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4 O PROGRAMA JUSTIÇA COMUNITÁRIA

4.3 Dos Atores

4.3.1 Do Agente Comunitário

Sobre os agentes comunitários do Programa, recorde-se que é imprescindível à abordagem preconizada pela Justiça Comunitária que sejam principalmente membros da comunidade onde o Programa esteja instalado. Se a finalidade é a realização da justiça segundo o código de valores da comunidade, os intermediários jamais poderão ser

profissionais ou técnicos alienados, “sem qualquer afinidade com a ecologia local” (BRASIL, 2008, p. 39).

No entanto, a eleição de moradores para agentes comunitários não repousa em único fundamento. Por essa escolha, espera-se conhecer e explorar as habilidades e os talentos dos residentes com fins a proporcionar o desenvolvimento pessoal e comunitário. “É por meio do protagonismo dos agentes locais que a comunidade poderá formular e realizar a sua própria transformação” (BRASIL, 2008, p. 39).

Os agentes comunitários são voluntários por excelência. Movidos eles são, portanto, pelo anseio comum de participar da transformação da sua comunidade e contribuir para a melhoria da qualidade de vida de seus vizinhos. Não se poderia dizer, entretanto, que não há retorno para o exercício do voluntariado. Sim, existe, porém se tratam de benefícios imateriais (BRASIL, 2008, p. 129):

É interessante observar, porém, que a relação que se estabelece entre o voluntário e a comunidade beneficiada é bilateral. O voluntário, além de doador, faz-se receptor de novas experiências que possibilitam o aprendizado pessoal e profissional, o reconhecimento e o respeito comunitário, o prazer de ser útil, a descoberta da auto- estima, o sentimento de pertença, o descobrimento do sentido de comunidade. A comunidade, por sua vez, além de proporcionar estes benefícios aos que a ela se dedicam voluntariamente, abre-se para novas possibilidades de trabalhos coletivos, criação de vínculos de solidariedade, estabelecimento de parcerias, respeito à diversidade, enfim, compromisso com o interesse comunitário.

Ademais, o Programa cuida para que os gastos inerentes às suas atividades não sejam arcados pelos agentes. A princípio, eram os atores ressarcidos pelas despesas realizadas no desempenho de suas atividades por meio de um valor fixo mensal. Em um segundo momento, o ressarcimento concordava com a quantidade e qualidade dos casos que atendiam. Hodiernamente, optando por um cálculo mais preciso para a restituição, o Programa exige que os valores gastos sejam devidamente registrados em formulário padronizado pelo agente comunitário responsável.

Deve-se ter em mente, ainda, que os interessados em aderir ao Programa devem atender certos requisitos, exigências essas que se justificam pela natureza do trabalho dos agentes comunitários, como será visto.

São estes os requisitos pessoais: ter 18 anos; saber ler e escrever; participação e/ou interesse em trabalhos sociais, voluntariado, movimentos populares; sociabilidade, comunicabilidade, criatividade, comprometimento, iniciativa e capacidade de síntese; residir por, no mínimo, 1 (um) ano no local onde atuará como agente comunitário; ostentar

referências judiciais e sociais favoráveis, e não estar envolvido diretamente com atividades político-partidárias.

Sobre o grau de instrução, quando fundado o Programa, bastava aos candidatos saber ler e escrever. Contudo, em pouco tempo, o perfil do agente comunitário ficou restrito aos candidatos com o ensino fundamental completo e, por fim, àqueles com o ensino médio completo. Essa medida norteou-se pela observação de que esse último grupo ostentava habilidades decisivas ao adequado desempenho das funções de um agente comunitário, tais como “habilidade de comunicação, potencial cognitivo para assimilação do conteúdo teórico da capacitação e discernimento para relatar os casos atendidos de forma objetiva, destacando os pontos essenciais envolvidos em cada conflito” (BRASIL, 2006, p. 36). No entanto, esse critério fez-se necessário somente nos primeiros anos do Programa, quando diante do desafio de criar um modelo de mediação comunitária. Uma vez consolidado o modelo de mediação com enfoque comunitário, o critério primevo, qual seja, saber ler e escrever, foi resgatado com o fim de ampliar o leque de candidatos a agentes comunitários na seleção de junho de 2007.

Quanto ao engajamento social, a princípio, mirava-se nas lideranças comunitárias, pelo seu poder de mobilizar os moradores e ideal comum de transformar a comunidade. Contudo, foi constatado que a opção por líderes da comunidade poderia acarretar alguns inconvenientes para o Programa. Em primeiro lugar, em reduzido número, não preencheriam a totalidade de vagas para agentes. Ademais, muitos dirigentes mantinham alianças partidárias, e esses vínculos produzem associações indesejadas, mormente em período eleitoral, considerando que o coordenador do Programa é o TJDFT. Por fim, chegou-se a conclusão de que a prevalência de líderes no Programa, atuando como mediadores, poderia comprometer o cerne da mediação comunitária. “Isto porque, o conflito deve ser abordado pelo mediador comunitário como oportunidade de empoderamento das pessoas nele envolvidas. Não se trata, pois, de resolver o problema pelo outro, mas de facilitar que todas as pessoas relacionadas ao conflito tenham condições de gerar suas próprias soluções” (BRASIL, 2008, p. 40).

Sobre as funções inerentes a um agente comunitário, segue um rol detalhado (BRASIL, 2008, p. 43-45):

1. Atender, individualmente solicitantes (individuais ou coletivos) que estejam envolvidos em um conflito; 2. Preencher formulário específico com os dados e a demanda dos solicitantes; 3. Refletir com a equipe interdisciplinar, instalada no Centro Comunitário de Justiça e Cidadania, sobre as possibilidades de encaminhamento do caso atendido; 4. Caso a demanda não seja adequada à

mediação, e havendo interesse dos solicitantes, o agente comunitário poderá encaminhá-los aos núcleos de assistência judiciária gratuitos ou sugerir que procurem um advogado de sua confiança, para o ajuizamento da competente ação judicial; 5. Caso a demanda seja administrativa, informar às pessoas ou grupos sobre os órgãos competentes e documentos necessários para o melhor encaminhamento do caso; 6. Se o caso ostentar vocação para a mediação, esclarecer sobre essa técnica de resolução de conflitos e estimular que todos os participantes do conflito experimentem essa possibilidade; 7. Mediar, em parceria, conflitos entre pessoas ou grupos interessados em solucioná-los sem a intervenção do Poder Judiciário, com vistas a obter um acordo mutuamente aceitável; 8. Fazer o acompanhamento do caso atendido, mesmo que já tenha havido a celebração formal do acordo; 9. Procurar integrar-se à comunidade participando dos eventos comunitários e/ou promovidos por entes públicos; 10. Incentivar a construção de redes na comunidade para a busca coletiva das soluções mais adequadas aos problemas comuns; 11. Divulgar o Programa Justiça Comunitária na comunidade mediante distribuição de panfletos, reuniões com grupos diversos, entrevistas nos meios de comunicação, apresentação de peças teatrais, dentre outros; 12. Participar dos encontros de formação multidisciplinar do Centro de Formação e Pesquisa em Justiça Comunitária; 13. Realizar levantamento das instituições e dos movimentos sociais que operam na área de atuação correspondente a cada agente (confecção do mapeamento social); 14. Partilhar com a comunidade as informações coletadas na confecção do mapeamento social; 15. Buscar a integração entre a comunidade e as instituições mapeadas, visando à animação de redes sociais; 16. Solicitar ajuda à equipe multidisciplinar, sempre que necessário, para a reflexão e compreensão do papel desempenhado; 17. Buscar atualizar-se constantemente, por meio de leituras, debates com os demais colegas, presença nos encontros do Centro de Formação, entre outros. 18. Executar outras tarefas, correlatas às já descritas, que possam surgir com o desenvolvimento do trabalho.

O processo seletivo de agentes comunitários, o qual sofreu contínuas modificações com o fito de aprimorar os procedimentos de recrutamento e seleção de membros da comunidade, não deve ser percebido como uma etapa meramente simbólica em razão do caráter voluntário do ofício (BRASIL, 2008, p. 41):

O fato de o Programa Justiça Comunitária contar com a atuação voluntária de agentes comunitários não significa prescindir de um cuidadoso processo de seleção. Ao contrário, exatamente porque a atividade é voluntária, o nível de compromisso que se espera deve ser aferido, analisando-se em que medida os propósitos do Programa guardam sintonia com os anseios e com o perfil do candidato à Agente Comunitário.

A fase inicial do processo seletivo consiste no recrutamento de membros da comunidade interessados em se candidatar às atividades propostas. Para tanto, é crucial a promoção eventos destinados à divulgação da seleção na comunidade, a distribuição de folhetos e a afixação de cartazes nos espaços públicos, bem como em instituições diversas (escolas, associações de moradores, ONGs), mediante prévia autorização.

Devem ser veiculadas de forma explícita e compreensível as informações relativas à seleção e os requisitos minimamente exigidos ao exercício do ofício, de modo que a adesão do candidato seja consciente e as suas expectativas, adequadas.

Em seguida, realiza-se o cadastramento dos interessados, os quais são convidados a comparecer à reunião de esclarecimentos sobre o Programa. A saber, preferencialmente, esse cadastro deve ser realizado ao longo do ano, sempre que possível. Dessa forma, em caso de um novo processo seletivo, a equipe multidisciplinar entrará em contato com os cadastrados para verificar se persiste o interesse em se candidatar.

Na supramencionada reunião, a ser consumada nos Centros Comunitários do núcleo em questão, prestam-se esclarecimentos sobre o objetivo e o funcionamento do Programa, sobre os requisitos pessoais, os compromissos, as responsabilidades e as atividades gerais de um agente comunitário, entre outras noções importantes. Cumpre reiterar que é fundamental o encontro entre as expectativas dos candidatos e as exigências do Programa.

Apresentado um panorama do Programa, os candidatos que se identificarem com a proposta são convidados a se inscrever para a seleção.

A inscrição é efetuada mediante o preenchimento de um formulário específico, no qual constam questões objetivas e subjetivas a seres completadas com os dados pessoais, socioeconômicos e profissionais dos candidatos.

A seleção propriamente dita é concluída em cinco etapas, contudo é primordial a realização prévia de um estudo das atividades a serem executadas pelos futuros agentes comunitários a fim de traçar um perfil ideal de habilidades e aptidões a que os candidatos devem se aproximar.

Empós, procede-se à análise crítica dos formulários de inscrição, na qual será apurada a presença dos requisitos objetivos e identificada a existência de traços pessoais relevantes.

Então, é feita a pesquisa por referências judiciais e sociais. Em primeiro momento, verifica-se o registro do candidato no sistema judicial e, em segundo, investiga-se a sua reputação enquanto membro da comunidade, sob o escopo de “averiguar em que medida os membros da comunidade conhecem e respeitam o(a) candidato(a) e se há algo de natureza grave em seu comportamento que possa comprometer a sua atuação para a promoção da paz social” (BRASIL, 2008, p. 45).

Em seguida, realiza-se a dinâmica de grupo. Nessa etapa, são observadas e avaliadas, mediante exercícios aplicados pela equipe multidisciplinar, as aptidões dos candidatos para trabalhar em equipes, perceber e solucionar problemas corriqueiros do ofício de agente comunitário. Ainda sobre a dinâmica (BRASIL, 2008, p. 45),

Este mecanismo é um processo vivencial que busca, a partir do contato grupal, promover a integração, o aprendizado e a reflexão. No contexto seletivo, é uma alternativa que possibilita aprofundar o conhecimento dos candidatos, bem como observar as características descritas nos perfis apresentados e a desenvoltura de cada candidato em situação de grupo.

Finalmente, o candidato é entrevistado, ocasião em que se pode confirmar ou refutar as impressões produzidas pela dinâmica de grupo e sanar quaisquer imprecisões acerca do formulário de inscrição.

Superadas as etapas anteriores, a equipe multidisciplinar, ao lado da coordenação e, se possível, de representantes das instituições parceiras, reúnem e comparam os dados armazenados de todos os candidatos e selecionam os que melhor se adequam ao perfil almejado. Após o credenciamento e a consolidação do quadro de novos agentes, o Programa envia, aos demais concorrentes do processo seletivo, uma carta em agradecimento pela participação.

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