a chamar-se Escola Técnica de Goiânia (ETG), oferecendo os cursos de Alfaiataria, Artes do Couro, Mecânica de Máquinas, Marcenaria, Rádio e Comunicação e Tipografia e Encadernação nas modalidades de internato e semi-internato apenas para alunos do sexo masculino, restrição que só foi abolida em 1947, com a criação dos novos cursos técnicos de Edificações, Eletrotécnica e a Construção de Máquinas e Motores, frente às demandas do desenvolvimento industrial em curso no país.

Em agosto de 1965, com a Lei nº 4.759 de 20 de agosto, a ETG passou a chamar-se Escola Técnica Federal de Goiás (ETFG), focalizando a oferta de cursos técnicos na área industrial. Seu ensino era organizado em quatro modalidades: colégio técnico industrial, aprendizagem industrial, cursos técnicos na área industrial e cursos intensivos de preparação de mão de obra industrial.

Por meio de um Decreto de 22 de março de 1999, Decreto sem número, extinguiu-se a ETFG transformando-a em Centro Federal de Educação Tecnológica de Goiás (Cefet/GO), o qual, com o propósito de atender às demandas do cidadão, do mercado de trabalho e da sociedade frente a um novo desenvolvimento tecnológico, passou a ofertar, além dos cursos técnicos de nível médio, cursos da educação superior, especialmente cursos tecnológicos. Foi nessa fase, especificamente no ano de 2003, que parte de sua estrutura foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como um bem isolado e edifício público que compõe o acervo arquitetônico e urbanístico Art Déco da cidade de Goiânia, com edificações erguidas na época em que era Escola Técnica de Goiânia e, depois, Escola Técnica Federal de Goiás. Anteriormente, em 1998, o Governo do Estado de Goiás, a cargo da Fundação Cultural Pedro Ludovico Teixeira, tombou o edifício e o terreno da Escola Técnica Federal de Goiás como um dos 24 bens culturais materiais de Goiânia.

Com a Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, foi instituída a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, criando, assim, os Institutos Federais de

Educação, Ciência e Tecnologia (IF), em um total de 38 IF criados a partir de instituições já existentes, como o Cefet/GO que passou a se chamar Instituto Federal de Educação, Ciência Tecnologia de Goiás (IFG), ampliando suas atribuições no campo da educação profissional e tecnológica, o qual passou a oferecer cursos em todos os níveis e modalidades de ensino, promovendo a integração e a verticalização da educação profissional, atuando da educação básica à educação superior, estendendo a cursos de pós-graduação nas modalidades lato sensu e strictu sensu. Com isso, os IFs passaram a ofertar também cursos de licenciatura, sobretudo de Ciências Naturais e de Matemática, além de oferecer capacitação técnica e atualização para os docentes que integram as redes públicas de ensino. Hoje, o IFG é composto de 14 câmpus distribuídos em Goiânia e no interior do Estado, com a Reitoria estabelecida na capital.

Atualmente, o Câmpus Goiânia oferece 32 cursos, sendo 7 cursos técnicos integrados ao ensino médio, 3 cursos técnicos integrados ao ensino médio na modalidade de educação de jovens e adultos (EJA), 3 cursos técnicos subsequentes (pós-médio), 15 cursos superiores, sendo 10 bacharelados e 5 licenciaturas, 3 cursos de especialização (lato sensu) e 1 mestrado profissional (stricto sensu). Possui uma excelente infraestrutura composta, dentre outras instalações, de laboratórios nas mais diversas áreas, miniauditórios, auditórios, teatro, ginásio poliesportivo, biblioteca, salas de estudo individual e em grupos, várias salas de aulas, sala para os professores e administrativos, além de salas específicas para atendimento médico, odontológico e psicológico para os alunos, tudo de forma gratuita.

Em meio a todo este contexto, existe o curso de Bacharelado em Engenharia Elétrica que é ofertado no período noturno e tem duração de 10 semestres. Para que os alunos iniciem o contato com a prática profissional e aliem a ela o conhecimento científico necessário à sua formação, o IFG – Câmpus Goiânia conta com 1 laboratório de telefonia, 1 de pesquisa, 1 de hardware, 1 de sistemas digitais, 1 de radiocomunicação, 1 de audiovisual, 1 de eletricidade, 1 de eletrônica, 1 de micro controladores, 2 de informática e 1 de circuito impresso, todos eles específicos para este curso, contando também com outros laboratórios de outras áreas que também podem ser utilizados para este curso, como os laboratórios de informática da Coordenação de Matemática.

A escolha pelo IFG – Câmpus Goiânia como campo para a pesquisa se deu, primeiramente, pelo apoio e incentivo a esta pesquisa, antes mesmo do ingresso no curso de Doutorado, por parte da Coordenação de Matemática e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática do IFG (NEPEM/IFG), mostrando que era uma pesquisa de interesse institucional, pois visava o aprimoramento do processo de ensino-aprendizagem. Acrescenta- se a isso o fato de que a pesquisadora possui vínculo profissional com o IFG – Câmpus Goiânia,

o que a faz conhecer melhor o contexto sociocultural e político da instituição, facilitando o acesso aos documentos e às pessoas que poderiam contribuir para a realização da pesquisa.