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CAPÍTULO 1 – Sobre o sistema consonântico do Português Europeu

1.2. Desenvolvimento consonântico

1.2.1. Dados da produção

Os períodos identificados na aquisição dos diferentes segmentos tendem a sobrepor-se e/ou a apresentar intervalos de tempo distintos, meses para alguns segmentos, anos para outros (Lamprecht & al., 2004). Segundo Freitas (1997), com base em Fikkert 1994, a relação entre um determinado segmento e o(s) constituinte(s) silábico(s) que pode ocupar determina a emergência desse segmento e a sua estabilização no PE23. Para Costa (2010), a gestão da coocorrência de segmentos numa mesma unidade lexical contribui igualmente para a aquisição de um determinado segmento e/ou classe segmental. Apesar da variação individual no processo de aquisição, a investigação efectuada no domínio do desenvolvimento segmental relata uma emergência relativamente padronizada das propriedades fonológicas que caracterizam o MA e o PA dos segmentos das línguas do mundo (Bernhardt & Stemberger, 1998).

23 “Nos dados avaliados, mostrou-se que a localização da emergência segmental depende da

activação dos parâmetros que regem a estrutura silábica do Português Europeu” (Freitas, 1997:366).

Emergência do modo de articulação

Nas línguas do mundo, as primeiras consonantes produzidas no período de aquisição da linguagem são caracterizadas por um modo de articulação não contínuo. Desta forma, as primeiras classes de consoantes a emergirem são sobretudo as oclusivas e as nasais, enquanto as fricativas e as líquidas são adquiridas mais tarde (Jakobson, 1941/1968; Matzenauer, 1990; Boysson-Bardies & Vihman, 1991; Vihman, 1992; Stoel-Gammon, 1993; Fikkert, 1994; Freitas, 1997; Grijzenhout & Joppen-Hellwig, 2002; Altvater-Mackensen & Fikkert, 2007; Levelt & Oostendorp, 2007; Lléo, 1996; Bernhardt & Stemberger, 1998; Dos Santos 2007; Kern & Davis, 2009; Costa, 2010).

As oclusivas, classe segmental mais frequente nas línguas do mundo, estão presentes logo no início do desenvolvimento, aquando da produção das primeiras palavras (Jakobson, 1941/1968; Vihman, 1992; Stoel-Gammon, 1993; Robb & Bleile, 1994; Bernhardt & Stemberger, 1998).

As nasais também estão frequentemente presentes nas primeiras produções infantis (Grégoire 1937, apud Yamaguchi, 2012; Fikkert, 1994; Bernhardt & Stemberger, 1998; Hilaire-Debove & Kehoe, 2004; Altvater-Mackensen & Fikkert, 2007; Dos Santos, 2007; Rose & Wauquier-Gravelines, 2007), no entanto, a idade da sua aquisição apresenta mais divergências nas línguas do mundo do que a das oclusivas (Boysson-Bardies & Vihman, 1991; Fikkert, 1994; Freitas, 1997; Bernhardt & Stemberger, 1998; Fronza, 1999; Altvater-Mackensen, 2010; Costa, 2010). Em algumas línguas, as nasais podem aparecer antes das oclusivas (Fronza, 1999, no PB), depois das oclusivas (Fikkert, 1994, no Holandês), em simultâneo com as oclusivas (Freitas, 1997; Costa, 2010, no PE) ou depois das fricativas (Altvater-Mackensen, 2010, no Holandês).

As fricativas, cuja produção exige mais habilidade articulatória do que as oclusivas e cuja integração no domínio silábico se rege pelo Princípio de Contraste Máximo, são menos frequentes nas primeiras palavras, pelo que a sua aquisição pode estender-se por um maior período de tempo (Bernhardt & Stemberger, 1998). No entanto, em línguas em que as fricativas apresentam uma frequência de ocorrência mais elevada nas produções infantis, observa-se uma aquisição mais precoce desta classe (Boysson-Bardies & al., 1992; Lléo, 1996; Langeslag, 2007).

A emergência das líquidas ocorre tardiamente e o seu desenvolvimento pode ocorrer durante um longo período de tempo, tal como as fricativas (Bernhardt & Stemberger, 1998). Em algumas línguas do mundo, as crianças adquirem as laterais antes das vibrantes, no entanto, a ordem inversa também tem sido observada (Bernhardt, 1990; Dinnsen, 1992; Beers, 1995).

Os estudos desenvolvidos no Portugês do Brasil (PB) também mostram que as crianças começam por produzir oclusivas e as nasais, estando este processo concluído por volta do 1;06/1;08 anos de idade (Lamprecht, 1990; Matzenauer, 1990, 1994, 2003; Ilha,1993; Rangel, 1998; Fronza, 1999; Freitas 2004b; Lamprecht & al., 2004). Mais tarde, surgem as fricativas (em média, adquiridas entre o 1;08 ano e os 3;06 anos de idade) e, depois, as líquidas (adquiridas entre os 2;08 e os 5 anos de idade). Quando consideradas apenas as fricativas em Ataque simples, o processo de aquisição é concluído por volta dos 2;10 anos de idade (Lamprecht & al., 2004). No caso das líquidas em Ataque simples, o processo de aquisição é concluído por volta dos 4;02 anos de idade (Lamprecht & al., 2004).

No PE, Costa (2010:29) refere que, em posição de Ataque simples, “there are some common trends across the five children studied: the consonants [m n p b t d]

[l ʎ ɾ ʀ] tend to be acquired later”24. Assim, à semelhança do observado no PB e nas línguas do mundo, as oclusivas e as nasais também são as duas primeiras classes naturais adquiridas no PE (Costa, 2010). No corpus estudado pela autora, tanto a ordem oclusivas>nasais como a ordem nasais>oclusivas são observadas. As fricativas e as líquidas são as últimas a emergir (mais frequentemente pela ordem fricativas>líquidas, embora a sequência líquidas>fricativas também ocorra) (Costa,

2010).

Em suma, relativamente à emergência do MA, a tendência geral, no PE, no PB e nas outras línguas do mundo, obedece ao esquema apresentado na figura 5.

Figura 5 - Ordem de aquisição das classes naturais do MA

Emergência do ponto de articulação

A produção preferencial de segmentos labiais em início de palavra tem sido frequentemente observada nos estudos sobre aquisição em várias línguas, dada a clara tendência manifestada pelas crianças segundo a qual os PA anteriores precedem os posteriores (Jakobson 1941/1968; Ingram, 1974; Menn, 1975; Matzenauer, 1990; Ingram, 1992; Levelt, 1994; Bernhardt & Stemberger, 1998; MacNeilage & Davis, 2000; Rose, 2000). Para Vihman et al. (1985) e Boysson-Bardies e Vihman (1991), as

24 Tais constatações demonstram que os segmentos não vozeados tendem a emergir antes dos

vozeados, tanto nas fricativas como nas oclusivas; contudo, esta tendência não se aplica quando estas classes são consideradas em conjunto (constritivas), dado que a aquisição das oclusivas é mais precoce do que a das fricativas, subentendendo que em determinados momentos do desenvolvimento, oclusivas vozeadas e fricativas desvozeadas emirjam em simultâneo.

oclusivas

labiais surgem mais precocemente no desenvolvimento segmental por proporcionarem um feedback visual, além do auditivo. Estes dados corroboram os observados no PB (Lamprecht & al. 2004) e no PE (Costa & al., 2007), embora alguns estudos apontem, por vezes, para uma ordem ligeiramente divergente, nomeadamente quando considerada a interacção entre ponto e modo de articulação, tal como o ilustram os dados de Miranda (2007) relativos às líquidas não-laterais. A ordem de aquisição Dorsal>Coronal identificada por Miranda (2007) para o PB também foi encontrada no PE em Costa (2010): [ʀ] tende a estabilizar primeiro no sistema das crianças portuguesas, comparativamente a [ɾ].

Grosso modo, relativamente à emergência do PA, a tendência geral, no PE, no

PB e na maioria das línguas do mundo, é convergente, obedecendo, portanto, ao esquema apresentado na figura 6.

Figura 6 – Ordem de aquisição das classes naturais do PA