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2 DO DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA

3.4 Das Alternativas à Jurisdição

Inicia-se, doravante, uma breve apresentação de iniciativas alternativas ou complementares ao sistema judicial, bem como outros métodos de prestação de serviços jurídicos, e de seus correspondentes brasileiros.

Um possível caminho é a instalação de juízos arbitrais. Consiste o juízo arbitral em um procedimento mais informal presidido por um terceiro imparcial com formação jurídica ou técnica especializada, dotado de capacidade decisória. A possibilidade de recurso é mitigada.

Por um lado, as disputas arbitradas tendem a se resolver rapidamente, contudo persiste a barreira de custo, mormente pelo ônus de satisfazer os honorários do árbitro. Na Califórnia (EUA), a nomeação de advogados voluntários sanou essa complicação. Tamanho o sucesso da iniciativa, o programa experimental de arbitragem foi substituído, já em 1976, por um sistema formal de arbitramento compulsório, também disponível por requisição de eventual interessado.

A conciliação é um mecanismo autocompositivo que visa facilitar o diálogo entre polos com interesses contrários e conduzi-los “ao caminho do entendimento, ou seja, à

obtenção de um acordo mútuo e voluntário.” (SANTOS, 2012, p. 112). O conciliador, embora goze de liberdade para participar ativamente e propor soluções, é orientado e fiscalizado pela estrutura judicial.

As vantagens desse procedimento, enquanto mais informal e flexível, ultrapassam as questões relativas ao custo e à celeridade e repousam ainda na possibilidade de restaurar um relacionamento duradouro e continuado, mormente em virtude da atuação colaborativa entre as partes. O sistema judicial, em geral, alimenta a animosidade entre requerente e requerido, culminando com a fixação de um vencedor e um vencido.

Cumpre, no entanto, fazer a seguinte ressalva (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 87):

Mas, embora a conciliação se destine, principalmente, a reduzir o congestionamento do judiciário, devemos certificar-nos de que os resultados representam verdadeiros êxitos, não apenas remédios para problemas do judiciário, que poderiam ter outras soluções.

De fato, a conciliação é prática reiterada e consolidada no Brasil. No processo civil e, em especial, no trabalhista, a tentativa de conciliar as partes é fase obrigatória do procedimento judicial. Contudo, consoante a cultura do litígio, por vezes, essa fase é superada sem grandes esforços do juiz-conciliador, o qual subestima a sua importância para o sistema judicial e, principalmente, para as partes.

Países como a Inglaterra, o Canadá e Austrália adotaram mecanismos de estímulo à conciliação mediante incentivo econômico, dentre os quais se insere o “sistema de pagar o julgamento” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 88). Consiste em apenar o autor que rejeite proposta de acordo quando essa se revele justa e razoável após o provimento final do processo. Nesses casos, caberá ao autor o pagamento das custas totais do julgamento, suas e da parte contrária.

Embora essa proposta logre êxito no seu principal objetivo, qual seja, descongestionar o inchado sistema judicial, de forma frequente, o usuário desse sistema não ostenta os saberes jurídicos e jurisprudenciais necessários para fazer essa avaliação, sendo, portanto, punido desproporcionalmente.

O sistema de Michigan (EUA) apresenta algumas soluções para esse problema: primeiramente, tanto o réu como o autor são passíveis de punição pela recusa de uma proposta razoável, e, por último, o procedimento é acompanhado por especialistas, que determinam um valor adequado, justo e imparcial, para o acordo. Essa medida tende a sanar a falta de experiência de ambas as partes.

Às pequenas causas, foram pensados fóruns adequados e compatíveis com as suas particularidades, em consonância com o novo enfoque do acesso à justiça. Esses fóruns, os quais se distribuíram por países como os EUA, o Canadá, a Inglaterra e a Suécia, visaram tombar as principais barreiras ao acesso desses titulares, quais sejam, os custos, a morosidade, o formalismo e a passividade do julgador nos procedimentos judiciais regulares. Segundo Cappelletti e Garth (1988, p. 97), “o desafio é criar foros que sejam atraentes para os indivíduos, não apenas do ponto de vista econômico, mas também físico e psicológico, de modo que eles se sintam à vontade e confiantes para utilizá-los, apesar dos recursos de que disponham aqueles a quem eles se opõem”.

A questão do custo é enfrentada pela minimização dos gastos judiciais, custas e honorários advocatícios. No segundo caso, mediante o desestímulo, por vezes culminando na proibição, da contratação de advogados como representantes nesses procedimentos. Conquanto controvertida, a medida visa proporcionar um ambiente mais leve e informal às audiências, de modo a propiciar a construção de um consenso. Em verdade, a presença dos causídicos, discípulos da litigância, tende a intensificar a polarização entre as partes, embora há de se reconhecer a sua importância na medida que garante a defesa dos interesses de seus respectivos clientes, especialmente quando inexperientes.

O apreço por soluções consensuais também é qualidade dessas espécies de foro, especialmente pelas razões esposadas no início deste subtópico.

Esses foros objetivam criar uma maior aproximação com o cidadão de forma a ampliar a acessibilidade do espaço e dos horários, disponibilizando atendimentos noturnos aos trabalhadores que se ocupam nos turnos matutino e vespertino. Ademais, aspira-se por uma ruptura com o excesso de formalismo, mormente preconizando procedimentos simplificados e oferecendo funcionários capacitados a auxiliar as partes no curso do processo. Embora não se destinem a essa função, a assistência desses servidores pode sanar a ausência de advogados nos procedimentos que a vetem.

Uma postura mais ativa do juiz, atrelada à informalidade procedimental, tende a equalizar a situação de partes desiguais quanto à capacidade financeira, aos conhecimentos técnicos ou à experiência em juízo. Primeiramente, a realização de audiências, antes e durante o processo, quando despidas dos protocolos de costume, contribui para a dissipação do clima de rivalidade entre os indivíduos. Além disso, a disponibilização de recursos das cortes para a produção de provas (obtenção de pareceres técnicos e testemunhas), especialmente em benefício da parte vulnerável e, portanto, incapaz de produzi-las, concorre para a justeza da providência judicial conclusiva.

Por fim, é proposta de muitos adeptos dos fóruns especiais de pequenas causas que se priorize decisões justas e equânimes às decorrentes da pura letra da lei. Atente-se que não se pode permitir que essas pequenas liberdades conduzam à negligente inobservância da lei, a qual veicula a salvaguarda dos direitos fundamentais.

No Brasil, os Juizados Especiais Cível e Criminal reúnem algumas das características desses fóruns, como visto no capítulo anterior. Compartilham ainda as suas falhas, dentre as quais se destacam a lentidão da resposta, quase tão notável quanto nos juízos regulares, e o insatisfatório desempenho do juiz como conciliador. Explicam Cappelletti e Garth (1988, p. 109-110) que “como conciliador ele pode inconscientemente impor um ‘acordo’ pela ameaça implícita em seu poder de decidir. Como Juiz, ele pode deixar seu esforço de conciliação subverter seu mandato de aplicador da lei”.

Não se pode olvidar dos tribunais de vizinhanças, que representam “a tendência recente para instalar ‘tribunais vicinais de mediação’, a fim de tratarem de querelas do dia-a- dia, principalmente questões de pequenos danos à propriedade ou delitos leves, que ocorrem entre indivíduos em qualquer agrupamento relativamente estável de trabalho ou de habitação” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 114).

A tônica desse instrumento, com versões instaladas nos EUA e em muitos países da Europa Oriental, é solucionar litígios entre integrantes de um mesmo agrupamento visando à “restauração de relacionamentos permanentes e da harmonia na comunidade” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 114). Litígios esses que não seriam resolvidos sem intermediários, nem amparados pelo manto judicial, uma vez que relevantes somente aos envolvidos direta ou indiretamente.

Cumpre apontar que esses tribunais operam mediante a ação de pessoas leigas escolhidas pela comunidade e não acarretam gastos aos usuários. Ademais, em sua maioria, prezam pelas soluções consensuais e não impositivas, conferindo ao agrupamento a auto- gestão de seus conflitos.

No Brasil, iniciativas nesse sentido cultivaram a semente do Programa Justiça Comunitária, o qual se propõe a munir as comunidades e os seus integrantes de autonomia para a administração de sua própria justiça. A seguir, será introduzido o modelo piloto do Programa Justiça Comunitária, o âmago do presente trabalho.

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