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3 Pontos Críticos com lixo no bairro

2.1 LIMPEZA URBANA: O LIXO NA HISTÓRIA

2.1.1 Da Pré-história à Contemporaneidade

No início dos tempos, a partir do surgimento do homem na terra, ainda como um ser nômade, ele se vestia com couro de animais, sobrevivia da caça e da pesca e se fixava a terra até o momento que esta provia suas necessidades alimentares. Quando o local escolhido não supria mais suas demandas, ele buscava outro, deixando para trás seus dejetos que mesmo não passando de restos de comida e matéria orgânica, era lixo. Embora alguns destes materiais fossem naturalmente absorvidos pelo ambiente, observando o tempo de decomposição de cada um, é possível saber que aquele espaço fora anteriormente ocupado (VAN LOON, 2004; EIGENHEER, 2009).

Plantar os alimentos e assim, dominar a natureza foi o primeiro passo para o homem se fixar a terra. Em consequência, veio a domesticação de animais outra etapa do processo de sedentarização em que as comunidades que ali se formavam não precisavam buscar mais a carne, o leite e o couro em caçadas já que a criação de animais como o boi, cabras, carneiros, cavalos supria tais necessidades. A confecção de utensílios domésticos e a construção de moradias foram etapas fundamentais, já que correspondiam a demandas do próprio desenvolvimento. Toda essa organização trouxe consigo o aumento da produção do lixo. E, desta vez, sem esperar a absorção natural do ambiente. Já que os restos eram depositados sempre no local que era produzido, não tardaria o espaço usado para o destino final não suportar as descargas diárias.

Na antiguidade, as cidades como Ur, Atenas, Tebas e Roma alcançaram tamanho expressivo e necessitaram desenvolver técnicas para cuidar do lixo e dejetos. Roma

criou um sistema de limpeza urbana e suas ruas, estradas possuíam infraestrutura suficiente para o desenvolvimento de tal atividade, por exemplo, as fezes eram usadas como adubo, mas isto não quer dizer que tudo lá estava perfeito e correto. A noite era usada como disfarce para que as ruas fossem ocupadas por fezes, lixo e entulho. Mesmo sendo pioneira em ter leis que regulamentavam os cuidados com ruas, estradas e calçadas, e facilitar a limpeza urbana, Roma estava evoluindo, mas a falta de fiscalização ao cumprimento das leis era um complicador (EIGENHEER, 2009).

Ainda na Idade Antiga, os Sumérios (4.000 – 1950 a.C.), desenvolveram cidades complexas e organizaram um sistema de abastecimento e desabastecimento. Naquela civilização eram os sacerdotes os responsáveis por tomar conta da limpeza urbana. O episódio dos sumérios retrata a única ocasião na história em que o lixo fora cuidado por pessoas de alto nível hierárquico. Já na civilização egípcia ocorria o oposto, a coleta das águas servidas era mantida pelos prisioneiros. E como o lixo era essencialmente orgânico, os restos eram usados como alimento para os animais.

A civilização que deu origem aos cristãos de hoje fora representada pelos Israelitas que tem em Abraão5, a origem de seu povo. Estes povos apesar de nômades se preocupavam com o destino do lixo e em manter os acampamentos em que viviam sempre limpos. Há passagens na Bíblia que ratificam tal cenário. No livro de Deuteronômio, capítulo 23 nos versículos 13 e14 (Bíblia Sagrada, 2006), pode-se encontrar a relação entre os acampamentos e a limpeza:

Entre as tuas armas terás uma pá; e será que, quando estiveres assentado, fora, então com ela cavarás e, virando-te, cobrirás o que

defecaste. Porquanto o SENHOR teu Deus anda no meio de teu arraial,

para te livrar, e entregar a ti os teus inimigos; pelo que o teu arraial será santo, para que Ele não veja coisa feia em ti, e se aparte de ti (grifo nosso).

      

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Segundo Gênesis, Abraão nasceu em Ur, cidade caldéia da Mesopotâmia, e recebeu do Senhor a ordem de abandonar seu povo e se estabelecer na terra de Canaã (terra prometida). Isso teria ocorrido por volta de 2000 a.C. e seus descendentes teriam se multiplicado e formado o povo israelita. O mito explicativo da origem de um povo, a partir de um ancestral comum, é bastante desenvolvido em sociedades primitivas nômades e pastoris, como a dos primitivos hebreus. Disponível em:< http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/civilizacao-hebraica/civilizacao-hebraica- 3.php> Acesso em: 06dez11.

Para estes povos era comum a prática de sacrifícios e para isso existiam locais reservados ao despejo dos resíduos. Observando a seguinte citação bíblica, no capítulo 4 nos versículos 11 e 12 do livro de Levítico (Bíblia Sagrada, 2006b) tem-se:

Mas o couro do novilho, e toda a sua carne, com a sua cabeça e as suas pernas, e as suas entranhas, e o seu esterco, Enfim, o novilho todo levará fora do arraial a um lugar limpo, onde se

lança a cinza, e o queimará com fogo sobre a lenha; onde se lança a cinza

se queimará (grifo nosso).

Pode-se vê que além de destinar os resíduos das práticas sanitárias, eles precisavam ser eliminados distante dos acampamentos. É possível caracterizar as atividades relacionadas ao destino final dos resíduos do sacrifício como uma rudimentar incineração. Eigenheer (2009, p. 29) destaca que na Velha Jerusalém o rei Josias condenou como impuro um lugar usado para culto a outro deus e transformou essa área em local para queimar lixo e deixar cadáveres.

É relevante saber ainda que evitar o desperdício e praticar o reaproveitamento fez parte das práticas cotidianas destes povos e também aparecem registrados em citações bíblicas, mostrando que já havia uma preocupação bastante antiga em não jogar fora aquilo que pode ser reutilizado. A passagem existente no Novo Testamento, evangelho de João em seu capítulo 6, verso 12, confirma o quão antiga é esta prática: “E, quando estavam saciados, disse aos seus discípulos: Recolhei os pedaços que sobejaram, para que nada se perca” (Bíblia Sagrada, 2006a) - (grifo nosso).

Mesmo que o pioneirismo do reaproveitamento seja creditado à civilização Hebraica6 esta técnica, principalmente em relação aos excrementos se intensificou em Roma. Em Eigenheer (2009, p. 54), é possível encontrar relatos de que nesta época se usava as fezes como adubo e a urina para curtir o couro. As lavanderias deixavam vasos na rua para recolher a urina e existiam pessoas que por dinheiro faziam limpeza nos banheiros e depois comercializavam aquilo que retiravam.

      

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Os povos israelitas, também chamados de civilização israelita, são também denominados de civilização hebraica.

Muitas contribuições dadas pelas civilizações da Idade Antiga foram de grande valia. Ambas possuíam estrutura desenvolvida para o trato com os dejetos e a organização da limpeza urbana. Roma foi brevemente citada anteriormente, mas não foi apenas isso que deixou de herança. Junto aos gregos, os romanos deram muitos exemplos positivos e até negativos, servindo como modelo.

Os gregos por volta de 320 a. C., na cidade de Atenas, contavam com deliberações jurídicas a respeito da limpeza urbana, além de possuir uma espécie de polícia de rua que cuidava das normas e alinhamento de construções, abastecimento da água e da limpeza urbana. O problema da limpeza urbana da época estava nos guardas de rua que tinham subordinados que se encarregavam da limpeza das ruas e dos excrementos, mas apenas nas vias principais, deixando as restantes sem cuidado e sujas (EIGENHEER, 2009). Já os romanos desenvolveram ruas infraestruturadas que facilitavam o trabalho da limpeza urbana, a adversidade encontrada é que durante a noite as ruas não eram tão iluminadas, permitindo o agir daqueles que enfeavam a cidade com fezes, lixo e entulho.

É curioso saber que pode ser possível estabelecer alguma relação entre lixo, destinação de cadáveres e dejetos, observando-se como eram tratados os mortos na Roma Antiga. A palavra lix vem do latim, que significa cinzas e, se esta relação realmente existir, não apenas um apanhado de coincidências será possível desvendar o porquê do tratamento que as pessoas dão ao lixo e dele ser tão repulsivo (EIGENHEER, 2009).

Geralmente, se tem medo da morte e, os cadáveres são a representação iconográfica do que é tão temido e evitado. Naquela época os mais diversos crimes hediondos eram punidos com sentença de morte e era comum na Antiguidade Clássica, os mortos serem queimados. Tratamento este que também era dado ao lixo, pois era incinerado. Desta prática sobravam cinzas, muitas vezes dispersadas para fora do limite da cidade em uma parte isolada, que assim como o lixo, era colocado de forma a não incomodar mais aos que haviam produzido.

A queda do Império Romano levou consigo as conquistas relativas às questões sanitárias, que só se restabeleceram com o reinado de Frederico II (1212 – 1250)

que não somente retomaram os cuidados com a limpeza e saúde pública, como também estabeleceram leis para a destinação dos resíduos sólidos e o abastecimento de água. Na Idade Média, com a vida no campo o lixo e os dejetos não eram algo a se preocupar até por que os camponeses passavam pouco tempo em casa produzindo lixo, pois o dia todo era reservado a tomar conta das terras de seu senhor. Naquele momento só os conventos conservavam as práticas sanitárias adequadas. Já os burgueses limitavam a eliminação de suas águas servidas pelas janelas ou muros (EIGENHEER, 2009).

Segundo Mumford (1982, p. 314), mesmo com as rudes condições sanitárias apresentadas na idade média, a antiga aldeia ou pequena cidade medieval gozava de condições mais sadias dentro e fora da casa do que sua sucessora mais próspera do século XVI. A situação com o lixo deveria levar em consideração o tamanho das cidades na Baixa Idade Média e, a situação destas cidades fora melhor que no final do século. As casas dessa época, de boa parte da população possuíam áreas que podiam destinar suas águas servidas e o lixo, pois havia bastante espaço livre, quintais onde se podiam cultivar pomares e que acabavam se tornando propriedades rurais dentro da cidade. A parte orgânica era quase totalmente reservada à produção de esterco.

Por mais que a cidade medieval, com toda a sujeira que apresentava fosse fétida e de salubridade rude, não significava que esta era totalmente insalubre e nada chegaria perto das mais requintadas cidades do século XIX, que possuíam privadas em todas as moradias de classe média e mesmo assim recebiam água para suprir suas necessidades da mesma fonte que o esgoto da cidade era vazado. Desta forma em 1388, o parlamento inglês aprovou uma lei que proibia o lançamento de imundícies e lixo em valas, rios e águas (MUMFORD, 1982).

Mas, foi no final da Idade Média que houve mudanças nos regulamentos sanitários. Como nesta época se iniciaram a instalação das moradias tipo apartamento as pessoas que ficavam nos pavimentos superiores, se intimidavam com a distância até o térreo e se tornaram ainda mais descuidadas e imundas para esvaziar seus vasos noturnos. Quanto aos resíduos, àqueles que não poderiam ser reaproveitados, quer dizer, não eram comidos pelos animais, constituíam-se da seguinte forma:

Os restos não aproveitáveis eram, sem dúvida, de deposição mais difícil: cinzas, restos dos curtumes, grandes ossos; mas, certamente, existiam em menor quantidade do que na cidade moderna, pois latas vazias, ferro velho, cacos de vidro, papéis, eram escassos ou mesmo inexistentes. De modo geral, os detritos medievais constituíam matéria orgânica que se decompunha e misturava com a terra (MUMFORD, 1982, p. 319).

Um fator que contribuiu expressivamente com a implantação do serviço de limpeza urbana e recolhimento do lixo foi o calçamento de ruas, pois a partir dele que as carroças começaram a trafegar, ainda que apenas pelas ruas principais. Apesar de que durante muito tempo a limpeza das ruas foi uma preocupação de particulares, o sistema se estabeleceu. Por volta do final do século XIV, Paris adotou o serviço. Em seguida, cidades como Leiden (Holanda) – 1405 e Colônia (1448), já no século XV (EIGENHEER, 2009).

A partir de 1560, Bruxelas (Bélgica) começou a coletar e compostar o próprio lixo. Viena, em 1656 passou a usar carroças, já que muitas ruas haviam sido pavimentadas. A partir de 1666, Londres passou a ter um sistema organizado de limpeza das ruas. Na Alemanha, Stettin, exigia que cada cidadão tivesse um tonel para armazenar o lixo e para o recolhimento se cobrava uma taxa. Na história têm- se registros de que a primeira vez em que foram usados depósitos para o lixo foi na cidade de Lubeck (Alemanha), no início do século XIV (EIGENHEER, 2009). Segundo Mumford (1982, p. 337), a limpeza das ruas continuou sendo durante muito tempo uma preocupação de particulares e esta prática perdurou até depois do século XIX.

Era comum encontrar prisioneiros e prostitutas executando este tipo de serviço. De acordo com o Hösel apud Eigenheer (2009, p. 65), em 1624, Berlim também adotou o uso de prostitutas na realização de serviços de limpeza urbana, no entanto a justificativa para isto se deu ao fato de que elas utilizavam mais as ruas do que os outros cidadãos. É importante saber que o emprego de ladrões e prostitutas naquela época leva a crer que esta pode ser a origem da desqualificação dada aos profissionais que trabalham com o lixo nos dias de hoje.

Com o advento da Revolução Industrial as ações relacionadas à limpeza urbana estavam muito mais ligadas à diminuição dos problemas de saúde do que a estética

local. Fatos como a proliferação de doenças e a contaminação das águas nos bairros operários eram corriqueiros. Nesta mesma época surge a Teoria Microbiana das Doenças7 e, é neste momento que se estabelece a necessidade de separar o lixo dos esgotos, consequentemente diminuir a poluição das águas. Até o fim da Revolução Industrial, década de 50 do século XX, as atenções que estavam voltadas para os cuidados com o lixo se transformaram na preocupação exacerbada no tratamento da água e do esgoto, que para o momento atraiam e disseminavam mais doenças (EIGENHEER, 2009).

Em relação às formas de destino final, a incineração foi uma técnica bastante utilizada. Cronologicamente os dados apontam que em Londres por volta de 1875, foi construído o primeiro incinerador a trabalhar o lixo pela Firma Foyer. Nos anos de 1895 e 1898, as cidades de Bucareste e Munique, respectivamente se utilizavam do reaproveitamento do lixo através dos catadores. Após 25 anos da construção do primeiro incinerador, a Inglaterra já contava com o número total de 121 destes equipamentos. Entretanto, mesmo contando com tantos aparelhos para a destinação do lixo e buscando-se destinar de forma adequada o lixo, até a segunda metade do século XX, as condições de destino final ainda continuavam precárias, foi então que surgiram na mesma época os primeiros aterros sanitários, na verdade não eram aterros propriamente ditos, pois utilizavam técnicas rudimentares que se assemelhavam aos lixões da atualidade (EIGENHEER, 2009).

Para entender com clareza o que ocorreu na Europa no final do século XIX e no século XX, é importante observar como se deu a organização do sistema de limpeza urbana na Alemanha. O país apresentou soluções inovadoras antes e após a Segunda Guerra Mundial, é um exemplo de ordem urbana e limpeza para outros países desenvolvidos e ainda encontra-se à frente em relação à gestão dos resíduos sólidos e por sua competência influenciou o modelo de limpeza urbana adotado pela União Européia (EIGENHEER, 2009).

      

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A teoria microbiana das doenças desenvolveu-se a partir da segunda metade do século XIX. Esta criada pelo médico veterinário Pierre Victor Galtier e pelo pesquisador Louis Pasteur, através das pesquisas sobre a raiva, descobriram que esta era causada por microorganismos. Mostrando que algumas doenças poderiam ser causadas por micróbios. In: RODRIGUES, Sabrina Páscoli. As

contribuições de Galtier e Pasteur para a Teoria Microbiana das Doenças. Artigo Científico,

2011. Disponível em: <http://www.esocite.org.br/eventos/tecsoc2011/cd- anais/arquivos/pdfs/artigos/gt002-ascontribuicoes.pdf >. Acesso em: 22dez2011.

A Alemanha apresenta características que contribuem para as mudanças que ocorreram no trato dos resíduos sólidos na Europa e serve de exemplo para o mundo. Tradicionalmente, o país cobrou taxas para a realização dos serviços de limpeza municipais e utilizou recipientes padronizados para acondicionamento do lixo. Esta padronização dos recipientes foi acompanhada da busca por melhor qualidade no serviço e facilidade para os trabalhadores. No entanto, mesmo com essa atenção dada aos resíduos urbanos, os industriais não recebiam a mesma atenção. E ainda na década de 60 deste mesmo século não havia uma classificação dos resíduos e estes eram destinados sem prévia separação (EIGENHEER, 2009).

Em 1972, os aterros sanitários foram regulamentados na Alemanha. Como isso, a destinação correta do lixo recebeu mais atenção. Os cuidados não se restringiam apenas ao armazenamento, coleta e destinação final, mas havia uma preocupação com a diminuição na geração que também fora considerada. E, atitudes como estas fizeram do país o melhor na gestão dos resíduos. Por fim, já no início da década de 90 do século XX, foram estabelecidos diferentes tipos de aterro, especificando os materiais a serem destinados e estabeleceu-se um sistema de reaproveitamento dos resíduos sólidos.

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