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3. CAPÍTULO – A EMERGÊNCIA DOS RANKINGS ESCOLARES NO CONTEXTO DA ACTUAL MODERNIDADE EDUCATIVA

3.1. Os media e a escola «para todos» como sistemas centrais da modernidade Afirmar, neste momento, que tanto o sistema educativo como os meios de

3.1.2. O lento processo de construção da profissão docente

Ao processo de alfabetização/escolarização da população portuguesa encontra-se indubitavelmente associado um processo de construção da profissão docente. De acordo com Nóvoa, será em 1772, com a implementação da Reforma promovida por Pombal que se desenham os primeiros contornos desta actividade profissional (sublinhados do autor, Nóvoa, 1991, p.67). Após a expulsão dos jesuítas em 1759, a fim de preencher o vazio deixado pela Companhia de Jesus, sobretudo ao nível do que hoje designamos por ensino secundário, Pombal desencadeou a “primeira Reforma Estatal do Ensino”, procurando promover a secularização, estatização e uniformização do ensino a todo o País (Nóvoa, 1991, p.65-66).

Não se verificava, no entanto, um processo de laicização do ensino, uma vez que os eclesiásticos continuavam a fornecer muitos elementos ao corpo docente (Fernandes, 1994, p.274, citado por Pintassilgo, 1999, p.91) e o ensino da moral e da religião católica

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Já anteriormente, como salientam Almeida e Vieira, “a reforma pombalina do ensino tinha representado um esforço deveras percursor de estatização e laicização do ensino” (Almeida e Vieira, 2006 a, p.54).

enformava, claramente, a componente socializadora do embrionário currículo então desenvolvido nas escolas régias (Pintassilgo, 1999, p.91). Na verdade, os mestres de origem religiosa não só eram bastante numerosos nas primeiras gerações de profissionais do ensino, como mantinham uma presença muito significativa no seio do professorado primário até finais do século XIX (Nóvoa, 1991, p.76).

Em 1772, com uma Reforma do Ensino mais “global e audaciosa, alargada ao «primário» (escolas régias de ler, escrever e contar) e ao «superior» (Universidade de Coimbra” (Nóvoa, 1991, p.67), Pombal promoverá um esforço real de construção de uma rede escolar pública e dará os primeiros passos no sentido de uma progressiva funcionarização do professorado (sublinhados do autor, Nóvoa, 1991, p.68). Ora, a Reforma de 1772, segundo Nóvoa, deixa antever a vontade de estimular o desenvolvimento dos centros urbanos, nomeadamente do litoral, sendo os professores investidos como os agentes primeiros desta determinação (sublinhados nossos, Nóvoa, 1991, p.67). Como se depreende, inicia-se então um processo «subjectivo» de atribuição de funções aos professores que se irá alargando sucessivamente ao longo do tempo, até atingir actualmente um carácter tão abrangente que é fortemente responsável pelo “mal-estar” e pela crise de identidade profissional dos professores (Cruz, 1988; Nóvoa, 1991; Gomes, 1993, Hargreaves, 2004, Sanches, 2004).

Ao assentar a sua política num reforço das camadas mercantis e burguesas, para quem a expansão do «ensino secundário» era de primordial importância, Pombal impõe a colecta de um imposto consagrado exclusivamente ao financiamento das despesas com a educação, decisão inédita na Europa do século XVIII. Dado que este imposto permitia custear os vencimentos dos professores, principia a constituir-se um corpo de professores e de mestres régios (sublinhados do autor, Nóvoa, 1991, p.67).

Entre outros privilégios que lhe são concedidos, salienta-se a aposentadoria activa, a isenção de certas funções públicas, a isenção de prestação de serviço militar, um tratamento judicial privilegiado e o não pagamento de certas franquias. Contudo, apesar de estes direitos serem extensíveis tanto aos professores como aos mestres régios, na prática somente os professores deles usufruíam (Nóvoa, 1991, p.72). Homens de origem humilde, sem quaisquer bens materiais, os mestres régios, na transição do século XVIII para o século XIX, sentirão “de forma dramática a contradição entre um discurso que valoriza socialmente a sua actividade e uma prática que não lhes concede as condições sociais e económicas mínimas para o exercício digno do seu Magistério” (sublinhados do autor, Nóvoa, 1991, p.77). De facto, a exiguidade do seu ordenado obrigava-os a dedicarem-se com bastante frequência a outras ocupações, acumulando-as com o exercício da docência, sendo esta, no entanto, a sua

ocupação principal. Nem por isso deixam de ser, segundo Nóvoa, os “protagonistas do processo de profissionalização da actividade docente” (sublinhados do autor, Nóvoa, 1991, p.77). Na realidade, contrariamente ao que acontecia no período anterior às Reformas Pombalinas, estes mestres possuíam uma autorização estatal para o exercício da actividade docente, sendo recrutados, controlados e remunerados directamente pelo Estado. A sua selecção e nomeação decorriam da realização de um exame e concurso nacional, tendente à uniformização do processo. O desempenho da actividade docente era apenas possível mediante a posse de uma licença ou autorização passada pelo Estado (Pintassilgo, 1999, p.90). Os percursos profissionais dos mestres régios revelavam, por outro lado, uma estabilidade profissional destoante com a realidade dos seus antecessores “cuja passagem pelas «coisas do ensino» era quase sempre temporária e ocasional” (sublinhados do autor, Nóvoa, 1991, p.78).

O carácter inovador das medidas políticas então implementadas, deve, no entanto, ser relativizado, já que, conforme Pintassilgo salienta, permanece uma imagem social bastante desvalorizada do mestre. Para além disso, verifica-se ainda a total ausência de um sistema de formação de professores, o que dava possibilidade a qualquer indivíduo, portador de habilitações elementares e sem qualquer preparação pedagógica poder candidatar-se a um posto de mestre régio (Pintassilgo, 1999, p.90)48.

À aposta pombalina no «ensino secundário», visível na “oferta acrescida de classes régias de filosofia, de grego, de retórica e, num certo sentido, de gramática latina”, não corresponde, no entanto, uma procura proporcional por parte da população que demonstra ter apenas interesse por se alfabetizar (Nóvoa, 1991, p.70). Justamente por isso, nas últimas décadas do século XVIII, é somente o ensino das “primeiras letras” que se expande, e com ele, o corpo dos professores primários e mestres régios. No princípio do século XIX, este corpo profissional era, no entanto, ainda pouco numeroso (menos de um milhar de indivíduos), exclusivamente masculino, (pois as mestres régias só entram em funções no ano de 1814) e oriundo dos estratos mais desfavorecidos da sociedade (Nóvoa, 1991, p.80).

A reforma promovida por Costa Cabral em 1844, visa, entre outras medidas, a implementação das escolas normais, o que cria as condições para um desenvolvimento de um sistema de formação de professores. Inicia-se o processo de concretização da “concepção de que os professores «formam-se»” (Pintassilgo, 1999, p.91). Em 1896, uma nova reforma possibilitará a expansão e consolidação das escolas de formação de professores. Mesmo

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Este facto não é de admirar, já que a noção de «preparação pedagógica» não se encontrava ainda assumida como uma necessidade, dado o carácter incipiente das ciências sociais em geral e da psicologia em particular.

assim, “em 1875 apenas 5,1% dos professores em exercício tinham concluído um curso normal e 39,2% tinham apenas como habilitação o já citado exame” (Pintassilgo, 1999, p.92). Esta situação terá levado o Estado a delegar a responsabilidade da realização dos exames nas escolas normais e a desenvolver-se uma preferência pelos detentores de um diploma normalista (Nóvoa, 1987b, I, p.421, citado por Pintassilgo, 1999, p.92). A reforma de 1901 tornará obrigatória a posse deste diploma para o exercício da profissão, sendo que, nesse ano, cerca de 50% dos docentes já possuíam a necessária formação profissional (Nóvoa, 1987b, I, p.475, citado por Pintassilgo, 1999, p.92). Com efeito, de acordo com Pintassilgo, a história da formação de professores do ensino secundário em Portugal deu os seus primeiros passos com a criação, “em 1901, do Curso de Habilitação para o Magistério Secundário, a que se seguiu, já em contexto republicano, a fundação das Escolas Normais Superiores de Lisboa e de Coimbra, integradas nas respectivas universidades” (Pintassilgo, 2002a, p.3).

No final do século XIX, as mudanças operadas no sistema escolar português procurarão valorizar socialmente a imagem dos professores, nomeadamente dos de instrução primária, contribuindo, assim, para dignificar esta profissão. O processo de profissionalização dos professores ganha um novo impulso na transição para o século XX, graças ao desenvolvimento das escolas normais e ao incremento do associativismo docente (Nóvoa, 1991, p.79). Nóvoa considera que este período corresponde a “um tempo forte na história da profissão docente” (Nóvoa, 1991, p.78). Pintassilgo, por sua vez, defende que o processo de estabelecimento do ensino normal em Portugal (no início do século XX) terá sido importante para a dignificação dos professores e consolidação do seu estatuto, por implicar um maior rigor no ingresso da profissão e um reforço do seu perfil académico. Entende ainda que o desenvolvimento das escolas normais também contribuiu “para a afirmação da pedagogia como ciência da educação, ao tornar mais aguda a consciência de que não basta conhecer a matéria, tornando-se necessário aprender a ensinar, processo esse que obriga a uma interligação estreita entre a formação teórica e a preparação prática” (Pintassilgo, 1999, p.92).

De acordo com Nóvoa, o período que se vive na viragem do século XIX para o século XX foi “decisivo para a consolidação do sistema escolar português”, dada a evolução então verificada do número de professores, da rede escolar, da criação e desenvolvimento do ensino normal, da feminização dos professores primários e da expansão das edições de livros escolares e pedagógicos (Nóvoa, 1991, p.79). Na verdade, no final do século XIX o corpo docente do ensino primário era já relativamente numeroso (mais de cinco mil), maioritariamente feminino e oriundo das camadas sociais intermédias (Nóvoa, 1991, p.81).

O processo de cientificação da pedagogia, ocorrido nas últimas décadas do século XIX, a par da instituição das escolas normais, no início do século XX, acentuou a consciência da necessidade de articular a produção de um saber pedagógico com a profissionalização da actividade docente (Pintassilgo, 1999, p.93).

Contudo, como Almeida e Vieira salientam, será durante a I República, que as contradições entre a retórica modernizadora e a prática serão, porventura, mais flagrantes (Almeida e Vieira, 2006 a, p.57). Se o projecto de formação de professores desenvolvido pela I República procura acentuar a vocação simultaneamente académica e profissional das escolas normais, as realizações práticas não corresponderam aos ideais pedagógicos expressos, já que, no final da República, era apenas de 651 o número de normalistas formados pelas novas escolas (Pintassilgo, 1999, p.93).

Ainda assim, o combate ao analfabetismo e a aposta na escola “como lugar de formação de (novos) cidadãos” constituía, para o Estado republicano, uma das formas mais eficazes de «reformar a mentalidade portuguesa» e de a converter aos valores do positivismo e do cientismo” (Almeida e Vieira, 2006 a, p.58). Por isso, em 1911, foi instituída uma nova Reforma do Ensino Primário que contemplava o lançamento de um Ensino Infantil facultativo (até então inexistente), um Ensino Primário Complementar de dois anos e um Ensino Primário Superior de três anos, ambos de frequência facultativa. Em 1919, a escolaridade obrigatória foi alargada para cinco anos (Almeida e Vieira, 2006 a, p.58). Com este período mais alargado de frequência escolar “pretendia-se não só transmitir elementos de uma cultura científica que extravasa em muito as aprendizagens escolares básicas do ler, escrever e contar, como também introduzir elementos de uma educação moral, modalidade de educação cívica republicana, formadora de cidadãos” (Almeida e Vieira, 2006 a, p.58).

Na prossecução desta “grande empresa histórica da escolarização, que transformará para sempre o rosto das nossas sociedades” (sublinhados do autor, Nóvoa, 1991, p.79), a acção desenvolvida pelos principais agentes desta operação, os professores, não terá sido despiciente. Como Nóvoa afirma, “no momento em que a escola se impõe como instrumento privilegiado da estratificação social, os professores são investidos de um imenso poder: doravante, detêm as chaves da ascensão social de largas camadas da população. Funcionários do Estado e agentes de reprodução da ordem social dominante, os professores personificam também as esperanças de mobilidade social de vários extractos da sociedade: agentes culturais, os professores são também, inevitavelmente, agentes políticos” (sublinhados do autor, Nóvoa, 1991, p.80).

Falamos, no entanto, apenas da acção dos professores de instrução primária, já que a abertura da escola «alargada» a toda a população em idade escolar só ocorrerá efectivamente a partir da década de 70 do século XX. Até então, a prioridade das políticas educativas assentava na garantia e imposição de uma instrução mínima a todos e, entre estes, na selecção dos mais capazes, “extremando-os dos incapazes de ascenderem sem prejuízo da colectividade a outros graus superiores da cultura” (Resende, 2003a, p.287). A Reforma do Ensino Secundário iniciada pelo Governo do Estado Novo, em 1935 e reafirmada em 1936, expressava, justamente, esta concepção hierárquica ligada à aquisição de conhecimentos “transformando o terceiro ciclo do liceu no momento adequado para se realizar a síntese integrada de todo o esforço cognitivo realizado ao longo do percurso escolar anterior” (Resende, 2003a, p.291). “Os sentidos de vocação e de revelação que eram veiculados pelas concepções oficiais construídas em torno das potencialidades do conhecimento ligado à cultura geral – erudita e desinteressada – difundida pelos liceus encontraram um eco professores que leccionavam nestas escolas” (Resende, 2003a, p.291). Aos professores do ensino secundário competia, portanto, não só transmitir uma “cultura geral desinteressada” como participar na formação da personalidade dos jovens que integravam as élites que prosseguiam os estudos (Resende, 2003a, p.291).

No século XXI, as expectativas de ascensão social continuarão a ser depositadas nos professores – de todos os níveis de ensino – tal como se continua implicitamente a solicitar- lhes que não escamoteiem a “formação integral” dos seus educandos. No entanto, como veremos, a acção dos docentes passará a representar igualmente todos os problemas sociais que o projecto de construção de modernidade não conseguiu resolver. Actualmente, tal como sucedeu ao longo de todo o século XIX e na primeira metade do século XX, os professores lutam pela melhoria do seu estatuto e pela dignificação da sua imagem social. Agora como então este corpo de profissionais apresentava o seu estatuto de «peritos» - “detenção de um conjunto de conhecimentos especializados na área do ensino” - (Nóvoa, 1991, p.80) e a elevada importância social da sua actividade profissional como os dois principais argumentos para defender as suas reivindicações sócio-profissionais.

Na década de 50 do século XX, o discurso dos professores do ensino liceal revelava a apropriação de elementos do discurso pedagógico inovador proveniente do movimento da Escola Nova, ainda que, como salienta Pintassilgo, “sem uma adesão explícita às concepções sociais e políticas que haviam dado coerência a essa corrente nas primeiras décadas” daquele século (2002b, p.29). Nas concepções produzidas na imprensa pedagógica valorizava-se a experiência profissional e a posse de uma formação científica e de uma formação pedagógica,

ainda que a cientificidade da pedagogia pudesse ser relativizada. De qualquer modo, a integração no pensamento dos professores, dos postulados relativos ao aluno e ao acto pedagógico identificados com a tradição renovadora tornou-se um importante factor de identidade dos docentes liceais (Pintassilgo, 2002b, p.29).

Uma outra dimensão importante do processo de profissionalização desta classe decorreu da assunção da ideia de que os professores do ensino secundário deveriam possuir um saber especializado e competências específicas para leccionar uma dada disciplina (Resende, 2003a; Pintassilgo, 2005). A consolidação do sistema de formação de professores - na segunda metade do século XIX, no caso dos professores do ensino primário e ao longo do século XX, no que respeita aos professores do ensino secundário – contribuiu, pois, decisivamente, para a afirmação da pericialidade deste corpo profissional (Nóvoa, 1991, Resende, 2003a; Pintassilgo, 2002a)49.

Ao equacionar em que medida o professor do ensino secundário pode ser considerado como um “artesão do ofício de ensinar”, um “intelectual autónomo e crítico em relação ao saber/poder instituído” ou um “profissional/especialista do ensino” – ambiguidade que sempre caracterizou a profissão docente - Pintassilgo salienta como a particularidade desta actividade profissional multifacetada e por natureza compósita, contempla, afinal, estas diversas componentes (cf. Pintassilgo, 2002b). Interessa-nos, ainda assim, sublinhar o facto de os professores, por disporem de um conjunto específico de conhecimentos e competências de índole académica e profissional constituírem um conjunto particular de especialistas, os “especialistas do acto educativo”. Aliás, esta reivindicação de que os professores são detentores de um saber capaz de fundamentar cientificamente a sua actividade era explicitamente assumida nos discursos dos docentes do ensino secundário que, nas décadas de 50 e 60 do século XX escreviam na revista Labor (Resende, 2003a; Pintassilgo, 2005). Ora, como Pintassilgo afirma, o entendimento do professor como “profissional do ensino surgia, por vezes, em contraponto com a noção de funcionalismo aplicada aos professores, o que não deixa de ser curioso num país, como Portugal, em que o processo de transformação dos professores em funcionário do Estado foi relativamente prematuro e parte indissociável, não só da estruturação do Estado moderno, como também do sistema de ensino e da formação da profissão docente” (2005, p.60).

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Recordamos que a formação de professores do ensino secundário em Portugal data de 1901. No entanto, as Escolas Normais Superiores de Lisboa e Coimbra, integradas nas respectivas universidades, só foram fundadas no período da I República. Em 1930, a formação profissional dos professores foi retirada das universidades, tendo passado a ser disponibilizada pelos liceus normais. Retornará à universidade com a Reforma Veiga Simão (Pintassilgo, 2000a, p.3-4).

Por outro lado, o desenvolvimento das associações de professores do ensino primário, durante a segunda metade de oitocentos50, e dos professores do ensino secundário nas primeiras décadas do século XX51 permitiu a intensificação do processo de identidade profissional dos docentes e a sua adesão a um conjunto de valores ético-deontológicos (Nóvoa, 1991, p.80; Pintassilgo, 2007, p.12).

Em meados do século XX, “a natureza ética da profissão docente” aparecerá, no discurso dos professores do ensino secundário, como um dado incontornável (Pintassilgo, 2005, p.64). Assim, independentemente das divisões que atravessavam a classe – divisões essas que não mais deixarão de persistir52 (Cruz, 1988; Gomes, 1993) -, um dos traços fundamentais do processo de profissionalização dos professores do ensino primário e secundário assentou na assunção de uma deontologia docente associada a um conjunto de crenças, normas, regras, sentidos e valores comuns (Pintassilgo, 2005).

Vale a pena mencionar a este respeito, seguindo de perto a perspectiva de Pintassilgo, que a noção de profissão aqui em causa é entendida como uma construção social e histórica, através da qual foram sendo incorporadas, em diversos momentos e com intensidades distintas, questões respeitantes “ao exercício de competências assentes num corpo sólido de conhecimentos, a um percurso de formação relativamente longo e conducente a uma certificação, a uma relativa autonomia no desempenho da profissão, a um processo de socialização em determinados valores e normas de comportamento e à crença na alta função social da ocupação” (Pintassilgo, 2007, p.22

Aliás, a crença social nas potencialidades transformadoras da escola e, por consequência no papel social dos professores, encarada como um investimento pessoal útil e rentável e como um investimento social inevitável – típica da ideologia do progresso que caracterizava o século XIX e que tem sido actualmente reavivada – contribuiu para uma melhoria significativa do estatuto profissional dos docentes (Nóvoa, 1991, p.84). Com efeito,

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Nas décadas de transição do século XIX para o século XX serão os professores de instrução primária os grandes impulsionadores do associativismo docente, conduzindo à criação das primeiras organizações de classe tendo por base o grau de ensino (Pintassilgo, 2007, p.4)

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A primeira associação representativa dos interesses do professorado do ensino liceal – A Associação do Magistério Secundário Oficial - foi criada em 1904. O carácter acentuadamente sectorial do associativismo docente é entretanto visível na criação, durante a I República, de uma associação de professores liceais do Norte do país e de uma outra representativa dos professores do ensino industrial e comercial. Nos primeiros anos do regime do Estado Novo, o percurso associativo dos professores registou um ponto alto, dada a realização de cinco congressos do ensino liceal entre 1927 e 1931 (Pintassilgo, 2007, p.4).

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A classe docente é, com efeito, uma classe profundamente dividida, não só em termos de proveniência sócio- cultural e geográfica, como no que respeita à sua faixa etária, à sua formação, aos motivos pelos decidiu exercer a profissão e às concepções sobre a sua prática e objectivos do sistema escolar (Cruz, 1988).

quando os resultados do Censo da População de 1890 evidenciavam as proporções do “flagelo do analfabetismo” em Portugal (a expressão é de Nóvoa, 1991, p.84), os professores eram apresentados como os actores capazes de potenciarem a regeneração social de que o país parecia necessitado, sendo encarados como os principais protagonistas do combate ao analfabetismo (Pintassilgo, 1999, p.94).

O papel social dos professores foi amplificado, nomeadamente no que respeita à sua influência junto da comunidade onde vive e trabalha. A mitificação da figura do professor era ilustrada pelo facto de este ser apresentado, designadamente nas comunidades rurais, como um “verdadeiro sacerdote laico, que desempenhava um papel alternativo ao dos padres do catolicismo” (sublinhados nossos, Pintassilgo, 1998, p.68-71, citado por Pintassilgo, 1999, p.95). No pensamento pedagógico produzido no período republicano, o professor surgia como referência moral, não só dos alunos como de toda uma comunidade, o que contribuiu para reforçar a sua responsabilidade moral e social (Pintassilgo, 1998, p.241-242, citado por Pintassilgo, 1999, p.95).

Neste período, é já de mulheres professoras que também falamos, pois a sua percentagem, desde o seu ingresso na profissão em 1814, não mais deixou de aumentar (Nóvoa, 1991, p.85). De qualquer modo, durante a I República, o discurso produzido sobre as funções dos professores veiculava uma representação masculina da profissão docente, “pois via-se mal de que forma as mulheres-professoras poderiam substituir em tudo o padre (...)” (sublinhados do autor, Nóvoa, 1991, p.88).

Apesar da importância atribuída à educação durante a I República, quer em termos

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