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O Programa justiça comunitária e os seus impactos na promoção da justiça social e cidadã

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

BEATRIZ NUNES MACÊDO PEREIRA

O PROGRAMA JUSTIÇA COMUNITÁRIA E OS SEUS IMPACTOS NA PROMOÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL E CIDADÃ

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BEATRIZ NUNES MACÊDO PEREIRA

O PROGRAMA JUSTIÇA COMUNITÁRIA E OS SEUS IMPACTOS NA PROMOÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL E CIDADÃ

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profa. Dra. Gretha Leite Maia Messias.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

P436p Pereira, Beatriz Nunes Macêdo.

O Programa Justiça Comunitária e os seus impactos na promoção da justiça social e cidadã / Beatriz Nunes Macêdo Pereira. – 2015.

137 f.: il. color. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2015.

Área de Concentração: Direito Processual Civil. Orientação: Profa. Dra. Gretha Leite Maia Messias.

1. Mediação - Brasil. 2. Acesso à justiça. 3. Arbitragem (Processo civil) – Brasil. I. Messias, Gretha Leite Maia (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

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BEATRIZ NUNES MACÊDO PEREIRA

O PROGRAMA JUSTIÇA COMUNITÁRIA E OS SEUS IMPACTOS NA PROMOÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL E CIDADÃ

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Profa. Dra. Gretha Leite Maia Messias (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. Dr. Fernando Basto Ferraz

Universidade Federal do Ceará (UFC)

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, José Maria e Ana Maria, por tudo que fui, sou e serei. Dedico a vocês a minha vida inteira.

À minha irmã, Bárbara, pelo apoio, que, de tão abnegado e inesgotável, seria digno de uma coautoria da minha vida. It’s you and me against the world, sis!

Ao meu amigo, meu professor, meu psicólogo, meu par, Guilherme, por me acompanhar de fitas, me ajudar a decorar as colinas e me emprestar a sua neblina.

Ao meu anjo, Glacê, pelo carinho e pela companhia nas madrugadas de muito estudo e trabalho.

Ao meu segundo lar, Curso Paulo Freire, pelo aprendizado e pelos amigos, Alexandre, Antonietta, Atena, Avelino, Belle, Bruno, Cairo, Casimiro, Cinthya, Davi G., Davi P., Diogo, Eliziane, Enale, Enderson, Ernani, Fabrício, Felipe, Gustavo, Iago, Isabelly, Isa, Ivone, Henrique, João Mateus, João Victor, José Maria, Juan Carlos, Juliana, Lia, Lorena, Lucas A., Lucas B., Manuela, Maria, Marianna, Marley, Matheus, Murillo, Rodolfo, Ronildo, Odara, Pedro, Sabrina, Saraiva, Tatyanne, Tonho, Vicente, Yuri, dentre outros. Nunca me esquecerei do quanto fui feliz em 2012, 2013, 2014 e em um pedacinho de 2015.

Aos meus companheiros noturnos de sala, Nádia, Enale, Lidiane, Vanessa, Bruna, Leandro, Rodrigo César, Jáder, Mateus, Jânio, Saullo, Priscilla, Melka, Larissa, Naime e Alana (companheira honoris causa). Todos, oficialmente e para sempre, meus amigos, independente dos divergentes rumos que tomarmos.

Aos funcionários da Faculdade de Direito, em especial, seu Moura, seu Wilson, seu Marvenier (o “Carequinha”), seu Osvaldo, seu Fabrício, seu Abraão, seu Beto, dona Márcia, Paulo, Caio, Moisés, Igor, Rodrigo, Marcelo, Nelson e moços do estacionamento, por serem a minha companhia, o meu refúgio e o meu forte na faculdade.

Aos outros amigos e colegas colecionados durante os 5 anos de faculdade, pelas conversas de sala de aula e de corredor. Até mais e obrigada pelos peixes.

À inteira equipe do Núcleo de Mediação Comunitária do Bairro XXIII, dona Ivonete, tia Leda, seu Ribeiro e Francisco, pelo amor e dedicação à sua comunidade. Pessoas como vocês inspiraram este trabalho.

À professora Zaneir Gonçalves Teixeira, por aceitar compor a banca e pelas contribuições feitas a este trabalho. Obrigada por fazer parte da minha história.

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There was a boy A very strange enchanted boy They say he wandered very far, very far Over land and sea A little shy and sad of eye But very wise was he

And then one day A magic day he passed my way And while we spoke of many things Fools and kings This he said to me "The greatest thing you'll ever learn Is just to love and be loved in return

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Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão.

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RESUMO

O Programa Justiça Comunitária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, criado em 2000, consiste em alternativa ao tradicional sistema de resolução de conflitos, fundado exclusivamente no poder-dever do Estado de dizer a providência legal aplicável ao caso concreto. Com esteio nas atividades de informação jurídica, mediação e animação das redes sociais, o Programa tem por escopo devolver à comunidade a autonomia para dirimir as discórdias havidas no seu seio sob um formato mais adequado à realidade que lhe é própria, consagrando o acesso à justiça no seu enfoque mais atual e amplo. Cappelletti e Garth entendem ser um imperativo dos tempos modernos a reflexão sobre o conjunto de instituições e mecanismos de prevenção e processamento de disputas. No Brasil, a crise da inacessibilidade, denunciada pela lotação de processos e pela morosidade na prestação jurisdicional, revela raízes sociais e históricas mais profundas do que aparentam. O Poder Judiciário está no cerne da discussão, uma vez que se questiona a sua aptidão para o trato de demandas que versem sobre direitos especiais (pequenas causas, direitos coletivos e difusos). Nesse diapasão, os métodos alternativos de resolução de conflitos, nos quais se insere Programa Justiça Comunitária, vem espaço no cenário jurídico, contudo, não se deve restar clara a ausência da pretensão dessas alternativas de esvaziar a função ou a relevância do Poder Judiciário. Tal órgão busca agir onde o braço jurisdicional, por vezes, não alcança, busca embalar os cidadãos desamparados por um sistema judicial excludente e ininteligível.

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ABSTRACT

The Community Justice Program of the Court of Justice of the Federal District and Territories, created in 2000, consists of an alternative path to the traditional system of conflict resolution, based solely on the power and duty of the State to determine the applicable legal measure in the case under exam. Promoting services of legal information, mediation and social networks animation, the program’s main objective is to return to the community the autonomy to settle quarrels within its premises in a more adequate format considering its own context, establishing access to justice according to the latter’s most current and widest approach. Cappelletti and Garth consider the reflection on the set of institutions and mechanisms for the preventing and processing disputes as an imperative of modern times. In Brazil, the crisis of inaccessibility, denounced by stocking processes and the delays in adjudication reveals social and historical roots deeper than they appear. The judiciary is at the core of the discussion, since there has been questioning of its ability to effectively resolve demands that deal with special rights (small claims, collective and diffuse rights). In this vein, the alternative dispute resolutions, with which operates Community Justice Program, has a soaring relevance in the legal scenario, however, must remain clear the lack of ambition of these methods to empty the relevance of the judiciary. The program seeks to act where the State arm is unable to reach, hence sustaining helpless citizens from a excluding and unintelligible judicial system.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Atendimentos por Finalizações ... 62

Tabela 2 - Atendimentos por Número de Pessoas (Direta e Indiretamente Afetadas) ... 62

Tabela 3 - Atendimentos por Área Jurídica ... 63

Tabela 4 - Atendimentos por Gênero do Assistido... 63

Tabela 5 - Atendimentos por Renda Familiar do Assistido... 63

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ABREVIATURAS E SIGLAS

CF Constituição Federal

DPDF Defensoria Pública do Distrito Federal

EUA Estados Unidos da América

MPCE Ministério Público do Estado do Ceará

MPDFT Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

ONG Organização Não Governamental

PRONASCI Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania SENASP Secretaria Nacional de Segurança Pública

SM Salário Mínimo

SRJ Secretaria de Reforma do Judiciário

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 16

2 DO DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA ... 19

2.1 Dos Obstáculos ao Acesso à Justiça ... 20

2.2 Das Ondas pelo Acesso à Justiça ... 23

3 O JUDICIÁRIO BRASILEIRO E A NECESSIDADE DE MODELOS ALTERNATIVOS ... 34

3.1 Contextualizando o Poder Judiciário ... 34

3.2 Do Protagonismo do Poder Judiciário ... 37

3.3 Da Necessidade de Modelos Alternativos à Jurisdição ... 39

3.4 Das Alternativas à Jurisdição ... 43

4 O PROGRAMA JUSTIÇA COMUNITÁRIA ... 47

4.1 Contextualizando o Programa Justiça Comunitária ... 47

4.2 Das Parcerias Institucionais ... 49

4.3 Dos Atores ... 52

4.3.1 Do Agente Comunitário ... 52

4.3.2 Da Equipe Multidisciplinar ... 57

4.4 Das Atividades do Agente Comunitário ... 58

4.5 Da Infraestrutura ... 60

4.6 Da Prestação de Contas ... 61

4.7 Das Estatísticas ... 62

5 O NÚCLEO DE MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA DO BAIRRO JOÃO XXIII ... 66

5.1 Apresentação ... 66

5.2 Entrevista ... 67

5.3 Mediação ... 75

5.4 Casos Concretos ... 77

5.4.1 O Caso da “Paixão Adolescente” ... 77

5.4.2 O Caso do “Lixo na Calçada” ... 78

5.4.3 O Caso do “Pai de Família” ... 80

5.4.4 O Caso do “Estabelecimento Alugado” ... 81

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 83

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APÊNDICE A – ROTEIRO DA ENTREVISTA APLICADA À EQUIPE DO NÚCLEO DE MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA DO BAIRRO JOÃO XXIII ... 88 APÊNDICE B – ESTATÍSTICA ANUAL DE 2013 DO NÚCLEO DE MEDIAÇÃO

COMUNITÁRIA DO BAIRRO JOÃO XXIII ... 89 ANEXO A – ESTATÍSTICA ANUAL DE 2013 DO PROGRAMA JUSTIÇA

COMUNITÁRIA ... 119 ANEXO B – FORMULÁRIO DE ATENDIMENTO DO NÚCLEO DE MEDIAÇÃO

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1 INTRODUÇÃO

Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal do Brasil, a reputada Constituição Cidadã. O efusivo aposto se justifica pelo rico leque de direitos e garantias arrolados pela Carta, marco inaugural do período democrático após longos vinte anos de regime ditatorial.

Foram contemplados naquele rol direitos individuais e coletivos, materiais e processuais, em clarividente escopo do constituinte de amparar o cidadão, enquanto indivíduo e unidade de um coletivo, em todas as etapas de sua vida. Contudo, não bastava outorgar-lhe uma série de direitos, sem lhe proporcionar os meios de exercê-los e reivindicá-los. Portanto, permeiam o diploma constitucional normas declaratórias e assecuratórias, isto é, a Carta Magna transcendeu a superficialidade da enunciação de um interesse e partiu para a indicação dos mecanismos hábeis à sua salvaguarda.

Essa distinção, no entanto, não impõe uma rígida fronteira entre os conceitos de direito e garantia. O acesso à justiça, previsto no art. 5º, XXXV, CF, por exemplo, demonstra a possibilidade de haver interseção entre os dois conjuntos: é, simultaneamente, direito negativo do cidadão à abstenção do Estado, por intermédio do Poder Judiciário, em apreciar lesão ou ameaça de direito, e garantia à salvaguarda dos demais direitos, patrimônio jurídico do cidadão, pela vereda judicial.

O acesso à justiça, portanto, preconiza a defesa dos interesses do cidadão, mediante o recurso ao Poder Judiciário, ao qual é vedado escusar-se de julgar lesão ou ameaça de direito. Trata-se essa definição de sua acepção formal, enquanto a acepção material de acessibilidade dialoga com a efetiva resolução de um conflito entre indivíduos, mediante um processo equilibrado e garantindo um resultado justo.

Interessante reparar que esse último alcance do direito de acesso à justiça, a ser tratado com maior propriedade no capítulo seguinte, não reconhece a providência da justiça unicamente pela obtenção de uma resposta jurisdicional e, igualmente, não condiciona a sua realização ao uso do canal judicial.

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Os caminhos extrajudiciais de resolução de contendas são, hoje, uma opção atraente em virtude da delonga das cortes de justiça em responder definitivamente um pleito a elas submetido. Ademais, a inadequação do Judiciário clássico no trato de demandas especiais (pequenas causas, diretos coletivos e difusos) e a incongruência do vínculo entre o cidadão médio e o clássico sistema jurídico-judicial, em sua essência positivista, burocrática e formalista, contribuem substancialmente para o efeito repulsivo sobre o jurisdicionado, o qual, por essa soma de razões, mantém-se silente diante de eventuais bloqueios ao exercício de seus direitos.

Os motivos são ainda mais numerosos, como será evidenciado neste trabalho, no entanto, é cediço constatar que não mais o Poder Judiciário é pautado como o único recurso à pacificação social. E é crucial que assim o seja.

Nesse diapasão, será introduzido o Programa Justiça Comunitária, criado em outubro de 2000, que objetiva empoderar a comunidade de meios para a gestão e solução de disputas nascidas em seu interior. Embora criado e mantido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, o Programa distancia-se da tradicional abordagem de conflitos, capacitando os próprios moradores para que desempenhem, voluntariamente, as funções de educação jurídica, mediação comunitária e animação de redes sociais. Essas atividades corroboram para o desenvolvimento da consciência crítica e reflexiva dos moradores, incluídos os agentes comunitários, e para o estreitamento e dinamismo do elo entre os integrantes da comunidade, os quais, por si só, detêm a capacidade latente de transformar o seu berço. Nesses superados dez anos de atuação, o Programa, além de ostentar dados estatísticos otimistas, incentivou a fundação de iniciativas de núcleos semelhantes em outras unidades da Federação.

Para a conclusão deste trabalho, foram empregados os métodos de pesquisa bibliográfica, a partir da leitura de livros, artigos, relatórios oficiais, sites e legislações; documental, pela busca e anexação de relatórios de desempenho e levantamentos estatísticos do Programa Justiça Comunitária; de levantamento de campo, mediante a prática da visitação e entrevista aplicada no Núcleo de Mediação Comunitária do Bairro João XXIII; e, por fim, de estudo de caso, a partir da apresentação de procedimentos de mediação, presididos pela equipe de profissionais do Núcleo já citado.

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justiça.

O segundo capítulo discorre sobre a incongruência entre o Poder Judiciário e as causas sociais, perpassando a sua evolução histórica até atingir o seu momento atual, de questionável protagonista no amparo dos direitos lesados. Então, serão abordados métodos alternativos de solução de conflitos, nascidos da urgência por um novo recurso, diverso da jurisdição.

O terceiro capítulo apresenta o modelo piloto do Programa Justiça Comunitária, originado no Distrito Federal, em seus pormenores.

O último capítulo finaliza a abordagem deste trabalho arrolando a experiência de um Núcleo fortalezense de Justiça Comunitária: o Núcleo de Mediação Comunitária do Bairro João XXIII. A visitação e a entrevista renderam um rico relato a respeito do funcionamento, da estrutura e dos princípios daquele centro de pacificação social.

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2 DO DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA

O direito de acesso à justiça é, certamente, um de difícil definição. Nos tempos modernos, no entanto, a tarefa de defini-lo se tornou tão complexa quanto necessária. Para os processualistas atuais, esse é um dos pontos centrais de suas pesquisas, tendo em vista o descontento generalizado com as cortes de justiça e os tradicionais mecanismos de processamento de litígios.

Certamente, existem divergências quanto à qual deva ser a amplitude desse direito. E as agendas políticas e os interesses econômicos são determinantes nessa discussão. Contudo, estamos com Cappelletti quando afirma que “os juristas precisam, agora, reconhecer que as técnicas processuais servem a funções sociais” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 12). O jurista italiano, igualmente diretor do Centro de Estudos de Direito Processual Comparado de Florença, um projeto de pesquisa que, concluído em 1979, foi destinado a investigar o acesso à justiça em nível internacional, diante da questão primordial deste capítulo, assenta o direito de acesso ao sistema jurídico - em suas palavras, “o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver os seus litígios sob os auspícios do Estado” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 8) - sobre dois pilares fundamentais: a igualdade de acesso e a justiça do resultado. Significa dizer que o fim jurídico a ser conquistado com a perfeita efetivação desse direito é a plena igualdade entre os sujeitos envolvidos, de forma que a prestação jurisdicional final dependa apenas dos “méritos jurídicos relativos das partes antagônicas” e consista em um “resultado individual e socialmente justo” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 8).

Fixando essa definição como paradigma de nosso estudo, percebe-se que o acesso à justiça deve ser o mais amplo possível. Sabe-se utópica a conquista da pura igualdade entre os homens, contudo que mal faz espelhar-se nesse ideal? Resta aos juristas avançarem progressivamente rumo a esse objetivo, tal qual uma assíntota, programando cada passo e o seu custo, sem jamais acomodar-se com as vitórias colecionadas no caminho.

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2.1 Dos Obstáculos ao Acesso à Justiça

Haverá o desequilíbrio de forças sempre que fatores estranhos ao Direito interferirem no provimento final do processo. Faz-se referência às circunstâncias e possibilidades pessoais de cada litigante, as quais tendem a oferecer-lhes vantagens, ou obstáculos, e põem em risco o caráter justo da prestação jurisdicional. Enumerar-se-á algumas para, então, tratar individualmente de cada: os recursos financeiros, a aptidão para reconhecer um direito (e, consequentemente, a sua lesão), conhecimento da maneira de ajuizar e de se defender de uma demanda, a disposição psicológica para recorrer a processos judiciais e a frequência do contato com o sistema judicial.

A capacidade financeira de um litigante é, talvez, o mais óbvio ponto de divergência. Não é difícil compreender por que a vantagem está com quem detém posses que façam frente às custas dos processos e o sustentem ao longo da sua duração.

As elevadas custas processuais, dentre as quais merecem maior atenção os honorários advocatícios, são verdadeiras barreiras ao acesso na medida em que tornam o recurso ao sistema judicial uma aventura, para muitos, dispendiosa em demasiado, especialmente nos países que adotam o instituto do ônus da sucumbência como o Brasil. Independentemente da veracidade do direito alegado, as incertezas do processo, naturalmente, minam qualquer garantia de sucesso que possa ter o autor. Portanto, resta-lhe apenas esperar que os gastos assumidos sejam compensados pelo direito enfim reconhecido. Outros fatores, no entanto, tendem a dilatar o custo do processo, como a seguir será visto.

Soma-se a duração, por vezes, não razoável do processo. No Brasil, um processo de maior complexidade pode perdurar mais de 10 anos até a sua conclusão. Um processo longo, por excelência, multiplica os gastos das partes e induz a menos empossada a renunciar ou transacionar por um direito aquém ao que porventura merecesse. O elo mais fraco da corrente é sempre o que rompe primeiro.

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Registre-se o valor da celeridade para o presente estudo, contudo, não se perca de vista que “não podemos transformar a justiça rápida num fim em si mesmo. [...] Uma interpretação inovadora, contra a rotina, mas socialmente responsável, pode exigir um tempo adicional de estudo e reflexão” (SANTOS, 2007, p. 27). Por outro lado, a infundada morosidade do sistema judicial, seja pelo excesso de burocracia (morosidade sistêmica) ou pelos obstáculos interpostos pelos interesses em causa (morosidade ativa), deve sim ser combatida, sempre com vistas à qualidade, e não quantidade, de justiça.

Sobre a questão, Ricardo Goretti Santos (2012, p. 60) faz, ainda, a ressalva:

Mas apesar das críticas ofertadas ao formalismo jurídico, não pretendemos aqui, como também não pretenderam os pesquisadores do Projeto Florença, negar importância da formalidade particular dos procedimentos processuais, como instância assecuratória de garantias processuais e constitucionais fundamentais. Nossa pretensão restringe-se, tão-somente, em condenar a usual idéia de que o componente normativo seria o principal do Direito, assim como qualquer pensamento que tome o processo como um fim em si mesmo.

Ainda sobre as custas, é importante apontar que as pequenas causas são as principais vítimas do custo excessivo de um processo. Nelas, a relação de custo e benefício é menor, isso quando existir benefício final, por óbvio. Note-se que nada impede que uma pequena causa seja complexa, trabalhosa, desde que o valor da causa consista em soma relativamente pequena.

Ressalte-se que um julgador passivo contribui em muito para alongar a distância entre partes já diferentes. Ao transferir-lhes o ônus de decidir acerca do rumo da causa, das provas a serem produzidas etc., o juiz, ao contrário do que se pensa, não está oferecendo oportunidades iguais a ambas na medida em que não se pode negar que as partes gozam de possibilidades distintas: uma detém vantagem estratégica sobre a outra.

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O reconhecimento da existência de um direito reivindicável e o conhecimento do procedimento de reivindicação são requisitos à acessibilidade da Justiça. A sua ausência, ao contrário de outras barreiras ao acesso, não se limitam aos mais pobres. Pode-se dizer precário ou inexistente o conhecimento jurídico de um cidadão comum, ao qual a assistência por advogado é, portanto, imprescindível nas questões jurídicas mais básicas. Tais saberes são propriedade de uma classe intelectualizada e restrita da sociedade.

À última, relaciona-se à próxima barreira: a disposição psicológica do indivíduo em acionar o Poder Judiciário. Significa que se tornou lugar comum, ao longo da história do órgão e de sua relação com a sociedade, compreender o Judiciário e os seus membros como autoridades inalcançáveis, por vezes opressoras, e então dispensar a via judicial como um caminho para a solução de conflitos. Nas palavras de Boaventura de Sousa Santos (2007, p. 31),

[...] há depois, uma outra área, que é a da procura suprimida. É a procura daqueles cidadãos que têm consciência dos seus direitos, mas que se sentem totalmente imponentes para os reivindicar quando são violados. Ficam totalmente desalentados sempre que entram no sistema judicial, sempre que contactam com as autoridades, que os esmagam pela sua linguagem esotérica, pela sua presença arrogante, pela sua maneira cerimonial de vestir, pelos seus edifícios esmagadores, pelas suas labirínticas secretarias etc.

Por fim, distinguem-se entre si os litigantes pela frequência do contato com o sistema judicial. Cappelletti e Garth (1988, p. 25) apontam que a experiência em juízo proporciona inúmeros benefícios estratégicos a uma parte veterana. Arrola o professor as seguintes vantagens:

1) maior experiência com o Direito possibilita-lhes melhor planejamento do litígio; 2) o litigante habitual tem economia de escala, porque tem mais casos; 3) o litigante habitual tem oportunidades de desenvolver relações informais com os membros da instância decisora; 4) ele pode diluir os riscos da demanda por maior número de casos; e 5) pode testar estratégias com determinados casos, de modo a garantir expectativa mais favorável em relação a casos futuros.

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2.2 Das Ondas pelo Acesso à Justiça

Como antes informado, as barreiras do acesso à justiça são uma das maiores preocupação dos modernos processualistas. Muitas delas, a saber, foram já objeto de reformas pelo Poder Público. A título de exemplo, no Brasil, a edição da lei 1.060/50 garantiu a assistência judiciária gratuita, por patrocínio das esferas federal e estadual do poder, a todos “cuja situação econômica não lhes permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família” (art. 2º, parágrafo único). O procedimento de afirmação da hipossuficiência foi ainda facilitado pela lei 7.510/86, que, alterando a redação do art. 4º da lei de 1950, condicionou a concessão do benefício à simples declaração do pleiteante do seu estado hipossuficiente.

Outra reforma de valor ao ordenamento jurídico foi a instituição do Juizado Especial de Pequenas Causas pela lei 7.244/84, ulteriormente revogada pela lei 9.099/95. A última lei, cumprindo o comando constitucional (art. 98, I, CF/88), reformulou o instituto e regulamentou os ora reputados Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Os juizados proporcionam o acesso a uma justiça célere às simples e pequenas causas. Orientados pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, celeridade e a busca da conciliação, os processos tramitam pelos juizados livres das amarras das formalidades típicas do juízo comum, tais como o pagamento de custas e a representação por advogado, garantindo um tratamento diferenciado às causas de menor complexidade. Continua Santos (2007, p. 61):

Dessa forma, pode considerar-se que o desempenho dos juizados é marcada por um funcionamento célere, eficiente e eficaz, que procura a solução racional dos bloqueios e valoriza as decisões da primeira instância, contribuindo, desse modo, para que o índice de recurso seja baixo (31,2%) assim como o índice de reforma total das decisões recorridas (12,4%).

Costa (2013) sintetiza as implicações dos Juizados sobre o direito de acesso à justiça:

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valorização da conciliação como forma de composição do litígio; f) Possibilidade de funcionamento fora dos horários normais de trabalho.

Nos capítulos subsequentes, medidas que visam universalizar o acesso à justiça ao oferecer um caminho diverso da jurisdição serão apresentadas e abordadas.

Contudo, nem sempre foi meta do Estado assumir o dever de promover o acesso universal à justiça. Durante os séculos XVIII e XIX, imperava o Estado Liberal e o direito formal de obter proteção judicial a um interesse lesado. Dizia-se formal porque decorrente da lei, mas, na prática, o acesso era concedido a quem dispunha dos meios de custear a prestação jurisdicional. Aos menos empossados, o recurso à via judicial, conquanto direito incluído no seu patrimônio jurídico, não era uma opção. “O acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à igualdade, apenas formal, mas não efetiva.” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 9).

O Estado Liberal permanecia passivo diante das circunstâncias que obstacularizavam o efetivo acesso à justiça. Esse era concebido como um direito natural, anterior ao Estado, e a sua proteção exigia deste apenas o bloqueio contra a lesão por terceiros. À época, o Direito e seus estudiosos permaneciam afastados da realidade e das problemáticas sociais. A pesquisa e o estudo jurídico, puramente dogmáticos e formalistas, eram alheios aos problemas reais. “O processo, no entanto, não deveria ser colocado no vácuo” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 12).

Novas reflexões sobre o acesso à justiça surgiram na transição do Estado Liberal para o Social na passagem do século XIX para o XX, quando os direitos coletivos e os sociais ganharam visibilidade e importância. Uma postura ativa do Estado, no sentido de assegurá-los aos seus titulares, foi, então, necessária e esperada. Concluem Cappelletti e Garth (1988, p. 11-12) que:

De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para a sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.

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importante lição a ser extraída de seus esforços é que a superação dessas barreiras não se trata de uma tarefa simples. Muitos dos problemas estão interligados, de modo que a solução para um pode intensificar o outro e vice-versa. Cappelletti e Garth (1988, p. 29) citam o imbróglio decorrente de desobrigar a representação por advogado a fim de reduzir os custos processuais. A medida tende a desproteger o litigante mais inexperiente, de baixo nível econômico e educacional, se diante de um adversário acompanhado por um profissional. Por essa causa, acima cumpre ratificar que cada passo rumo ao acesso deve ser pensado e repensado, avaliando sempre o seu custo e as suas repercussões.

As três ondas, como ficaram conhecidas as tais manifestações nos países ocidentais, foram fruto do momento histórico em que emergiram e apresentaram soluções para os problemas em destaque na sua época. A seguir, versar-se-á sobre os acertos e as deficiências de cada onda, o que ajudará na compreensão das próprias urgências do tempo presente.

A primeira onda enfrentou o obstáculo econômico. Sabe-se ser uma exigência legal o acompanhamento por advogado na esmagadora maioria dos procedimentos judiciais. Quando não decorre da lei, a presença do causídico resguarda a sua importância em virtude da já tratada falta de identidade do cidadão comum com o sistema jurídico-judicial. Linguagem hermética, procedimentos labirínticos e leis indecifráveis são elementos desse sistema que denunciam o quão desconexo ele é da realidade da maioria dos jurisdicionados. Nesse sentido, o advogado, mais que um assistente, é o guia de seu cliente, por sua vez, um turista em solo desconhecido.

Buscava-se, destarte, pensar um sistema de orientação e assistência judiciárias, gratuitas e integrais, para os incapazes de custeá-la. Em verdade, a iniciativa não era inovadora. Mesmo nos Estado Liberais, existiam programas dessa natureza, que consistiam na concessão de assistência graciosa por exclusiva iniciativa privada, sem contraprestação (munus honorificum) aos prestadores. O Estado, como visto, não intervinha. Lembrar que “afastar a ‘pobreza no sentido legal’ – a incapacidade que muitas pessoas têm de utilizar plenamente a justiça e suas instituições – não era preocupação do Estado.” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 9).

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Na década de 1960, a assistência judiciária ganhou novamente relevância política e se tornou alvo da agenda de reformas judiciárias. Será visto que um verdadeiro abismo emergiu entre essas reformas e os “anacrônicos semicaritativos programas, típicos do laissez-faire.” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 33).

O sistema Judicare, naturalizado britânico, consistia em um programa de remuneração de advogados particulares pelo Poder Público a fim de prestarem assistência jurídica gratuita. A boa remuneração atraia inúmeros profissionais da área que concordaram em aderir ao programa, conferindo, aos destinatários, um leque de opções das quais não disporiam em outras circunstâncias.

Tal sistema, contudo, não estava isento de críticas. Ainda denunciaram o caráter restritivo do programa, seja pelos numerosos requisitos à habilitação dos beneficiários, seja por destinar-se apenas ao tratamento de interesses e causas individuais, negligenciando os direitos coletivos e difusos e, consequentemente, sacrificando a consciência de classe do cliente.

Outrossim, mais grave crítica aponta deficiências no próprio serviço prestado, um vez que (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 33):

faz pouco para atacar barreiras causadas por outros problemas encontrados pelos pobres. Isso porque ele confia aos pobres a tarefa de reconhecer as causas e procurar auxílio; não encoraja, nem permite que o profissional individual auxilie os pobres a compreender seus direitos e identificar as áreas em que se podem valer de remédios jurídicos.

O Judicare, portanto, transpôs a barreira do custo ao oferecer representação judicial gratuita, ignorando outros obstáculos, igualmente incômodos, ao acesso efetivo.

Para a solução desses outros problemas, foi criado o sistema de advogados públicos, isto é, mantidos pelo Estado. Esses escritórios se especializaram em defender os direitos dos pobres, enquanto classe. Nesse diapasão, foram além da mera assistência em juízo, dedicando-se a conscientizar os destinatários do programa acerca dos seus novos direitos e a mobilizá-los a lutar pelos seus interesses, dentro e fora das cortes de justiça.

(27)

Talvez, a sua mais relevante atuação tenha se dado no campo da reivindicação de novos direitos, coletivos e difusos, aos seus clientes, mediante o exercício de atividades de

lobby e outras extrajurídicas, visando a reformas na legislação em favor dos defendidos. Esse sistema, igualmente, não foi imune a críticas. Taxaram-no de iniciativa paternalista porque reduzia a figura do beneficiário a um incapaz, carente de consciência e de um intermediário que o sub-rogue na defesa de seus interesses.

Em segundo lugar, deram os advogados atenção quase que exclusiva aos direitos coletivos e difusos de seus clientes, desprestigiando as causas individuais que porventura surgissem. A saber, o número de profissionais nunca fora suficiente para atender a todos que do serviço necessitavam, dessa forma, foi opção do programa priorizar os interesses de classe dos mais necessitados. Não havia, também, os meios para estender o benefício à classe média. Por fim, o mais sério problema imputado ao sistema repousa no prejudicial vínculo ao Poder Público. Sabe-se que numerosas ações, em defesa de direitos coletivos e difusos, são movidas contra o Estado. A sua dependência do suporte governamental, portanto, levantou o questionamento acerca da efetividade dessas ações na eventualidade de o Estado situar-se no polo passivo.

Em cotejo com o Judicare, a equipe de advogados públicos apresentou avanços e derrotas. Ambos foram sistemas com falhas e acertos, contudo, quando oferecidos simultaneamente, compensaram-se. Uma vez combinados, com a criação do sistema misto, foi dada a escolha ao beneficiário de um ou outro quando melhor lhe conviesse, afinal, os advogados particulares do Judicare priorizam a salvaguarda dos direitos individuais, enquanto as equipes de advogados públicos engajaram-se na defesa e ampliação dos direitos de classe.

Embora elogiáveis, os expedientes apresentados acima não lograram êxito na “concretização dos desafiadores propósitos do movimento em sua primeira onda” (SANTOS, 2012, p. 61). Cappelletti e Garth (1988, p. 47) elencam as principais limitações dos modelos:

A assistência judiciária, no entanto, não pode ser o único enfoque a ser dado na reforma que cogita do acesso à Justiça. Existem limites sérios na tentativa de solução pela assistência judiciária. Antes de mais nada, para que o sistema seja eficiente, é necessário que haja um grande número de advogados, um número que pode até exceder a oferta, especialmente em países em desenvolvimento. Em segundo lugar, mesmo presumindo que haja advogados em número suficiente, no país, é preciso que eles se tornem disponíveis para auxiliar aqueles que não podem pagar por seus serviços. Isso faz necessárias grandes dotações orçamentárias, o que é o problema básico dos esquemas de assistência judiciária.

(28)

Em terceiro lugar, a assistência judiciária não pode, mesmo quando perfeita, solucionar o problema das pequenas causas individuais. Isso não é de surpreender, pois mesmo aqueles que estão habilitados a pagar pelos serviços de um advogado, muitas vezes não podem, economicamente, propor (e, arriscar perder) uma pequena causa. Logo, os advogados pagos pelo governo também não se dão ao luxo de levar adiante esses casos. Uma vez mais, o problema das pequenas causas exige atenção especial.

No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 ratificou, em seu art. 5º, LXXIV, a assistência judiciária, gratuita e integral, assegurada pela lei 1.060/50 a quem não disponha de recursos suficientes ao custeio de sua defesa em juízo.

A segunda onda preocupou-se com os chamados direitos coletivos e difusos. No Brasil, o Código de Defesa do Direito do Consumidor traz definições sucintas desses direitos no parágrafo único do seu art. 81: “[...] interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” e “[...] interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”.

Santos (2012, p. 63) descreve o cenário socioeconômico em meio ao qual afloraram as preocupações referentes a esses novos direitos sociais, tais como os de caráter trabalhista, previdenciário, ambientalista e consumerista:

O contexto sócio-econômico que motivou a concretização de direitos difusos e coletivos revelou-se marcado por rupturas paradigmáticas decorrentes de um processo de transição de relações econômicas inter-individuais, para instâncias mais complexas, determinadas pela massificação dos sistemas de produção, distribuição e consumo de bens e serviços.

Frise-se que, nesse período, ganharam visibilidade e impulso as causas e pretensões de grupos historicamente alienados, a exemplo de mulheres, idosos, crianças, deficientes e minorias raciais.

Tardia foi a disciplina desses interesses e a sua proteção. Melhor seria dizer que algumas de suas nuances estão ainda em construção; afinal, trata-se de matéria um pouco mais recente e complexa que os direitos individuais, como se está por ver.

Sobre a questão, Santos (2012, p. 63) explica:

(29)

tinham sua tutela dificultada, ou mesmo impossibilitada, por não se fazerem legalmente amparados do ponto de vista processual e material.

A defesa dos direitos difusos esbarra, ainda, em barreiras próprias de sua natureza. Acontece que, apesar da multiplicidade de titulares, a própria lei é restringente quanto à legitimidade ativa nas ações de tutela dos interesses difusos. Criou-se, então, uma verdadeira crise de representação, afinal, mesmo a prestação jurisdicional final sendo-lhe favorável, financeiramente, não atrai um titular singular ajuizar a ação, pois não compensa fazê-lo. Ademais, um eventual litisconsórcio pode ser problemático, caso os coatores não se dediquem a organizar-se e traçar uma estratégia comum.

Se já não bastava, as consagradas noções do processo civil não se adequavam às peculiaridades das ações coletivas. Construídas tradicionalmente aos moldes dos direitos individuais, as normas procedimentais vigentes mostraram-se incapazes de comportar a defesa de um interesse comum a um número indeterminado de pessoas, despertando, assim, a reflexão sobre a unicidade do direito processual e o papel das cortes de justiça, além de levantar questões específicas relacionadas “à legitimidade e à representatividade processual; à atuação dos juízes nos processos coletivos; a procedimentos básicos de citação, intimação e oitiva de testemunha” (SANTOS, 2012, p. 64). Na lição de Cappelletti e Garth (1988, p. 49-50):

A concepção tradicional do processo civil não deixava espaço para a proteção dos direitos difusos. O processo era visto apenas como um assunto entre as duas partes, que se destinava à solução de uma controvérsia entre as mesmas partes a respeito de seus próprios interesses individuais. Direitos que pertencessem a um grupo, ao público em geral ou a um segmento do público não se enquadravam bem nesse esquema. As regras determinantes da legitimidade, as normas de procedimento e a atuação dos juízes não eram destinadas a facilitar as demandas por interesses difusos intentadas por particulares.

A primeira solução encontrada para a defesa dos interesses multilaterais em juízo foi atribuir a um órgão governamental a legitimidade ativa. Embora se mantenha tal modelo em muitos países, a exemplo do Ministério Público no Brasil, inúmeros problemas advêm dessa restrição. Primeiramente, esses órgãos, uma vez vinculados ao Poder Público, submetem-se a pressões políticas. Tal situação não condiz com o posto de protetor dos interesses transindividuais, visto que, por vezes, o próprio Estado é o réu em uma demanda nessa seara.

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Finalmente, a guarda dos novos direitos exige o domínio de saberes outros, alheios à esfera dos conhecimentos jurídicos. Um corpo técnico multidisciplinar, compreendendo especialistas em medicina, zoologia, geografia, contabilidade, urbanismo dentre outras áreas, é fundamental a esse tipo de ação. Os membros do Ministério Público e dos órgãos a ele análogos, todavia, não ostentam essas qualificações técnicas.

É ousado acrescentar que um interesse difuso ou coletivo não é sinônimo de interesse público, do qual é titular o Estado, cabendo a ele a sua salvaguarda. Traduzem os interesses de uma coletividade de indivíduos inominados, no primeiro caso, e de uma classe, no segundo. Nada mais lógico que cada um desses titulares detenha a prerrogativa de acionar o Judiciário em sua defesa.

Nesse sentido, a fim de suplementar a insuficiente ação governamental, outras propostas de reformas sugeriram a ampliação do rol de legitimados para particulares, verdadeiros “demandantes ideológicos” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 55). A possibilidade de uma ação emanada desses procuradores privados impugnar e suspender uma atuação lesiva aos interesses de grupo ordenada pelo Poder Público demonstra o progresso a que se chegou o movimento de defesa desses direitos. E não parou por ai.

Seguiram as propostas de reconhecimento de grupos particulares para atuarem em defesa dos direitos e interesses coletivos. Na França e na Suécia, por exemplo, as associações de consumidores, habilitadas nos termos da lei, passaram a assumir judicialmente a proteção de seus interesses. E a França foi além, estendendo a solução às causas raciais e ambientais.

Na Austrália e na Grã-Bretanha, foi criado o instituto da relator action (ação delegada), por meio da qual um grupo privado não legitimado a propor uma ação de interesse público e coletivo obtém a devida permissão do procurador-geral para fazê-lo.

Algumas críticas foram dirigidas a essas propostas alegando que lhes faltavam medidas de estímulo, organização e fortalecimento dos grupos particulares sem as quais não haveria um número significativo desses coletivos. Cumpre destacar que tais empreendimentos demandavam esforços coordenados, recursos financeiros e qualificações técnicas dos participantes para que operem adequadamente e sirvam aos seus fins. Outrossim, os seus principais adversários são, senão o próprio Estado, organizações poderosas e influentes.

(31)

ameaça de múltiplas indenizações, contudo, não se igualavam aos grandes coletivos, precisando, então, recorrer à prática de lobby e outras atividades extrajurídicas para obter decisões favoráveis.

Citem-se, ainda, as sociedades de advogados de interesse público. Essas sociedades, via de regra sem fins lucrativos, então, mantidas por contribuições filantrópicas, ofereciam assistência jurídica e supervisão constante em relação a “interesses não representados e não organizados” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 63), não se limitando à resguarda dos direitos e interesses dos menos abastados.

Merece destaque a criação americana das assessorias públicas, uma construção intermediária entre a ação governamental e o engajamento de advogados particulares pelo interesse público, coletivo e difuso. Essa instituição une o que há de melhor nas iniciativas pública, a disposição de recurso, e particular, o vigor e a energia para lutar. Cappelletti e Garth (1988, p. 65) exemplificam:

Essa repartição [Escritório de Assessoria Pública, estabelecido nos Estados Unidos em decorrência da Lei de Reorganização Ferroviária Regional de 1973] organizou as comunidades para reconhecer e afirmar os seus direitos; sua função tem sido investigar, auxiliar, mobilizar e, por vezes, subsidiar grupos que, de outra forma, seriam fracos defensores dos interesses dos usuários das ferrovias.

Os escritórios de assessoria popular transpunham a mera representação judicial, educando os titulares sobre os seus direitos e mobilizando-os a, eles próprios, reivindicá-los.

É elementar concluir o estudo da segunda onda apontando que nenhuma das medidas pretéritas é livre de reprovação. A soma e cooperação das soluções arroladas, no entanto, podem auxiliar na derrocada do obstáculo de natureza organizacional e, consequentemente, na efetivação da defesa dos direitos e interesses coletivos e difusos. Basta observar o caso da mobilização de cidadãos mediante a ampliação do rol de legitimados. Permitir a qualquer interessado reivindicar judicialmente a defesa de um direito é sim uma providência adequada, entretanto, o direito pode ser “excessivamente difuso” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 66) para dificultar a organização de um grupo pequeno, quiçá um grupo forte e influente. Nesse caso, outras medidas, como a sociedade de advogados de interesse público, parece uma melhor solução.

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(SANTOS, 2012, p. 65) e aprofunda as reformas, convidando novas reflexões sobre o “sistema de suprimento” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 70), o sistema judicial.

Sucede que a inacessibilidade da Justiça não se resolve com a promoção de representação qualificada. Em verdade, o incremento do acesso universal a todos os direitos, dos mais básicos aos difusos, carece de uma verdadeira renovação do sistema judicial, passando também pela cultura jurídica e judiciária.

Percebeu-se que fogem da zona de conforto do complexo jurisdicional, no qual se inclui o direito processual moderno, determinadas modalidades de conflito por pura inadequação. Justificam Cappelletti e Garth (1998, p. 69):

Não é possível, nem desejável resolver tais problemas [relacionados à ineficácia dos direitos dos pobres] com advogados apenas, isto é, com uma representação judicial aperfeiçoada. Entre outras coisas, nós aprendemos, agora, que esses novos direitos frequentemente exigem novos mecanismos procedimentais que os tornem exequíveis.

Os doutrinadores defendem que a natureza do litígio e as suas particularidades determinem o procedimento de condução e resolução de conflito, isto é, que o processo civil diversifique o tratamento dado às mais variadas espécies de lides e que a jurisdição abra espaço para válidos e alternativos métodos de solução de contendas. Justificam Cappelletti e Garth (1988, p 71-72):

Existem muitas características que podem distinguir um litígio de outro. Conforme o caso, diferentes barreiras ao acesso podem ser mais evidentes, e diferentes soluções, eficientes. Os litígios por exemplo diferem em sua complexidade. É geralmente mais fácil e menos custoso resolver uma questão simples de não-pagamento, por exemplo, do que comprovar uma fraude. Os litígios também diferem muito em relação ao montante da controvérsia, o que freqüentemente determina quanto os indivíduos (ou a sociedade) despenderão para solucioná-los. Alguns problemas serão mais bem “resolvidos” se as partes simplesmente se “evitarem” uma à outra. A importância social aparente de certos tipos de requerimentos também será determinante para que sejam alocados recursos para sua solução. Além disso, algumas causas, por sua natureza, exigem solução rápida, enquanto outras podem admitir longas deliberações.

(33)

Para Cappelletti e Garth (1988, p. 67), a novo enfoque do movimento pelo acesso abrange as ondas anteriores, porém possui alcance bem mais amplo, centrando a sua atenção “no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas”.

Diante dessas constatações, o movimento universal pelo acesso à justiça exprime dois principais, e desafiadores, escopos (SANTOS, 2012, p. 66):

A primeira [frente de ação da terceira onda] teve como propósito central o combate à ineficiência dos sistemas judiciais mergulhados em profundo estado de crise, meta que foi buscada mediante: o desenvolvimento de reformas legislativo-processuais de simplificação e de renovação procedimental (relativização do formalismo); a reestruturação da organização dos tribunais; a adequação de normas de direito processual a determinadas espécies de conflitos; dentre outras. […] A segunda frente, por sua vez (a que mais diretamente nos interessa no presente capítulo), pautou-se na difusão de métodos alternativos de condução e resolução de conflitos, complementares e auxiliadores ao processo judicial na tarefa de composição de conflitos de interesses emanados de sociedades absolutamente desacreditadas do sistema estatal de acomodação de contendas.

(34)

3 O JUDICIÁRIO BRASILEIRO E A NECESSIDADE DE MODELOS ALTERNATIVOS

No último capítulo, foi analisada a evolução do significante “acesso à justiça”. Viu-se que a terceira onda pela acessibilidade, ainda não esgotada, aprimorou as antecedentes, somando à representação qualificada dos direitos propostas de renovação do âmago do sistema judicial.

Ademais, foi visto que, não obstante o Poder Judiciário residir no cerne da insatisfação generalizada para com o tradicional sistema de resolução de conflitos, inúmeras circunstâncias concorrem para a insuficiência e ineficácia da Justiça no Brasil. Tais circunstâncias serão sim abordadas, como já o foram na última seção, porém de forma diluída em meio à análise crítica do Poder Judiciário, o foco do presente capítulo.

3.1 Contextualizando o Poder Judiciário

O Poder Judiciário assume, hoje, a posição de protagonista na promoção da justiça social, o que não significa dizer que está apto ao feito. Em verdade, esse fato contrasta com o viés apático, em matéria de reforma social, que ostentava antes da promulgação do atual diploma constitucional. Tal fenômeno, assevera Boaventura (SANTOS, 2007, p. 11), foi comum ao Brasil e aos seus irmãos continentais:

Na maior parte do século XX, nos países latino-americanos, o judiciário não figurou como tema importante em matéria de reforma, cabendo ao juiz a figura inanimada de aplicador da letra da lei emprestada do modelo europeu. A construção do Estado latino-americano ocupou-se mais com o crescimento do executivo e de sua burocracia, procurando converter o judiciário em uma parte dos aparatos burocráticos do Estado [...] de facto, uma instituição sem poderes para deter a expansão do Estado e seus mecanismos reguladores.

(35)

Além disso, esperava-se dos juízes reais que projetassem certa imagem. A Coroa queria que a vida pessoal deles fosse caracterizada por grande sobriedade e adjetivos como ‘sério, grave, capaz e prudente’ estavam entre os mais altos elogios que um magistrado podia receber.

Nesse sentido, a Coroa não poupava esforços para discriminar os seus fiéis servidores dos jurisdicionados, “para elevá-los acima da sociedade e dar-lhes, por meio de prestígio, riqueza e influência social, uma posição de respeito inatacável” (SCHWARTZ, 2011. p. 149). Os magistrados gozavam de altos salários e isenções de impostos, e eram convidados distintos em eventos e celebrações civis e religiosas. A segregação dos juízes da realidade local culminava com a vedação ao matrimônio com mulheres brasileiras e à compra de terras, dentre outros negócios, na área na qual exercia a jurisdição.

Não o bastante, “ataques físicos a um desembargador eram punidos com a morte e calúnias contra eles resultavam em exílio penal” (SCHWARTZ, 2011. p. 149).

Inevitavelmente, as diligências reais, destinadas a conservar em vácuo o exercício jurisdicional, falharam, ao menos em parte. De fato, o status e as regalias dos desembargadores tornavam-nos irresistíveis aos mais importantes grupos socioeconômicos e às mais influentes famílias. Outrossim, “a dificuldade de influenciar a formação das leis na metrópole e a falta de instituições representativas na colônia obrigavam os grupos de interesse no Brasil a exercer pressão sobre funcionários do governo em nível local.” (SCHWARTZ, 2011. p. 155).

Não era raro, portanto, um juiz que, desvirtuado dos regramentos devidos a sua profissão e impostos pela Coroa, utilizasse o seu cargo para benefícios pessoais. Menos raros, e públicos, ainda, eram os vínculos entre magistrados e notáveis famílias e grupos socioeconômicos, sejam por amizade, casamento ou compadrio.

Contudo, deve-se fazer a seguinte ressalva (SCHWARTZ, 2011. p. 155):

O tipo de recurso social ou econômico que levava os magistrados a estabelecer relações primárias só podia ser oferecido, no Brasil colonial do século XVII, pela elite canavieira branca, por outros funcionários do governo e possivelmente por uns poucos comerciantes atacadistas exportadores. Era pequena a possibilidade de que um sapateiro mulato ou um agricultor branco pobre se tornasse sogro ou sócio comercial de um desembargador.

(36)

faziam, faziam em prol dos elementos mais notáveis e abastados da sociedade brasileira. Não muito diferente do que se observa nos tempos atuais.

Cabe investigar, ainda, a origem dos primeiros magistrados brasileiros. Por todo o período colonial, e adentrando no imperial, a educação foi fator de homogeneização da elite política brasileira, um luxo restrito aos mais abastados. A priori, os intelectuais, primordiais componentes da classe política, vinham de fora, porém, quando brasileiros, obtinham a sua formação no exterior para, então, retornarem a terra natal. Sabe-se, portanto, que os primeiros magistrados foram portugueses, formados em Coimbra.

À época do século XVIII, a Universidade de Coimbra, principal destino acadêmico da elite brasileira, esposava uma ideologia política conservadora, preocupada com a manutenção da ordem e centralização do poder. Mesmo quando tomada pelo Iluminismo pombalino, “seu espírito não era revolucionário, nem anti-histórico, sem irreligioso, como o francês; mas essencialmente progressista, reformista, nacionalista e humanista. Era o Iluminismo italiano: um Iluminismo essencialmente cristão e católico.” (CARVALHO, 2003, p. 67). O grande diferencial do Iluminismo português foi o foco no progresso técnico-científico, com a difusão do ensino das ciências naturais.

Logicamente, o acesso à educação superior, até o início do século XIX, era restrito à elite. Após a Independência, foram fundados dois cursos de Direito, em São Paulo e Olinda, ambos “criados à imagem do predecessor coimbrão” (CARVALHO, 2003, p. 76). Em verdade, explica José Murillo de Carvalho (2003, p. 74-75), o perfil dos alunos não mudou substantivamente:

De modo geral, os alunos das escolas de direito provinham de famílias de recursos. As duas escolas cobravam taxas de matrícula (que no primeiro ano de funcionamento foi de 51$200 réis). Além disso, os alunos que não eram de São Paulo ou do Recife tinham que se deslocar para essas cidades e manter-se lá por cinco anos. Muitos, para garantir a admissão, faziam cursos preparatórios ou pagavam repetidores particulares. Esses custos eram obstáculos sérios para os alunos pobres, embora alguns deles conseguissem passar pelo peneiramento. Menciona-se, por exemplo, a presença de estudantes de cor já nos primeiros anos da Escola de São Paulo, aos quais, por sinal, um dos professores se recusava a cumprimentar alegando que negro não podia ser doutor.

(37)

3.2 Do Protagonismo do Poder Judiciário

A partir do século XX, nada obstante, o Judiciário renovou a sua imagem perante a sociedade brasileira, transmutando-se no principal recurso quando diante de uma ameaça ou lesão de direito, seja individual, coletivo ou difuso. Ver-se-á a seguir algumas das causas que elevaram o Judiciário, antes resignado a um posto secundário (isso quando não protagonista de uma reação conservadora), a um fator decisivo na vida coletiva democrática.

Primeiramente, considere-se o momento histórico dessa transição. O fim do século XX marcou a ascendência do Estado neoliberal como sucessor do intervencionista, soberano na primeira metade do último século. O modelo estatal americano, alicerçado na iniciativa privada, reduz ao mínimo o poder de mando do ente público na economia, de modo a preconizar a auto-regulação do mercado. Assim sendo, os contratos privados ditam os rumos da economia e, a fim de que ostentem segurança e estabilidade, urge-se por um Judiciário rápido, eficaz e independente.

Soma-se a degeneração dos direitos sociais e econômicos, também resultado da constrição do braço estatal. A defesa desses interesses é outra causa de procura das cortes.

Afirma Boaventura (SANTOS, 2007, p. 15) que a pedestalização do Judiciário deriva, ademais, da:

ideia de que as sociedades assentam no primado do Direito, de que não funcionam eficazmente sem um sistema judicial eficiente, eficaz, justo e independente. E, consequentemente, que é preciso fazer grandes investimentos para que isso ocorra, seja na dignificação das profissões jurídicas e judiciárias, na criação de modelos organizativos que tornem o sistema judiciário mais eficiente, nas reformas processuais ou na formação de magistrados e funcionários.

No Brasil, o protagonismo judicial decorre, ainda, de circunstâncias típicas desse país, inerentes às suas culturas política e jurídico-judicial.

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LXXIII) e da dilatação do rol de legitimados a propor a ação direta de inconstitucionalidade (art. 103, posteriormente ampliado pela Emenda Constitucional n. 45/2004).

Sobre esse período, acrescenta Boaventura (SANTOS, 2007, p. 20):

Na passagem de regimes autoritários para os regimes democráticos, as sociedades periféricas e semi-periféricas passaram pelo que designo por curto-circuito histórico, ou seja, pela consagração no mesmo acto constitucional de direitos que nos países centrais foram conquistados num longo processo histórico (daí, falar-se de várias gerações de direitos). É verdade que a constitucionalização de um conjunto tão extenso de direitos sem o respaldo de políticas públicas e sociais consolidadas, torna difícil a sua efectivação, mas não é menos verdade que esse catálogo amplo de direitos abre espaço para uma maior intervenção judicial a partir do controlo da constitucionalidade do direito ordinário.

Portanto, o insuficiente nível de efetividade dos direitos fundamentais, em virtude da deficiência ou inexistência de políticas sociais que os sustentem, e a consciência social da injustiça resultam na frustração generalizada com a Administração Pública, responsável pelo cumprimento espontâneo dessas prestações sociais. O sistema judicial, então, é buscado como suplente dos Poderes Executivo e Legislativo.

Outra questão que pôs e põe o Judiciário em evidência é o combate à corrupção, esteja ela enraizada dentro ou fora do sistema judicial. Essa questão repousa os magistrados em uma posição desconfortável uma vez que “os tribunais não foram feitos para julgar para cima, isto é, para julgar os poderosos. Eles foram feitos para julgar os de baixo. As classes populares, durante muito tempo, só tiveram contacto com o sistema judicial pela via repressiva, como seus utilizadores forçados. Raramente o utilizaram como mobilizadores activos” (SANTOS, 2007, p. 23).

Prossegue Boaventura: “a igualdade formal de todos perante a lei não impede que as classes que estão no poder, sobretudo na cúpula do poder, não tenham direitos especiais, imunidades e prerrogativas que, nos casos mais caricaturais, configuram um autêntico direito à impunidade” (SANTOS, 2007, p. 23).

As acusações de corrupções, dirigidas a empresários e políticos, inevitavelmente, chamam os magistrados a posicionar-se, convidando, por conseguinte, a política às cortes de justiça, com direito a extensa visibilidade midiática. Esse fenômeno, definido como “politização do Judiciário” (SANTOS, 2007, p. 23), confere legitimidade social ao arrecadar a aprovação dos jurisdicionados telespectadores, contudo, aumenta a vulnerabilidade política dos órgãos judiciais, na medida em que expõem as controvérsias em seu interior e entorno.

(39)

acesso à justiça, sobre os quais foi edificado o primeiro capítulo, são, em geral, inerentes à construção jurídico-judicial em vigor. Em essência, o positivismo, a burocracia e o legalismo comprometem a flexibilidade e adaptabilidade exigidas no trato dos jurisdicionados com necessidades especiais e dos direitos novíssimos (coletivos e difusos).

3.3 Da Necessidade de Modelos Alternativos à Jurisdição

O presente trabalho, assim como os autores em que buscou fonte e fundamento, acredita no potencial de uma eventual reforma do sistema judicial de sorte a adequá-lo aos imperativos da concepção de acesso à justiça ora defendida, mormente as diretrizes da terceira onda do movimento pela acessibilidade. A despeito da conquista desse cenário ideal, predicado propositadamente inserido para definir aquele cenário, de forma alguma, rejeita-se a relevância da contribuição de mecanismos complementares e alternativos de pacificação social.

A saber, Goretti Santos, discorrendo sobre os métodos alternativos de solução de conflitos, encontra menor valia no seu potencial de descongestionar os processos submetidos à ação do Judiciário do que na latente efetivação do direito fundamental à justa pacificação de conflitos de interesses, resultado da sua existência e utilização. Acrescenta o referido autor (SANTOS, 2012, p. 92):

A crescente difusão de vias alternativas de facilitação do acesso à justiça não deve ser interpretada como indício de uma tendência de ‘privatização’ da justiça estatal, palavra que vem sendo utilizada com frequência que não deveria prosperar. Nosso discurso de reconhecimento da incapacidade do Estado de, exclusivamente, prestar a tutela jurisdicional efetiva a todos os conflitos juridicamente relevantes, não deve ser acolhido como base de sustentação de inaceitáveis teses privatistas ou antilegalistas, de aniquilamento do instrumento estatal de exercício da jurisdição.

Boaventura (SANTOS, 2007, p. 69) segue semelhante linha de pensamento:

[...] ideia de que só o magistrado, por ser magistrado, tem competência para resolver litígios, e de que, pela mesma razão, tem competência para resolver todos os litígios. Sendo a lei o único factor na resolução dos litígios, sendo o magistrado o seu interprete fidedigno, e sendo a lei geral e universal, a sua competência tem que ser também geral e universal.

(40)

Primeiramente, cumpre investigar a formação do magistrado. Impera, hoje e sempre, um ensino normativista e técnico-burocrático, o qual reproduz funcionários estritamente preparados para a aplicação nua e crua da lei. Em tempos de cidadãos munidos da aspiração democrática e conscientes de seus direitos, o perfil acima descrito não satisfaz. Urge-se por magistrados versáteis e maleáveis, que compreendam a complexidade do momento sócio-jurídico atual e sejam capazes de enfrentar os desafios decorrentes.

Logicamente, surpreender-se é parte inevitável do exercício jurisdicional, contudo a assimilação da realidade circundante e a habilidade de improvisação são ferramentas cruciais a um julgador.

Schwartz demonstra que a rigidez dos magistrados remonta ao período colonial:

A aplicação das leis, a proteção dos interesses legais e o cumprimento de instruções eram questões relativamente fáceis para os desembargadores, quando a situação ou o acontecimento eram esperados. Mas eventos extraordinários deixavam a Relação, como a maioria dos órgãos administrativos do governo colonial, temporariamente paralisada pela falta de capacidade para improvisar e pela inflexibilidade (SCHWARTZ, 2011, p. 136).

A cultura jurídico-judicial em vigor, resultante do centenário ensino normativista, repercute diretamente da forma de julgar dos magistrados formados sob as suas doutrinas.

A primeira delas, a autonomia do Direito, ensina os aspirantes a juízes a desenlaçar dois conceitos intrinsecamente relacionados: Direito e sociedade. Criam-se, portanto, magistrados competentes para interpretar o direito e incompetentes para interpretar a realidade social. Soma-se ainda que a errônea compreensão da sociedade torna-os alvos fáceis das ideias de senso comum, extensamente difundidas pelos formadores de opiniões mediante os meios de comunicação concentrados, embora distanciadas dos fatos sociais.

O histórico distanciamento da figura do magistrado, já analisado neste capítulo, é a semente que aflora em uma distorcida autoimagem, a qual, naturalmente, desemboca no senso de superioridade dos magistrados em cotejo com os cidadãos comuns. Sendo assim, surge a “desresposabilização sistêmica”, sintoma que evidencia o desmazelo pelo exercício jurisdicional e a incapacidade de assumir a culpa pelos seus atos. Esse fenômeno é potencializado pela ineficiência das medidas disciplinares e, infelizmente, culmina com a experiência de privilégios ilícitos.

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Tabela 1 - Atendimentos por Finalizações
Tabela 3 - Atendimentos por Área Jurídica
Tabela 6 - Atendimentos por Ocupação do Assistido
Figura 1  –  Fachada do Núcleo
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