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Freud (1937) afirma que ao lado da psicanálise e da política, a educação seria um ofício impossível, visto que sempre há limites colocados ao que se pretende fazer. Há, nesse sentido, um hiato significativo produzido entre a tentativa de transmissão de saber por parte dos educadores e a impossibilidade de apreensão deste do lado dos alunos. Esse paradoxo presente no contexto de ensino acaba por atravessar o fazer dos profissionais, em que apesar do empenho dos mesmos, da família e às vezes da comunidade, não há um reconhecimento por parte daqueles que seriam beneficiados diretamente por essas ações, ou seja, a transmissão de saber fica em falta por nunca conseguir se efetivar completamente. Nesse sentido, os métodos educativos compõem ao lado da formação do psicanalista, uma prática no qual o que se transmite, em última instância, é justamente a falha para além do saber.

Quando esse caráter impossível do ato de educar não é identificado, esse fazer acaba por levar os profissionais a vivê-lo

como impotência, colhendo os frutos desse descompasso. Desse modo, se o fracasso é experimentado como uma impotência e não como uma impossibilidade, o “desejo de viver” assinalado por Freud (1937) no que tange à escola e os educadores diante das suas insuficiências, torna-se difícil de aplicar.

Pereira (2013) aponta que o professor vive sua angústia de estar diante da incerteza do seu ato, das suas ambivalências, pulsões, manifestação da sua sexualidade e da dos outros, da irrupção da violência, etc., sob o prisma da impotência. Entretanto, o autor coloca que um salto fundamental que precisa ser considerado entre a ideia de impossibilidade dissertada por Freud (1937), que se refere ao necessário, ao impossível, ao possível e ao contingente; e a noção de impotência, introduzida pela lógica de Lacan (1969-1970) para se opor, e com isso destacar, a ideia anterior.

A insuficiência, a incerteza, o insucesso podem ser traduzidos, por um lado, ela impossibilidade, segundo a qual o discurso dependeria daquilo que lhe é imprevisível ou contingente, porém, por outro lado, podem ser traduzidos pela impotência, já que a verdade que o discurso enuncia é contradita ou contestada por seu efeito. É essa contestação que parece ser a mola-mestra da sensação de impotência do professor mediante seus vieses ou, dito de outra forma, a mola-mestra de um sentimento de insuficiência diante do qual não há mesmo (em seu discurso) condição de se fazer nada (PEREIRA, 2013, p. 487).

Diante dessa aproximação possível entre psicanálise e educação, cabe maturar o quê no ato de educar pode avançar enquanto um fazer que se vale justamente daquilo que escapa às tentativas e esforços dos profissionais. Isto é, a psicanálise pode oferecer subsídios que permitam pensar em um fazer que se efetiva por aquilo que falta. Há, portanto, a possibilidade de olhar para a insuficiência decantada da prática educativa como mote para o processo de educação.

Sobre a psicanálise embebida na educação, Jerusalinsky (2005) observa que os atuais educadores, ainda que possam

discurso, abrem caminho para que o sujeito do inconsciente possa manifestar seu saber, sem tropeçar em profissionais que restrinjam suas práticas a épocas positivistas. Assim sendo, o que o autor sublinha é a abertura do campo da educação em que o saber inconsciente, proposto pela psicanálise, ocupe lugar de importância em detrimento da exclusividade do saber teórico.

Cabe retomar que com base na noção freudiana de inconsciente que se refere a fenômenos limítrofes como sonhos, os chistes, os atos falhos, os lapsos de linguagem e esquecimento de nomes, os sintomas neuróticos e etc., Lacan (1972-1973) propõe o inconsciente como um saber. Nesse sentido, o discurso psicanalítico renovou a questão do saber colocada por Descartes, pois “a análise veio nos anunciar que há saber que não se sabe, um saber que se baseia no significante como tal” (p. 129). Ou seja, que o saber para psicanálise reporta para o saber inconsciente, no qual o sujeito sabe, embora não saiba que sabe; construção essa possível frente ao processo de análise.

Dito isso, os educadores podem valer-se desse aporte psicanalítico partindo do pressuposto de que para além do conhecimento teórico, há questões do sujeito que entram em cena no processo de ensino. Logo, os equívocos produzidos pelos alunos, podem ser lidos não mais como falhas na aprendizagem, mas de acordo com “o valor de reveladores de um sujeito de saber que não se sabe a si mesmo, mas que se torna legível nestes impasses do inconsciente na linguagem.” (JERUSALINSKY, 1995, p. 9, 10).

Somando-se a isso, Kupfer (1995) assinala que quando o educador abandona o exclusivismo das técnicas de adestramento e adaptação e renuncia aos métodos de ensino fechados, absolutos e inquestionáveis; seu ato passa a incidir sobre o sujeito. Coloca, assim, os objetos do mundo a serviço desse aluno-sujeito que anseia por fazer-se dizer, por representar-se naqueles objetos da cultura, escolhendo-os de acordo com

aqueles que o representam. Desse modo, a aprendizagem se estende a questões inerentes ao sujeito, fazendo recair o acento sobre ele e não sobre o conteúdo a ser transmitido.

Sobre esse aspecto da transmissão, Stolzmann e Rickes (1995) questionam o que afinal se transmite quando se fala em educação e se é possível falar em transmissão diante do par ensinante/aprendente. Assim sendo, as autoras também reportam ao engodo presente na prática educativa, onde esses dois polos são vistos em termos de uma continuidade, como se aquilo que acontece para um, tivesse repercussões diretas no outro, isto é, que o fato de que o educador queira ensinar, garanta o aprendizado no outro. Frente a isso, as autoras propõem que a psicanálise pode oferecer, a exemplo do que Freud (1933) propôs, não somente um campo de conhecimento, mas uma experiência aos educadores que aponta para o que está em causa no sujeito-professor, isto é, uma questão concernente ao seu desejo.

Desse modo, uma vez que o campo da educação possa valer-se da psicanálise para deslocar-se de um fazer estritamente metodológico, mas que permita trazer à cena questões que remetam ao sujeito cabe pensar no papel que o professor ocupa frente ao ato de ensinar. Afinal de contas, que lugar é esse que o educador ocupa para além de um transmissor de conhecimento?

Freud (1914) destacou a importância do fenômeno da transferência como aspecto presente na relação professor/ aluno, de modo que possibilite novamente olhar para o contexto de ensino-aprendizagem de acordo com a contribuição psicanalítica. Para o autor, o que o aluno transfere ao professor são restos de uma relação primordial passada, experimentada na infância. Nesse sentido, a vivência em transferência sempre convida o sujeito a voltar ao ponto de origem, onde embora esse não se lembre desse vivido relacional primário, o expressa pela atuação em que uma série de experiências psíquicas são renovadas e endereçadas ao professor que passam a ser

nossos pais substitutos. Foi por isso que, embora ainda bastante jovens, impressionaram-nos como tão maduros e tão inatingivelmente adultos. Transferimos para eles o respeito e as expectativas ligadas ao pai onisciente de nossa infância e depois começamos a tratá-los como tratávamos nossos pais em casa. Confrontamo-los com a ambivalência que tínhamos adquirido em nossas próprias famílias, e, ajudados por ela, lutamos como tínhamos o hábito de lutar com nossos pais em carne e osso (FREUD, 1914, p.249).

Sobre a transferência no âmbito da educação, Kupfer (1989) aponta para o desejo de saber do aluno, ancorado no professor como resultado desse fenômeno. Para autora “transferir é então atribuir um sentido especial àquela figura determinada pelo desejo” (KUPFER, 1989, s.p.). Assim sendo, tanto o analista que vive os efeitos da transferência do seu analisante, o professor torna-se depositário de algo que pertence ao seu aluno. Há, portanto, um atravessamento do estilo do educador e da relação deste com o aluno no conteúdo ministrado, que podem gerar identificações variadas; tanto com o conteúdo em si, quanto pelo interesse no estudo, o que acaba por incidir sobre a formação do Eu.

A noção de transferência traz para cena a ideia de investimento por parte do aluno, ou seja, o professor foi investido pelo desejo desse e a partir disso, a palavra do educador ganhou poder e passou a ser escutada, uma vez que o desejo transfere sentido e poder à figura do professor (KUPFER, 1989). Logo, o aluno dirige-se ao professor de modo a atribuir-lhe um sentido conferido pelo desejo, o que coloca o professor como parte do cenário inconsciente. Disso resulta dizer que a fala do educador, assim como a do analista, colhida no campo da transferência, será escutada desde esse lugar em que essas figuras são colocadas, isto é, internas ao inconsciente.