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Da selecção da fonte documental à análise dos conteúdos mediáticos

4. CAPÍTULO – OS PERCURSOS DA INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA

4.2. Da selecção da fonte documental à análise dos conteúdos mediáticos

Em Outubro de 1993, o Ministério da Educação promulgou em Diário da República o Despacho Normativo nº 338/93, referente à aprovação do regime de avaliação dos alunos do ensino secundário, determinando como obrigatórios, a partir do ano lectivo de 1993-1994, a realização de provas globais para os alunos do 10º e 11º ano e exames nacionais para os alunos que frequentassem o 12º ano de escolaridade. Como esta directriz se destinava a ser aplicada progressivamente aos três anos de escolaridade em causa, somente no ano lectivo de 1995-1996 foram realizados pelos discentes do 12º ano de escolaridade os primeiros exames nacionais a que aquele Despacho Normativo se referia.

Desde então, as questões da avaliação da e nas escolas nacionais passaram a ser objecto de atenção em várias publicações da imprensa que se dedicam ao tema da educação. Entre as fontes documentais disponíveis para análise, um diário generalista “de referência” a nível nacional, contendo uma secção destinada exclusivamente à educação destacou-se entre as demais, tendo sido, por isso mesmo, o que seleccionámos: o jornal Público. Com efeito, foi este órgão de comunicação social, através dos editoriais redigidos pelo seu director ao longo dos anos 2000 e 2001, que assumiu a publicitação dos resultados dos exames nacionais de 12º ano como uma «causa pública» e divulgou, em Agosto de 2001, o primeiro ranking escolar português.

Seleccionada a principal fonte documental que iríamos estudar, importava definir o horizonte temporal delimitador do nosso corpus da análise. Uma vez que pretendíamos comparar o modo como os temas da avaliação e do ranking escolar tinha sido agendados, construídos e difundidos ao longo do tempo pelo jornal Público, relativamente às outras questões educativas ali abordadas, entendemos que deveríamos contemplar todos os anos em que os rankings de escolas tinham sido publicados por aquele diário até à data de início da nossa pesquisa empírica. Esta teve início em Maio de 2004. Como até essa data não tinha sido ainda publicado o ranking de escolas de 2004, excluímos esse ano da pesquisa, tendo apenas contemplado 2001, 2002 e 2003.

Com base nos vários objectivos que orientaram esta fase da investigação, procedemos à selecção das mensagens jornalísticas contidas nas 1095 edições diárias do Público, que constituíam o corpus inicial da análise. Refira-se, assim, que para além de procurarmos aferir qual a importância que foi atribuída às temáticas da avaliação no e do sistema de ensino e do ranking de escolas, no conjunto de todas as notícias divulgadas sobre educação, pretendíamos, também, analisar o modo como aquelas temáticas em particular tinham sido

destacadas em termos jornalísticos, averiguar em que moldes se havia produzido a reflexividade publicada a seu respeito e detectar quem nele participara através da escrita tornada publicamente visível pelo Público ao longo dos três anos em estudo.

A informação que pretendíamos obter encontrava-se reunida nos géneros jornalísticos («tipos de notícias») que passamos a enunciar: “primeiras páginas”, nomeadamente títulos principais, títulos laterais com texto de chamada e títulos laterais sem textos de chamada; secção do “Destaque”, já que é aí que se realçam os assuntos do dia agendados como os mais importantes -; notícias desenvolvidas e notícias breves da secção de educação; entrevistas (publicadas quer naquela secção, quer na secção do “Destaque”) e, por fim, artigos de carácter mais analítico, como é o caso dos editoriais, dos textos de opinião e das cartas endereçadas ao director cujo conteúdo versasse a educação.

Na Hemeroteca da Câmara Municipal de Lisboa procedemos à consulta das 1095 edições do Público, a fim de reunirmos o nosso corpus final de análise. Este acabou por ser constituído por 2838 «notícias», subdividas em 65 títulos principais; 109 títulos laterais com texto de chamada; 74 títulos laterais sem texto de chamada; 41 “Destaques”, 35 entrevistas, 1748 notícias desenvolvidas; 140 notícias breves; 37 editoriais; 297 textos de opinião e 292 cartas ao director subordinados ao tema educação, divulgados pelo Público durante os anos 2001, 2002 e 2003.

Para aferirmos a importância quantitativa e qualitativa que o jornal Público atribuiu às temáticas da avaliação e do ranking escolar comparativamente com os restantes temas sobre educação que divulgou ao longo dos três anos estudados, analisámos todos os géneros jornalísticos mencionados, tendo-os distinguido em função de duas categorias genéricas: “conteúdo respeitante a outros assuntos educativos” e “conteúdo alusivo à avaliação do e no sistema de ensino ou ao ranking escolar”. Dada a abrangência do tema “avaliação”, construímos vários tópicos de classificação dos conteúdos79 para procedermos a uma categorização mais objectiva de todos os artigos. Os que continham referências “à avaliação do e no ensino ou ao ranking escolar” foram devidamente assinalados e posteriormente

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“Títulos e artigos cujo conteúdo se refira ao papel das provas globais, das provas de aferição e dos exames nacionais”; “Títulos e artigos cujo conteúdo se refira às regras de avaliação e progressão na carreira docente”; “Títulos e artigos cujo conteúdo incida sobre os resultados obtidos pelos estudantes do ensino básico, secundário e superior”; “Títulos e artigos cujo conteúdo seja sobre estudos que avaliam o desempenho escolar dos estudantes portugueses”; “Títulos e artigos cujo conteúdo incida sobre a avaliação da eficiência e qualidade do sistema educativo português”; “Títulos e artigos cujo conteúdo se refira à qualificação do desempenho dos professores e respectivos estabelecimentos de ensino”; “Títulos e artigos que incidam sobre a avaliação científica e pedagógica dos manuais escolares”; “Títulos e artigos cujo conteúdo explicite regras de avaliação destinadas a alunos, professores e/ou estabelecimentos de ensino públicos ou privados dos vários graus de ensino”; “Títulos e artigos cujo conteúdo se refira à publicação dos rankings escolares”.

contabilizados. Os quadros 5.1, 5.7. e 5.9. que apresentamos no 5º Capítulo resumem, por anos, os dados obtidos80.

O conteúdo dos títulos principais, dos Destaques, dos editoriais e das entrevistas, bem como a especificação dos principais temas aí abordados foram ainda objecto de uma análise de carácter qualitativo igualmente apresentada no 5º Capítulo. É também nesse capítulo que demonstramos o modo como o Público tratou e divulgou, ao longo dos três anos examinados, a informação relativa aos rankings de escolas, identificando se esta foi sempre apresentada na secção do Destaque ou remetida para um suplemento especial.

O nosso segundo objectivo residia na identificação dos intervenientes que participaram no debate publicado sobre a educação em geral e o ranking escolar em particular – revelando os processos de confrontação pública e de reflexividade social que pretendemos testar neste trabalho – e na análise quantitativa do seu contributo para esse debate. Para atingirmos estes propósitos, centrámo-nos apenas na análise de conteúdo das cartas ao director e dos textos de opinião, divulgados ao longo dos três anos estudados.

Como esta análise se centrou apenas na reflexividade publicada, isto é, nas cartas e textos de opinião que o jornal Público seleccionou previamente para efeitos de divulgação, comporta alguns limites que passamos a salientar. Dado que não acedemos ao processo de seriação efectuado pelo jornal, não só desconhecemos os critérios que presidiram à escolha destes artigos, como também não temos conhecimento do número de cartas e textos sobre educação que poderão ter sido enviados para o Público e que não foram publicados. A nossa análise incide apenas em documentos que foram alvo de um processo de selecção e mediação no qual não interviemos. Por conseguinte, os seus resultados apenas respeitam aos conteúdos jornalísticos considerados pelo Público como passíveis de serem publicados.

No que se refere aos participantes no debate promovido através das cartas ao director, estes foram incluídos nas seguintes categorias: Professores do Ensino Básico; Professores do Ensino Secundário; Professores do Ensino Universitário; Pais; Alunos; Outros cidadãos; Sindicatos; Políticos do Governo e Oposição; Especialistas; Associações de Pais ou Associações de Alunos.

Os autores dos textos de opinião foram categorizados como Professores do Ensino Básico; Professores do Ensino Secundário; Professores do Ensino Universitário;

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Para conseguirmos obter os valores respeitantes a 2001, 2002 e 2003, foi necessário realizarmos para cada mês de cada um destes anos a análise descrita. No entanto, apresentamos apenas os quadros que sintetizam, por ano, toda a informação recolhida.

Especialistas; Colunistas habituais do jornal Público; Jornalistas/Directores do jornal Público; Sindicatos; Políticos do Governo e Oposição ou Outros.

Para identificarmos os autores das “cartas ao director” e dos textos de opinião socorremo-nos tanto da sua apresentação no próprio jornal (onde muitas vezes é referido explicitamente, para além do nome e localidade, a sua categoria socioprofissional) como da leitura dos seus artigos, retirando daí elementos para definirmos a sua condição social e/ou profissional. Com efeito, muitos leitores que endereçaram cartas ao Público, apesar de não se identificarem no final do artigo como professores ou pais, por exemplo, faziam-no através de afirmações como estas: “enquanto pai de uma aluna de uma escola secundária (...)” ou “sou professora do ensino secundário há mais de dez anos e (...)”. Todos os autores das cartas que não veicularam elementos para uma classificação mais completa foram enquadrados na categoria “outros cidadãos”.

Em poucas situações, nomeadamente nos textos de opinião, alguns autores apresentavam-se na dupla condição de professores e encarregados de educação ou dirigentes sindicais e professores. Nestes casos, optámos por ter apenas em consideração a primeira categoria assumida por estes actores sociais, pressupondo que seria esta a que eles privilegiariam para definir a sua identidade sócio-profissional. Os quadros 5.2, 5.4., 5.14, 5.15, 5.16 e 5.17, incluídos no 5º Capítulo, contêm esta informação quantificada.

Com o intuito de testarmos a hipótese de a reflexividade social publicada ser condicionada pela agenda mediática, estabelecemos como terceiro objectivo a identificação e quantificação das razões que motivaram os diferentes intervenientes a participar no debate publicado sobre a educação. Estes motivos foram previamente definidos nas seguintes categorias: “carta ou texto escrito na sequência de uma opinião/notícia/tema divulgado pelo Público”; “carta ou texto escrito na sequência de uma opinião/notícia/tema divulgados por outros media”; “carta ou texto escrito na sequência de medidas políticas definidas pelo Ministério da Educação/Governo” (apesar de esta razão depender directamente da agenda política, considerámos que integra, tal como as anteriores, a agenda mediática, pois é através dos media, nomeadamente do jornal Público, que as medidas são divulgadas e conhecidas); “carta ou texto escrito na sequência da agenda pessoal e/ou profissional”.

A apreciação das razões foi realizada a partir da leitura de cada carta e texto de opinião. À medida que analizavamos o seu conteúdo fomos detectando as expressões que indiciavam claramente o motivo subjacente à sua redacção. Os artigos que não continham referências explícitas a qualquer uma das razões correspondentes à influência da “agenda mediática” foram incluídos na categoria “carta ou texto escrito na sequência da agenda

pessoal e/ou profissional”. A quantificação desta análise encontra-se resumida nos quadros 5.6, 5.7, 5.10, 5.11, 5.12 e 5.13 apresentados no 5º Capítulo.

O quarto objectivo orientador da pesquisa empírica prendia-se com a análise do funcionamento dos circuitos da reflexividade social no interior do jornal Público. Tratava-se, por outras palavras, de compreendermos em que medida é que a própria agenda deste diário condicionava as reacções escritas dos leitores responsáveis pelas cartas e textos de opinião, estando agora apenas em causa o conjunto das cartas e textos escritos na “sequência de uma opinião/notícia/tema divulgado pelo Público”.

Cada uma dessas cartas e textos foram objecto de uma particular atenção no sentido de avaliarmos se tinham sido redigidos: “na sequência de um tema tratado em editoriais do Público”; “na sequência de um tema tratado em “destaques” do Público”; “na sequência de um tema tratado em artigos de opinião do Público”; “na sequência de um tema tratado em entrevistas do Público”; “na sequência de um tema tratado nas notícias do Público” ou “na sequência de um tema tratado nas cartas ao Director do Público”.

Todos estes artigos foram ainda classificados em função do seu assunto principal, tendo sido distinguidos os que incidiam sobre o ranking escolar dos que reflectiam a propósito de outras temáticas educativas. Nos quadros 5.3, 5.5., 5.8, 5.19, 5.20 e 5.21, incluídos no 5º Capítulo, é sistematizada a informação que foi trabalhada.

Com o intuito de identificarmos se o Público difundiu predominantemente uma reflexividade simbólico-ideológica ou uma reflexividade técnico-ideológica a propósito dos rankings escolares, analisámos ainda, qualitativamente, os argumentos invocados pelos diferentes intervenientes que participaram no debate divulgado por este diário, ao longo dos anos 2001, 2002 e 2003.

Este trabalho encontra-se patente ao longo do 5º e 6º Capítulo, à medida que apresentamos e comentamos os excertos dos diversos editoriais, artigos de opinião e cartas ao director que se posicionaram a favor ou contra as temáticas em causa.

A análise de conteúdo que realizámos procurou, em suma, conciliar a análise quantitativa com a análise qualitativa dos corpos de mensagens e significados produzidos pelo jornal Público a respeito da educação em geral e do ranking de escolas e avaliação do e no sistema de ensino em particular. Assim, utilizando a vantagem da análise de conteúdo “poder exercer-se sobre material que não foi produzido com o fim de servir a investigação científica” (Vala, 1987, p.107) - como é o caso das mensagens veiculadas pelo meio de comunicação social estudado - procurámos apreender o seu significado predominante e expressá-lo em termos quantitativos. Aplicámos, para isso, os procedimentos metodológicos inerentes à

prática de uma análise de conteúdo categorial que se pretende válida e fidedigna (Vala, 1987, p.109; Almeida & Pinto, 1982, p.96): delimitação dos objectivos e definição de um quadro de referência teórico orientador da pesquisa; escolha de um universo de conteúdos para constituição do corpus da análise; definição a priori de um conjunto de categorias relacionadas com os objectivos da investigação; selecção de unidades de análise do universo de conteúdos (frases, parágrafos e artigos completos) e quantificação, nas unidades de análise, do número de ocorrências respeitantes ao sistema de categorias previamente definidas. Para realizarmos esta quantificação tomámos em consideração a totalidade dos textos jornalísticos, tendo-os passado pelo crivo do recenseamento segundo a frequência de presença (ou de ausência de frases e/ou parágrafos cujo sentido nos permitisse englobá-los nas categorias enunciadas. Este método, explicitado por Bardin (1988, p.36 e 37), permitiu-nos classificar os elementos de significação constitutivos da mensagem.

De acordo com Berelson, a análise de conteúdo incide no significado manifesto dos textos e permite um estudo sistemático, objectivo e quantitativo do conteúdo das mensagens mediáticas (Berelson citado por Vala, 1987, p.103). Não deixa, no entanto, de possuir alguns inconvenientes, nomeadamente o facto de a construção do sistema de categorias a priori poder originar o perigo de ser o investigador a impor o seu próprio sistema de significados em vez de os apreender nos conteúdos e deste mesmo sistema de categorias, por ter de ser necessariamente selectivo, causar distorções nos resultados (McQuail, 2000, p.424). A fim de superarmos alguns destes inconvenientes efectuámos também uma análise qualitativa dos artigos seleccionados (“análise estrutural” na concepção de McQuail, 2000, p.427), baseada numa metodologia qualitativa, interpretativa dos significados latentes das mensagens. Esta análise foi, por isso mesmo, mais selectiva, específica e ilustrativa “dos significados culturais mais profundos” (McQuail, 2000, p.426) das reacções escritas dos autores dos textos de opinião e cartas ao director, tendo para isso em conta o contexto social, cultural e ideológico em que estas foram redigidas e publicadas, bem como a própria lógica subjacente à realização e produção noticiosa.

Ainda assim, estamos conscientes que a análise que realizámos (e apresentamos ao longo do 5º Capítulo) corresponderá a um conjunto de significados não forçosamente coincidente com a dos emissores e receptores dos conteúdos investigados. Como é salientado por McQuail, a realidade sócio-cultural compõe-se de muitos universos de significados que requerem avaliações individuais, a «audiência» divide-se em “comunidades interpretativas” que possuem as suas próprias possibilidades de atribuição de sentido e os conteúdos mediáticos recorrem a mais de um código, linguagem ou sistema de signos (2000, p.424-425).

Neste sentido, o texto final que elaborámos constitui um produto que acaba por traduzir a nossa condição de investigadores sociais.

4.3. Das entrevistas exploratórias à construção do inquérito por questionário

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