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2. CAPÍTULO O ESPAÇO DA REFLEXIVIDADE NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

2.2. Lógicas de funcionamento do campo jornalístico: a diversidade na unidade Ainda que possa verificar-se uma transformação na composição sócio-profissional do

2.2.1. O poder simbólico dos meios de comunicação social

Assim, em nosso entender, o poder dos meios de comunicação social far-se-á sobretudo sentir no plano das “intenções, conhecimento, crenças ou opiniões, ou seja, das representações mentais que monitorizam actividades concretas” dos actores sociais (van Dijk, 2005, p.75). Bem distantes da tese original defendida pela Teoria Crítica, segundo a qual os media influenciam directa e automaticamente as acções dos indivíduos, pensamos, portanto, que o poder dos meios de comunicação social é sobretudo simbólico e persuasivo, como Bourdieu defende. A perspectiva de van Dijk permite-nos reforçar este pressuposto, na medida em que, já o mencionámos no primeiro capítulo, este autor entende que é sobretudo através de enunciados escritos e orais – elaborados por actores sociais enquanto membros de um grupo – que as ideologias são produzidas e reproduzidas (van Dijk, 2005, p.135).

Por oposição a outras abordagens da ideologia (cf van Dijk, 2005, p.136-137), van Dijk defende que todas as instituições e grupos sociais - dominantes ou dominados – possuem ideologias que controlam a sua auto-identificação, os seus objectivos e as suas acções (van Dijk, 2005, p.137). Por isso mesmo, as ideologias caracterizam-se essencialmente pelo facto de serem partilhadas ou contestadas pelos membros de grupos sociais.

Na opinião do autor, as ideologias são simultaneamente cognitivas e sociais, uma vez que implicam, por um lado, princípios básicos de conhecimento social, apreciação,

compreensão e percepção e, por outro, são compartilhadas por membros de grupos ou instituições, estando relacionadas com os interesses sócio-económicos ou políticos desses grupos (sublinhados nossos, van Dijk, 2005, p.138). Mas as ideologias possuem ainda uma dimensão sócio-cognitiva, uma vez que van Dijk as concebe “como a base abstracta, axiomática, dos sistemas de crenças sociais que os grupos partilham em sociedade” (van Dijk, 2005, p.137).

Muito embora as ideologias possam ser entendidas como “modelos conceptuais interpretativos” comuns a toda a sociedade que proporcionam a compreensão da realidade social, das práticas quotidianas e das relações com os grupos estando, assim, directamente relacionadas com o conhecimento sócio-cultural e outras crenças que os indivíduos possuem, em termos menos abrangentes, o autor encara as ideologias como “sistemas mais específicos nos quais se baseiam as representações sociais e os processos mentais partilhados ”(van Dijk, 2005, p.138). São estes sistemas que, em seu entender, funcionam “como elo de ligação entre o cognitivo e o social” (van Dijk, 2005, p.137).

As ideologias constituem “modelos de interpretação (e de acção) mais ou menos relevantes ou eficazes para os grupos sociais conforme foram capazes de favorecer os seus interesses”, uma vez que não são “verdadeiras” ou “falsas”, mas antes representam a “verdade” de um grupo social - “uma verdade que serve os seus próprios fins” (van Dijk, 2005, 138). Para além disso, as ideologias não correspondem a sistemas de crenças perfeitamente acabados e explícitos, podendo traduzir vários graus de complexidade. Por exemplo, muitos actores sociais podem não possuir ideologias políticas muito explícitas mas, em contrapartida, expressar ideologias mais pormenorizadas acerca de outros assuntos sociais relevantes para o grupo social a que pertencem. A variedade de modelos ideológicos existentes na sociedade estará relacionada com a estratificação social e com as regras sociais. Assim, os líderes de um grupo social, as elites ou os indivíduos que possuem níveis de escolaridade elevados podem ser detentores de sistemas ideológicos mais complexos e sofisticados que os outros actores sociais (van Dijk, 2005, p.139). Por outro lado, as expressões ideológicas manifestadas pelos indivíduos podem também variar em função do contexto em que se encontram. Assim, os actores sociais que pertencem a vários grupos ou com eles se identificam, poderão partilhar valores e ideologias diversificadas e contraditórias entre si. O mesmo sucederá em situações em que os indivíduos se sentem constrangidos pela necessidade de gerir a aparência ou manter regras de cortesia social. As experiências pessoais, a motivação, as emoções, os dilemas, os princípios e a biografia dos indivíduos (Billig, 1988, citado por van Dijk, 2005, p.139) constituem ainda outras variáveis que interferem no tipo de

discurso e acção ideológica que os actores sociais manifestam. Quer isto dizer, portanto, que vários factores sociais, sócio-cognitivos e pessoais podem influenciar a expressão das ideologias básicas. Neste sentido, as ideologias não são deterministas: “é possível que influenciem, orientem ou controlem o discurso e a acção sociais, mas não os «provocam» nem «determinam», não sendo ainda os únicos sistemas mentais que controlam a produção e compreensão do discurso” (van Dijk, 2005, p.139).

Se existe uma variabilidade contextual das manifestações das ideologias, isso não significa, todavia, que os sistemas ideológicos não sejam relativamente estáveis e contínuos. É pelo facto de os sistemas ideológicos serem gerais e abstractos que se explica, segundo van Dijk, “por que motivo os membros da sociedade são tantas vezes constantes e similares nas suas expressões ideológicas” (van Dijk, 2005, p.139). O mesmo se aplica ao conhecimento sócio-cultural que define aquilo que é dado como adquirido no discurso e na interacção. Ainda que a expressão do conhecimento sócio-cultural possa variar consoante os contextos em que os indivíduos se encontrem, o conhecimento sócio-cultural é, tal como os sistemas ideológicos, relativamente estável e contínuo. Estes pressupostos são sustentados, segundo van Dijk, com o exemplo dos membros de grupos minoritários. Estes indivíduos, na sua maior parte, são capazes de reconhecer procedimentos racistas quando com eles são confrontados, sendo, por conseguinte, capazes de inferir e comparar, independentemente dos contextos, ideologias racistas básicas que presidem a várias formas de discriminação. De igual modo, o seu próprio conhecimento do racismo basear-se-á em ideologias anti-racistas, das quais fazem parte integrante, por exemplo, axiomas gerais acerca da igualdade de diferentes grupos “raciais” (Essed, 1991, citado por van Dijk, 2005, p.140).

Porém, ao contrário do conhecimento, as ideologias são sistemas de cognição social essencialmente avaliativos: fornecem, não só as bases a partir das quais se formulam apreciações acerca do que é bom ou mau, certo ou errado, mas, também, directrizes indispensáveis para a percepção e interacção sociais. Pressupõe-se, então, afirma van Dijk, “que os constituintes basilares das ideologias são valores sócio-culturais como a Igualdade, a Justiça, a Verdade ou a Eficiência” (van Dijk, 2005, p.141). Estes valores não se limitam a grupos específicos, possuindo uma relevância cultural mais abrangente, o que quer dizer que os valores podem ser culturalmente específicos e variáveis, mas alguns deles são universais (Hofstede, 1980, Rokeach, 1973, 1979, citados por van Dijk, 2005, p.141-142). Calcula-se que cada grupo social, tendo em conta os seus próprios interesses, proceda a uma selecção destes valores e os organize, hierarquicamente, de acordo com a importância que lhe atribuem, quer em função da posição social que ocupam, quer dos objectivos que pretendem

alcançar. Assim, os grupos feministas e anti-racistas podem realçar o valor da Igualdade; os empresários o da Liberdade (de mercado), ao passo que os professores universitários e os jornalistas privilegiarão os valores da Verdade e Idoneidade (van Dijk, 2005, p.142). Estes critérios ideológicos que os diferentes grupos consideram essenciais para as suas finalidades e acções constituem os critérios avaliativos nos quais assentam as opiniões que definem os sistemas ideológicos. De acordo com van Dijk, as ideologias desempenham, pois, um papel fundamental nas formas de interacção dos membros de grupos e nas suas produções discursivas quotidianas.

O autor entende, em suma, que as ideologias “são modelos conceptuais básicos de cognição social, partilhados por membros de grupos sociais, constituídos por selecções relevantes de valores sócio-culturais e organizados segundo um esquema ideológico representativo da auto-definição de um grupo. Para além da função social que desempenham ao defender os interesses dos grupos, as ideologias detêm a função cognitiva de organizar as representações sociais (atitudes, conhecimentos) do grupo, orientando assim, indirectamente, as práticas sociais relativas àquele e, consequentemente, também as produções escritas e orais dos seus membros” (van Dijk, 2005, p.141).

Com base neste “esboço de uma teoria da ideologia” (van Dijk, 2005, p.122) van Dijk realiza uma análise crítica das práticas discursivas da imprensa escrita. Na verdade, para este autor, a análise dos processos de produção e recepção dos discursos noticiosos deverá ter sempre em conta os sistemas ideológicos, expressos sob a forma de opiniões, dos actores sociais que nele participam. Conforme afirma, “as ideologias, embora de forma variada e indirecta, podem ser expressas no texto e na fala; os discursos funcionam do mesmo modo para ajudar a construir, de forma persuasiva, ideologias novas e para confirmar ideologias já existentes. Em ambos os casos, isto significa que pode haver estruturas do discurso particularmente relevantes para a expressão eficiente ou a comunicação persuasiva de significados ideológicos” (van Dijk, 2005, p.122).

De um modo detalhado e recorrendo a diversas pesquisas realizadas por si e por outros autores, van Dijk demonstra como as diversas estruturas do discurso noticioso manifestam significados ideológicos mais ou menos evidentes (cf. van Dijk, 2005, p. 63-72; 73-95; 97- 115; 117-134). Passaremos a mencionar as mais relevantes. Assim, os títulos dos jornais, uma importante “estrutura de superfície do discurso”, traduzem sempre as expressões proeminentes do significado global de um relato noticioso na imprensa e as ideologias que lhes estarão subjacentes. Poderemos depreender claramente as manifestações ideológicas de uma determinada notícia quando o seu título se refere, por exemplo, a um «motim racial»,

representando as minorias étnicas de um modo negativo (van Dijk, 2005, p.123).

Para além dos títulos, as implicações ideológicas dos discursos produzidos na imprensa encontram-se também presentes nos sumários iniciais das notícias. Em regra, os produtores de notícias que pertencem a um determinado grupo social não destacam nos sumários as informações incompatíveis com os seus interesses ou auto-imagem positiva, tal como tendem a dar menos importância à informação que realça as propriedades negativas do seu endogrupo. As variações possíveis de relevância e importância atribuídas aos diversos conteúdos de um tema noticiado estão, portanto, sujeitas ao controlo ideológico (van Dijk, 2005, p.128-129).

A argumentação constitui outro domínio maior em que podem ser expressos pontos de vista ideológicos. As análises das argumentações dos editoriais na imprensa britânica, por exemplo, evidenciam que os seus autores podem manipular as suas audiências tornando mais explícitos ou proeminentes os argumentos que servem os seus auto-interesses, enquanto os outros argumentos permanecem implícitos (van Dijk, 2005, p.129).

As crenças sociais e as ideologias dos produtores das notícias e discursos políticos podem ser igualmente detectadas no modo como estes utilizam operações semânticas da retórica, como a metáfora, a ironia ou a hipérbole para se referirem, de modo pejorativo, aos «outros», isto é, às minorias raciais e étnicas, aos imigrantes ou aos inimigos políticos (van Dijk, 2005, p.130).

Assim, para além de explicarmos o significado do discurso (construído no decurso da sua produção e compreensão) através de modelos mentais baseados no conhecimento sócio- cultural, deveremos também ter em atenção que as estruturas semânticas do discurso traduzem avaliações ideológicas, sob a forma de representações sociais, formuladas com base no grupo social a que os seus autores pertencem (van Dijk, 2005, p.184). Por conseguinte, o exame do poder simbólico dos media, não poderá escamotear estas dimensões de análise.

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