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1 O LÓGICO-HISTÓRICO DO CONCEITO DE TRANSFORMAÇÃO LINEAR

1.1 A disciplina Álgebra Linear

A Álgebra Linear enquanto disciplina de um curso de graduação nas universidades americanas é, segundo Katz (1995), relativamente nova, tendo apenas algumas décadas de idade, embora a origem de muitos conteúdos relacionados a ela date de séculos atrás. Talvez seja esse um motivo, segundo o autor, pelo qual seus conteúdos em um programa de um curso típico de Álgebra Linear seguem a ordem do seu desenvolvimento histórico mais estreitamente do que a ordem de muitos outros cursos de graduação. Entretanto, somente a partir da década de 1930 que seus conteúdos foram reunidos como temos hoje, conforme explica Katz (1995, p. 347, tradução nossa):

Tais resultados foram, em certo sentido, no ar nas últimas décadas do século XIX, mas eles não seriam unidos no que é hoje reconhecido como o material constitutivo de um primeiro curso em álgebra linear – a união dos resultados sobre a solução de sistemas de equações lineares, determinantes, matrizes, transformações lineares e espaços vetoriais – até a década de 1930.

Dorier (2000, p. 56, tradução nossa), detalhando este fato, relata:

No início dos anos 1930, a apresentação axiomática5 dos espaços vetoriais tornou-se

predominante em dois grandes campos da matemática: análise funcional e álgebra [...] No entanto, os aspectos algébricos e analíticos da teoria axiomática dos espaços vetoriais permaneceram por um tempo desconectados até que, em 1941, Israil Gelfand introduziu a noção de álgebra de Banach.

Assim, na década de 1940, já parecia óbvio que todos os problemas lineares se assemelhavam tanto que olhá-los sob o ponto de vista axiomático se tornava natural e pensar por meio de uma estrutura axiomática era a melhor maneira de modelar situações lineares, fato que conduziu a abordagem axiomática a se tornar a abordagem padrão entre 1930 e 1950, tornando-se um dogma que ninguém mais questionou (DORIER, 2000). Esta revolução na forma de tratar a Álgebra Linear teve grande impulso, principalmente na França, a partir da criação do grupo Nicolas Bourbaki, um grupo formado por matemáticos empenhados em transformar a Matemática e seu ensino por meio da expansão de uma álgebra axiomática, também conhecida como Álgebra Moderna. Sua influência foi tão forte na educação francesa que revolucionou o ensino da época e a teoria dos espaços vetoriais desempenhou um papel

5 É uma teoria que tem como base um conjunto de axiomas a partir do qual obtém-se outros resultados, tais como

lemas, proposições e teoremas. Os axiomas, segundo Eves (2011), são afirmações assumidas inicialmente como verdadeiras em um determinado discurso, das quais procedem todas as demais afirmações deste discurso.

central nessa transformação, pois era vista como parte de uma nova álgebra, mais estruturada e formal, que renovaria o ensino da geometria.

No Brasil, pressupõe-se que a disciplina Álgebra Linear foi estruturada após a chegada de alguns membros do grupo Bourbaki na Universidade de São Paulo por períodos intermitentes entre os anos de 1945 a 1966. Nesta universidade, foi implantado o primeiro curso de graduação específico em Matemática (Bacharelado e Licenciatura), oficialmente regulamentado em 1934. Entretanto, há registros que mostram a existência de cursos de formação de professores de Matemática antes desta data, como afirma Gomes (2016):

Embora saibamos que houve ensino de Matemática desde muito antes, na Colônia, no Império e nas primeiras décadas da República, tendo existido, portanto, professores responsáveis por esse ensino em diversos níveis, o primeiro curso de Matemática estabelecido entre nós foi o da Universidade de São Paulo (USP), no ano de 1934. (GOMES, 2016, p. 425-426)

Este curso tornou-se referência para a implementação de vários outros cursos no país, de forma que as disciplinas ministradas nesta instituição de ensino foram tomadas como referência para a criação das matrizes curriculares dos novos cursos. Conforme registra Gomes (2016, p. 432), “[...] a proposta da FNFi [Faculdade Nacional de Filosofia], praticamente a mesma da USP, orientou a implementação de cursos de Matemática, a partir de 1939, em diversas cidades, em instituições públicas e privadas”. Por isso, e por ter sido a universidade a receber professores do grupo dos Bourbaki que priorizavam a álgebra, pressupõe-se que o primeiro curso de Álgebra Linear no país tenha surgido lá. Segundo Pires (2006), oficialmente, a disciplina foi implantada no curso de Matemática da referida universidade no ano de 1968. Entretanto, desde 1953 (ano a partir do qual a autora teve acesso aos documentos que fundamentaram sua tese), os conteúdos que hoje temos estruturados na disciplina de Álgebra Linear já eram trabalhados em uma disciplina denominada Complementos de Geometria, que pertencia ao 2º ano do curso de Matemática (Licenciatura ou Bacharelado).

Nesta cadeira, no 2º ano, em Complementos de Geometria, pode-se dizer, embora não esteja explicitado no programa, tratar-se de Álgebra Linear. São contemplados no conteúdo programático: espaço vetorial, transformações lineares sobre um espaço vetorial, matrizes, determinantes, espaço vetorial normado, álgebra de Grassmann e suas aplicações ao estudo dos subespaços de um espaço vetorial, entre outros. (PIRES, 2006, p. 340)

Quanto aos livros didáticos, o primeiro autor que procurou estruturar conteúdos para Álgebra Linear em um livro foi B. L. van der Waerden em seu Moderne Algebra publicado em 1930. Katz (1995) relata que van der Waerden

[...] dedicou um capítulo inteiro à chamada “álgebra linear”, uma área que [...] vinha emergindo em diversos contextos dentro da literatura matemática ao longo da segunda metade do século XIX, mas que recebeu seu primeiro tratamento unificado e axiomático em Moderne Algebra como o estudo de módulos sobre um anel em conjunto com seus homomorfismos (isto é, transformações lineares). (KATZ 1995, p. 372-373, grifos do autor, tradução nossa)

Mais tarde, em 1941, Garret Birkhoff e Saunders MacLane publicaram seu Survey of Modern Algebra e, em 1942, surgiu o Finite-Dimensional Spaces de Paulo R. Halmos. Estes foram os primeiros livros a apresentar as teorias algébricas para alunos de graduação. Em 1947, o grupo francês Nicolas Bourbaki publicou o segundo capítulo do Livro II de seu Eléments de mathématique, cujo título é Algèbre linéaire. Estes três últimos livros tiveram, por muito tempo, uma grande influência sobre a teoria axiomática de espaços vetoriais e toda a teoria advinda dessa axiomatização que se enquadrava nos conceitos de linearidade da Álgebra, sendo úteis tanto para o ensino quanto para o desenvolvimento da própria Matemática. Após estes, e com a estruturação da Álgebra Linear enquanto disciplina, outros livros surgiram, já específicos para esta disciplina, como o Linear Algebra de Kenneth Hoffman e Ray Alden Kunze em 1961.

Na atualidade, a Álgebra Linear é uma disciplina básica não apenas para a Matemática, como também para grande parte dos cursos das grandes áreas de Ciências Exatas e da Terra e Engenharias, sendo os conceitos estudados nesta disciplina necessários para o desenvolvimento de outros conceitos relacionados às áreas específicas de cada curso. Visto que o objetivo geral do ensino da Álgebra Linear é a apropriação do conhecimento algébrico como elemento que potencializa a formação matemática dos estudantes, necessário se faz que o ensino desta disciplina contemple os nexos conceituais e a essência do conhecimento algébrico, o que requer um modo de organização do ensino que possibilite a apropriação desta forma de conhecimento, a formação e o desenvolvimento do pensamento teórico dos estudantes (DAVYDOV, 1988).