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3 DAS FOLHAS AOS “EBÓS” QUE CURAM: O APRENDIZADO QUE VEM DAS MATAS

No documento 000717678 (páginas 167-171)

As ervas que mais têm poder de cura são as de Omolu. Eu já curei gente com problemas de pele com essas ervas. A maioria das ervas funcionam como calmante. Pai Raimundo de Iansã. 02/11/2008

Enquanto modificação de todo ser-no-mundo, a presença já é sempre cura. Heidegger, 1999: 261

No Candomblé as folham ganham certa representatividade, pois cada Orixá tem sua própria erva. Ossaim é o Deus das folhas. Cada pessoa iniciada no Candomblé deve, antes de cumprimentar as pessoas, passar pelo banho de ervas. São as ervas que têm o poder mágico de “limpar”, descarregar e até curar as pessoas. Ouvi vários Pais de Santo dizerem que, “sem folhas, não existe Candomblé”. Antes do Filho de Santo se recolher, geralmente O Pai ou a Mãe das

168 Folhas (Ialossanhe ou Babalaossanhe). Quer dizer, Pai ou Mãe das ervas, das folhas, o responsável por ir ao mato e catar as folhas dos deuses. É necessário que essa pessoa que ocupa esse cargo no Terreiro, tenha aprendido as folhas de cada Orixá. Tomar banho de ervas nos terreiros de Candomblé é sinônimo de boa educação, de respeito ao Axé, ao segredo, ao sagrado. Já presenciei vários Pais de Santo chamando atenção de Filhos que não tomam banho antes de entrar nos Terreiros e cumprimentar as pessoas. Há uma preocupação como Ori (cabeça) e com todo o corpo da pessoa que está “recolhida”, para o Orixá. O corpo é um elemento sagrado. No entanto, quando o iniciado está “recolhido” não pode ficar recebendo visitas e nem chegar muito perto das pessoas para evitar pegar algum tipo de “carrego”. A pessoa que vem da rua está “carregada”, pois passou em ambientes como bares, velórios, cemitérios, encruzilhadas, hospitais, cadeias e outros espaços que são negativos, passam “maus fluídos”. Com isso, a pessoa, ao chegar ao Terreiro, ele deve ir direto tomar banho e tem pais de santo que fazem questão de jogar o banho de ervas no Filho invocando seu Orixá ou fazendo algum tipo de pedido.

Devemos perguntar qual o estatuto ontológico da cura no terreiro? Ora, para Heidegger devemos partir do ponto de vista que “o ser-no-mundo é cura” (Heidegger, 1999: 257). Assim, os Pais de Santo em sua cotidianidade fática têm, através dos deuses, o poder de curar. Omolu é conhecido como o “médico dos pobres”, pois é a esse Deus que está destinado o poder de curar as pessoas de todas as doenças. Ossaim, como o Deus das folhas é irmão de Omolu. É a Ossaim que se deve pedir ago sempre que se vai à mata retirar suas ervas sagradas. A cura vem através dos rituais de ebós (limpeza), pois, todos vão em busca da “limpeza espiritual”. Esses rituais na Umbanda são bem mais simples. Já ouvi alguns Umbandistas dizerem “com uma vela eu levanto uma pessoa”. Esse é o poder da cura. No Candomblé, os ebós são limpezas espirituais que são feitas geralmente no mato ou são feitas no próprio terreiro e depois despachado. Sobre os ebós, diz Prandi43 (Prandi, 1991: 195) “O ébó tem efeitos terapêuticos”. No entanto, é a terapia que cura, pois já vi casos de pessoa que chegam em Terreiros, bem desanimadas e conseguiram, através do ebó, sair aliviada. Para detectar qual o tipo de “ebó” que a pessoa tem, é necessário que o Pai ou a Mãe de Santo jogue os Búzios para ver qual o odu (caminho) que faz parte da vida da pessoa ou que a acompanha naquele momento. É pela caída do búzio que o Pai ou a

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Cf. Prandi. “Os clientes, a religião e a magia: da sedução do oráculo á eficácia do ebó.” In: Os candomblés de São Paulo: a velha magia na metrópole nova. - São Paulo: HUCITEC: editora da Universidade de São Paulo, 1991, p.187-197.

169 Mãe de Santo decifra o universo do seu consulente. É assim que vai se garantindo o poder da Cura nos Terreiros.

O ebó é uma prática ritual que qualquer pessoa pode fazer sem criar nenhum vínculo com a Casa de Santo. Os Pais de Santo fazem uso da magia, de sua prática mágica e o cliente ou filho deve fazer o uso de sua fé apara que haja eficácia no ebó e a pessoa possa sair alegre. Geralmente os Pais de santo recomendam apenas que o consulente tome banho de ervas que já é suficiente. Para outros casos mais graves no candomblé, os Pais de Santo recomendam que façam um ritual de Bori ou até esmo a iniciação propriamente dita que já são rituais mais complexos que já começam a criar com o consulente um certo vínculo no Terreiro. Mas de qualquer forma, a gestão da cura no terreiro, dentro de seu aspecto ontológico-existencial e pedagógico, diz Heidegger (1999: 257), “a cura não indica, portanto, primordial ou exclusivamente, uma atitude isolada do eu consigo mesmo”. Assim, a cura é uma atitude do eu com os outros. É no estar - junto que a cura passa a existir. É preciso que alguém passe o “ebó” no corpo do outro. É essa constituição existencial do ser-junto que podemos pensar a natureza da cura nos Terreiros. Na Umbanda essa visibilidade se dá nas sessões de passe, pois os caboclos e os pretos velhos jogam fumaças nas pessoas como ato de cura. Colocam as mãos na região do corpo do consulente. O processo de cura na Umbanda se dá quando as pessoas conversam com as entidades, contam suas vidas, recebe conselhos das divindades.

No Candomblé, os deuses não dão “passe” como na Umbanda. Eles dançam, abraçam, beijam e passam o suor de seus corpos para as pessoas. É uma das formas de representação simbólica da cura. É “receber Axé” no Candomblé. Um dia vi Ogum dançando no salão e suava muito. Na hora em que ele foi embora, ele foi até um dos Ogãs, deu-lhe um forte abraço, beijou-lhe a testa, retirou o suor de seu corpo e passou no rosto do Ogã e ele beijou-lhe a mão do Orixá em forma de agradecimento, pois esse “suor” é o Axé, uma forma de agradecimento. É a energia do Orixá que está sendo transmitida. Quando dançam, os deuses emitem energias aos seus Filhos. É essa atuação no cenário religioso que movimenta o Candomblé e faz dele um espaço vital e de cura. Isso porque é estar-junto que faz do terreiro um espaço de cura no cotidiano do Povo do Santo. Foi o que Durkheim nos fez sentir ao testemunhar que “os indivíduos que compõem essa coletividade sentem-se ligados uns aos outros pelo simples fato de terem uma fé comum” (Durkheim, 1996: 28). Em outras palavras, se há no ebó e nas folhas o poder de curar, é porque é partilhado entre o Povo do Santo a sinergia da fé que o faz acreditar na magia, no sagrado que são os Orixás e tudo

170 que compõe sua energia. É comum ouvirmos vários relatos de pessoas que procuraram o candomblé por questões de saúde. Até muitos Pais de santo dizem: “quem não entra por amor, entra pela dor”.

O Candomblé para mim acho que foi tudo, a começar pela minha saúde. O Candomblé é uma energia muito grande. Vim para o candomblé por causa da saúde. Tudo girou em torno disso. Acho que hoje eu tenho vida. Não é estabilidade financeira, mas tenho uma força. (06/09/2008/Mãe Jane)

Assim, Mãe Jane deixa suas impressões de uma Ialorixá que entrou para o Candomblé pela saúde frágil. Depois desse encontro com a religião, a mesma passou a ter vida, que é traduzido em Axé. A religião não deixa de ser, de certa forma, uma busca pela cura e pela satisfação humana e pessoal. Diz Vagner Gonçalves (2005:24) que “O pajé e o feiticeiro ou xamã eram os que tinham acesso ao mundo dos mortos e dos espíritos da floresta, e geralmente a eles competia realizar rituais de cura de doenças”. Dessa forma, as tribos têm uma forma sobrenatural de curar como expulsar os maus espíritos e desfazer feitiços mandados pelos inimigos, onde até a fumaça derivada da queima do fumo assume um papal ritualístico de grande importância. É comum nos Terreiros de Umbanda os Pretos Velhos com seus cahimbos jogarem fumaça no consulente para afastar negatividades e trabalhar com as mãos para retirar as enfermidades.

Em Awô: o mistério dos orixás, Gisèle Omindarewá Cossard (2008) retrata toda uma trajetória de vida no santo. Foi iniciada no santo por Joãozinho da Goméia. Segundo ela, “O Candomblé não dispensa um aprendizado sistemático e organizado para seus filhos”. A partir de um olhar de “dentro”, Cassard afirma que o Candomblé deve ser abordado com humildade e é preciso deixar que seus valores falem por si. Assumindo essa postura, ela resolveu não fazer interpretações, nem criar fantasias e nem criar imagens distorcidas. A autora levanta uma questão fundamental sobre esse universo da cura nos terreiros:

Existe um outro meio de se proteger contra as más influências, que é mandar “fechar o corpo”. Esse procedimento é chamado de “cura”. Ser curado significa não só ter o corpo fechado-e, portanto, protegido-, mas não temer malefícios, bruxarias ou olho - grande (Cossard, 2008:98)

No entanto, o poder da cura assume nos terreiros um caráter ontológico. “fechar o corpo” é curar. É proteger a pessoa contra os males do mundo. É o Pai ou a Mãe de santo que carregam esse poder de cura no corpo. Cossard (2008) faz uma descrição minuciosa desse ritual da cura onde, segundo ela, a pessoa é sentada em um banquinho e a Yalorixá faz incisões com navalha no

171 peito, nas costas e em cada braço em forma de cruz. As incisões são cobertas com pós-sagrados e a pessoa já está protegida. “Todas as vezes que a pessoa “recolhe” para tomar obrigação essas incisões devem ser feitas para que a pessoa fique bem protegida e possa receber a força espiritual, o Axé que segundo Cossard, (2008:13) “não pode ser improvisada, é preciso que seja transmitida pelos antigos”. Assim, os mais antigos são os portadores de Axé e de sabedoria. Quanto mais o tempo passa, mais experiência o Povo do Santo adquire e maior vai sendo o aprendizado quer já vem de seus ancestrais. E que é passado para toda geração. As ervas no Candomblé podem repetir para vários Orixás e coincidem por sua vez com o arquétipo do Orixá, “dono” da folha.

3.1 - Eruegé!

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Folhas de fé e identidade do Orixá

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