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1 O LÓGICO-HISTÓRICO DO CONCEITO DE TRANSFORMAÇÃO LINEAR

1.3 Os conceitos da Álgebra Linear na perspectiva lógico-histórica

1.3.3 Os conceitos de espaço vetorial e transformação linear

1.3.3.1 Hermann Günther Grassmann, o “criador” da Álgebra Linear

Os matemáticos da primeira metade do século XIX continuavam suas pesquisas com o intuito de estabelecer conjuntos de vetores com mais de duas dimensões e alavancar as pesquisas emergentes. A Revolução Industrial, com inserção das máquinas nas indústrias, exigia novas tecnologias que, sem o avanço científico da Matemática, em específico da Álgebra, eram impossíveis de serem concretizadas.

Um pouco alheio a todo o universo matemático das grandes universidades onde era produzido todo o saber científico que ganhava notoriedade na época, o alemão Hermann Günther Grassmann (1809 – 1877), teólogo, matemático autodidata e professor de uma escola secundária, lançou em 1844 um livro (GRASSMANN, H., 1878) intitulado Die lineale Ausdehnungslehre, ein neuer Zweig der Mathematik (A teoria da extensão linear, um novo ramo da matemática). Entretanto, o reconhecimento de seu trabalho não veio e sua obra foi completamente ignorada por seus contemporâneos.

Grassmann viveu em uma época em que a Alemanha ainda não existia enquanto país, pois seus Estados6 ainda não estavam unificados. O que existia era a Confederação Germânica formada por 39 Estados independentes entre si, tendo o Império Austríaco e o Reino da Prússia como seus maiores e mais importantes membros. Stettin, a cidade natal de Grassmann, localizava-se no Estado da Prússia e, hoje, ela localiza-se na Polônia. Nos séculos XVIII e XIX houve várias revoluções em todo o mundo em função da disseminação dos ideais iluministas, um reflexo da revolução industrial, na qual os iluministas defendiam a democracia, o liberalismo econômico e o racionalismo, rompendo com o absolutismo monárquico e com a força que a Igreja exercia sobre a população.

Dentre essas revoluções estão: a Revolução Americana de 1776, a Revolução Francesa de 1789, a Revolução do Porto (Portugal) em 1820 e a Inconfidência Mineira (Brasil) em 1889. Na Alemanha, várias guerras ocorreram influenciadas por esse movimento e com o intuito de unificar os Estados alemães, fato que ocorreu em 1871. Dentre essas guerras, têm-se as Revoluções de 1848 dos Estados Alemães, também conhecida por Revolução de Março, que visava unificar os Estados alemães e dar liberdade à população. Neste ano, Grassmann, em devoção fiel à casa real, reivindicou sua atividade no campo político, levantando-se contra a luta revolucionária de Berlim, onde, juntamente com seu irmão Robert, fundou um jornal no qual eram discutidas questões polêmicas como as recém-estabelecidas Constituições do Império Romano, do Estado Prussiano e da Igreja da Prússia (GRASSMANN, J., 2011).

Durante este período de revoluções, as ideias comunistas de Marx e Engels tomam força na Alemanha, reunindo os trabalhadores em prol das defesas de seus direitos e da constituição dos proletariados enquanto classe social. Em 1848, Marx e Engels lançam o Manifesto do Partido Comunista, um dos tratados políticos de maior repercussão mundial, que visava instruir os operários e comunistas em como proceder diante da revolução que aproximava, a saber, a revolução em prol da unificação alemã.

Mesmo em meio a esse cenário de guerras e revoluções, lutando por seus ideais políticos, Grassmann não desistiu da sua Teoria das Extensões e estava convencido de que ela era importante e que seu fracasso deveria ser atribuído à sua forma de apresentação, que constava de uma linguagem não convencional para a área, pois era muito filosófica e pouco matemática. Ele, então, resolveu reeditar todo seu trabalho dando um aspecto mais matemático

6 Entenda Estado conforme a definição do Dicionário Michaelis, como sendo uma “nação politicamente organizada

por leis próprias”, um “conjunto das estruturas institucionais que asseguram a ordem e o controle de uma nação”, um “regime político” e “cada um dos territórios de certos países”. Assim, os impérios, reinos, principados e ducados que juntos formavam a Confederação Germânica são considerados Estados, conforme esta definição.

ao texto e incorporar algumas ideias que não foram publicadas na primeira versão (GRASSMANN, J., 2011).

Lançou-se, em 1862, a segunda versão (GRASSMANN, H., 1862) da Teoria da Extensão (Die Ausdehnungslehre), a qual conta com uma escrita menos filosófica e com linguagem mais aceita pelos matemáticos de toda a teoria da versão de 1844 acrescida de uma seção denominada Funktionenlehre (Teoria de Funções), que, segundo Liesen (2011) é o acréscimo mais notável feito por Grassmann e que cobre aproximadamente 400 páginas do seu novo trabalho. Porém, mais uma vez, seu trabalho não teve o reconhecimento que tanto esperava. Com o desaparecimento do fundo filosófico que rompeu com o obstáculo inicial e superficial para a leitura de sua obra, surgiu a grande dificuldade de compreender e aceitar o conteúdo matemático exposto por Grassmann. Além disso, a obra não permitia uma leitura parcial da teoria, sendo necessário lê-la desde a primeira página a fim de compreender o significado de qualquer conceito (DORIER, 1995).

Com tantos fracassos com suas publicações, seu sonho de ter uma carreira acadêmica se desmoronou e Grassmann interrompeu seu trabalho com a Matemática, passando a se dedicar à música e à linguística, trabalhando com o sânscrito, o grego, o lituano etc. Após um lapso de dez anos, em 1872, ele retomou seus trabalhos com a Matemática ao saber que havia matemáticos estudando e aplicando suas obras a novas teorias e, há apenas dois dias antes de sua morte, em 1877, Grassmann recebeu a notícia de que sua teoria passaria a ser divulgada por meio de palestras proferidas por um professor em Dresden (GRASSMANN, J., 2011).

Apesar de todo esse insucesso, a teoria de Grassmann continha as bases de uma teoria que estava prestes a emergir no cenário algébrico, tais como, espaço vetorial, dependência linear, base, dimensão, transformação linear, autovalor, autovetor, diagonalização e produto interno, dentre outros. Devido a isso, Grassmann é considerado por muitos o “criador da Álgebra Linear”.

Vale ressaltar que, segundo J. Grassmann (2011), durante sua formação acadêmica em Berlin, em teologia, Grassmann somente teve contato com filósofos e teólogos influenciados pela reforma protestante, podendo ter sido influenciado diretamente por Schleiermacher, pois em muitos de seus trabalhos não publicados foram encontrados trechos de obras deste professor. J. Grassmann (2011) diz ainda que Grassmann não ouviu nenhuma palestra matemática, nem mesmo durante seu curso de graduação, e que o contato dele com esta ciência se deu por meio das obras de seu pai, Justus Günther Grassmann, que era professor de Matemática e Física em uma escola secundária de Stettin, a mesma onde Grassmann tornou-se professor. Segundo Whitehead (1898), acredita-se que Grassmann, ao escrever a segunda versão de sua Teoria da

Extensão, não tinha conhecimento nem mesmo do clássico livro de memórias sobre matrizes de Cayley que havia sido publicado em 1858. Para Dorier (1995), Grassmann fez sua teoria independente do resto da Matemática, baseando-se apenas nas regras elementares de raciocínio matemático.