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4. Mapeando Violências

4.2 Dano e Produção Racional

A violência na contemporaneidade pode ser entendida a partir de uma noção de dano. Força e coerção impostas a um indivíduo ou determinado grupo social produzem dano, podendo, este, estar relacionado a várias dimensões e campos. De acordo com Tavares dos Santos (2002), a violência

“envolve uma polivalente gama de dimensões, materiais, uma rede de dominações de vários tipos – classe, gênero, – que resultam na fabricação de uma teia de exclusões,

Desta maneira, pode-se compreendê-la em aspectos de alcance material, físico, simbólico, sociológico, psicológico.

O reconhecimento de um dano importa numa circunscrição do mesmo dentro de normas e categorias sociais. Tendo em vista que o fenômeno da violência se apresenta como fruto das condições sócio-históricas, pois revela relações que só podem ser compreendidas a partir do contexto em que acontece, o cotidiano se configura como o lócus onde normas e valores que balizam a violência ganham legitimidade. Geralmente,

toda violência que cause algum dano físico a um sujeito ou comunidade é precedida de uma racionalidade, de uma construção simbólica nascida na sociedade, configurando-se também

iadas nesta, as ações violentas encontram justificativa para serem efetivadas. Episódios

violent aprovadas ou desaprovadas, lícitas ou ilícitas,

segund

força e da coerção. Desta forma, podemos visualizar como se configu

submissão, envolvendo gêne assume o posto de dispositiv

sujeito, excluindo aqueles que não “interessam” à sociedade, que se configuram como portado

da no projeto da modernidade, característico do surgim

como um dano, que autoriza a ação violenta. Construção esta que desqualifica os sujeitos e os coloca na condição de passíveis de intervenção coercitiva.

Violência pode ser entendida, portanto, como um dispositivo de poder que faz uso da força e da coerção, baseado também numa racionalidade, para causar algum tipo de dano, que pode ser individual ou social.

O caráter mais severo da violência consiste no uso da racionalidade. Apo

os e “... suas manifestações são

o normas sociais mantidas por aparatos legais da sociedade ou por usos e costumes naturalizados” (Minayo, 2003, p.25).

A racionalidade sustenta um sistema simbólico que prescreve estigmas e preconceitos que legitimam o uso da

ram os valores culturais que sustentam as relações de ro, classes sociais, etnia, idade, etc. Assim, a violência o de controle social, retirando do indivíduo a condição de

res “naturais” do caos.

Esta racionalidade está basea

ento da república e da ciência positivista do século XIX. Os objetivos são a produção e o lucro, e toda forma de alteridade que venha a interromper o curso das águas da civilização deve ser controlada, quando não expurgada (Mancebo, 2002). O novo mundo proposto pela modernidade se desenvolveu em função de um progresso

que utiliza sistemas de controle com vistas à manutenção de uma estrutura vertical de poder, na qual não há lugar para manifestações singulares (Vergne, 2002).

Nesta concepção, os desvios devem ser combatidos. A ciência se impõe como estratégia de controle para combater os desequilíbrios. Assim, não há espaço para express

ida são impostos para aqueles que não se encaixa

e insurreições contra o sistema opressor precisa

tivas. Os modelos de controle construídos para as popula

ões das minorias14, dentre elas, o preto e o pobre, que passam a ser alvos de ações coercitivas que os excluem e os docilizam perante as maravilhas da modernidade. Sistemas morais, estéticos e modelos de v

m, gerando tensão, pois a pobreza e os negros, segundo o projeto da modernidade, necessitam de controle e vigilância, assumindo o posto de um mal que necessita ser exorcizado.

Para a manutenção do poder verticalizado das elites, fez-se necessária a previsão dos comportamentos inaceitáveis. Os protestos

m ser controlados para que não cheguem a acontecer. Para tal, as elites privilegiam o controle do espaço físico e da vida cotidiana dos sujeitos. As ações são planejadas em nome de uma homogeneização que escraviza e prevê todos os movimentos dos indivíduos, fazendo uso da ciência como produtora de verdades acerca das populações pobres, promovendo uma sistemática separação entre as classes sociais para controle de prováveis revoltas e uma exclusão que facilite a visibilidade e objetivação das ações coerci

ções enfocam sistemas raciais e criminais, naturalizando a relação

famílias no mundo. Segundo dados da CEPAL (2004), cerca de 40% da população da América Latina

a consumirem e a assumirem os postos de trabalho subalternos, e porque não dizer, os postos de trabalho- sujo, tais como o de traficante, que são necessárias para a sobrevivência desse próprio sistema.

14 Sabemos que não se trata tão somente de uma questão numérica. A pobreza é realidade para muitas vive em favelas e sofre privações de diversas ordens. Na realidade, de acordo com o pensamento de Santos (1997), as populações pobres e alijadas dos serviços do Estado não sofrem exclusão, a elas é direcionado um poder de inclusão perversa, pois o sistema moderno-capitalista prevê a figura do desprovido a ser explorado, a existência de subjetividades mutantes que estejam dispostas a se sujeitarem,

delinqüência/negro e justificando ações violentas, seja por parte do Estado ou por parte das demais classes sociais (Vergne, 2002; Zamora, 1999).

A verdade produzida pela ciência entrou em cena para combater à desordem. A loucura, a miséria e as revoltas passaram a serem classificadas como desordens a serem enfrentadas. O desenvolvimento científico carrega esta marca, que oculta que estes desvios são produzidos pela mesma mão que gera a ordem (Vergne, 2002).

A história da humanidade está marcada pelo uso da violência em nome da ordem. Desde as primeiras civilizações encontramos formas de violência que tinham respaldo social para se cristalizar. Como forma de educar, encontramos registros históricos que colocam a violência como única maneira de controlar crianças e adolesc

social, chegando a ponto de se compreender a guerra como a única forma de se chegar a

ciedade entes, capaz de instituir uma moralidade socialmente aceita e facilitadora da aprendizagem. Castigos corporais foram muito utilizados, principalmente na Idade Média, para fazer com que estudantes e seminaristas pudessem apreender conteúdos científicos e bíblicos. O medo, segundo as idéias da época, configura-se como principal articulador da aprendizagem. As pautas repressivas, corretivas e punitivas, construídas culturalmente, caracterizavam o pensamento pedagógico da época (Mattos, 2002; Miyahara, 2002).

Das antigas civilizações até o Estado Moderno, vemos como a força vem sendo utilizada para manter a ordem, como estratégia de exercício de poder para subjugar nações, grupos e indivíduos. A violência executada pelo Estado encontra respaldo

uma paz mundial.

Através das instituições, o Estado tem se demonstrado como reprodutor de violência. A representação de que o Estado é o único capaz de conter os desvios individuais e grupais pelo uso da força sempre esteve presente no seio da so

global. A mão de ferro do Estado, através dos seus sistemas de contenção, é concebida como recurso educativo que expurga os comportamentos desviantes. “Sob os governos de Esta

o natural do mais fr

Velho (2000), a adoção, pelas sociedades ocidentais, das idéias individ

ndo campo de alcance. Nas grandes cidades brasileiras, até a metade do sécu

do, estamos correndo risco da dizimação, numa história que vai da pólvora ao míssil, em nome da pacificação da violência” (Passetti, p. 08, 2002). Logo, percebemos que o uso da força e da repreensão são necessárias para a constituição de um Estado como tal, fomentado por um sentido de violência que impõe a dominaçã

aco pelo mais forte.

Estudos sobre violência têm demonstrado que a população jovem é a que tem mais se envolvido em episódios violentos, não só como vítimas, mas também como perpetradores da violência. É acerca desta relação que iremos tratar a seguir.