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Os Primórdios de um Projeto de Gravação de Textos em Áudio para Cegos

O projeto de gravação de textos em áudio destinados a estudantes cegos ou com deficiência visual severa teve início com uma iniciativa singular de sala de aula com o professor Paulo de Tarso Andrade Aukar (um dos autores deste artigo). Tal iniciativa não foi mera casualidade, ainda que uma combinação de fatores fortuitos integre o evento.

Não se pode afirmar que a ação didática tenha sido mera casualidade porque ela se insere numa política ampla e já duradoura de inclusão de estudantes com disfunções que implicam recortes adaptativos do processo de educação. Assim, havendo um estudante cego na sala de aula – como foi o caso – o desenvolvimento de uma disciplina de graduação, por exemplo, não pode prosseguir sem que sejam criadas condições para que esse estudante possa participar das atividades

com tanta autonomia quanto o restante da turma. Nessa perspectiva, foram adotadas duas medidas complementares. Os textos que circulavam nas aulas passaram a ser gravados em arquivos digitais de áudio, no formato MP3, e disponibilizados ao estudante. Complementarmente, o professor adotou a estratégia de desenvolver a comunicação e a interação didática em braille, o que se consubstanciou em troca de textos e realização de um trabalho final com o uso dessa técnica de escrita. Deve ser notado que o professor teve que aprender, no percurso, elementos da escrita em braille suficientes para ler e escrever, o que foi feito autodidaticamente, com o apoio dos recursos da web.

Os fatores fortuitos que acabaram por se mostrar essenciais para a sistematização de um projeto de gravação de textos em áudio desprendido da particularidade das ações circunstanciais de uma sala de aula incluem, pelo menos, o conhecimento casual de um software de edição em áudio de manuseio suficientemente amigável para ser usado por não especialistas. Incluem também o fato dos acontecimentos terem transcorrido num curso de educação especial, onde a atenção – pelas características do curso – está permanentemente concentrada nos elementos constitutivos da educação inclusiva.

O software mencionado tem uma licença que o caracteriza como livre, podendo ser obtido e utilizado sem os limites impostos pelos softwares proprietários. Trata-se do Audacity, um editor de áudio que pode ser compilado em múltiplas plataformas. Dispensa mencionar que o Audacity deve ser utilizado no contexto de outros recursos técnicos como sistemas operacionais, gravadores de CD-ROM, recursos da web e pendrives – sem contar os próprios desktops e notebooks com hardware específico e adequado para gravação e audição.

Por fim, precisamos enfatizar que foi decisivo que tudo se processasse no quadro de um curso de licenciatura em educação especial. Podemos admitir que se os acontecimentos transcorressem em um outro curso, as ações de sala de aula

tivessem uma chance bem menor de se transformar em um projeto com características de ação afirmativa. Todavia, integra o foco do curso de educação especial concentrar-se em ações do tipo que ora estamos discutindo. Os detalhes certamente não serão lembrados, mas em um determinado ponto aquilo que foi pensado para um lugar e tempo singulares passou a ser discutido tendo em vista suas possibilidades de transformação em uma atividade que se desprendesse da sala de aula e se desenvolvesse por si mesma. Certamente os estudantes daquela turma, em especial a estudante cega, tiveram papel preponderante no amadurecimento da ideia – assim como na sua posterior realização.

Ao ser desencadeado o processo de discussões para a elaboração de um projeto de gravação de textos para cegos, em pouco tempo ficou visível que seria importante o apoio de um laboratório de informática para a realização de oficinas de familiarização com o software escolhido. Foi pronta e positiva a resposta e, inclusive, a participação direta do diretor do Laboratório de Informática do Centro de Educação – LINCE (Everton Weber Bocca - também autor deste artigo).

Do mesmo modo, concluiu-se que seria imprescindível o apoio de um docente da área da educação especial capaz de gerir e transpor a iniciativa para um plano mais geral e diversificado. Isso também ficou assegurado com a adesão imediata e entusiasmada da Professora Elisane Maria Rampelotto (coordena o projeto de extensão na UFSM e integra a autoria deste artigo).

Os sujeitos participantes do projeto contemplam os três segmentos da comunidade universitária da UFSM, ou seja, os acadêmicos, técnico-administrativos e professores. É oportuno mencionar que o projeto conta com acadêmicos (do Curso de Educação Especial da UFSM), interessados em realizar as leituras e, são chamados de “ledores voluntários”. Com os componentes materiais e humanos adequadamente dispostos, a atividade de gravação de audiotextos começou.

Logo após as primeiras gravações, para melhor qualidade na execução do projeto, procuramos o apoio de um profissional que pudesse dar suporte aos ledores voluntários sobre considerações para gravação de textos. Também foi pronta e positiva a resposta e aceite da fonoaudióloga Marlei Terezinha Mainardi para auxiliar na tarefa de realizar oficinas mostrando aos ledores voluntários como fazer a leitura de textos com qualidade.

O projeto tem como objetivo implementar uma política de acessibilidade aos sujeitos com baixa visão e cegos à educação superior e Associação de Cegos de Santa Maria por meio da produção de audiotextos oferecendo apoio no uso de recursos tecnológicos, de informação e de comunicação, facilitando assim os materiais de ensino necessários para aprendizagem desses sujeitos.