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DE MAR, MONTANHAS, VARANDAS E PENSAMENTOS

Assim, meus contos maravilhosos me surpreendem como se não fossem meus, como se eu os recebesse de alguém, tocando-me apenas dar-lhes forma. Sei perfeitamente que não é isso, já que não trabalho com espiritismo. Eu apenas me debruço sobre uma frase, um fato, um quadro, abaixo as minhas defesas, e deixo aquela frase, aquele fato, aquele quadro se expandir, superar as fronteiras dos cinco sentidos. A razão está ausente. Eu, à espera. E se alguma história começa a surgir, a acompanho com passos felpudos, cuidando de mantê-la protegida para que vá adiante, seguindo o caminho que é seu e que eu desconheço. Às vezes vamos juntas até o fim. Outras vezes a história se parte como um fio, e se nega a proceder. Talvez eu não estivesse pronta para ela. Voltará adiante, ou a perderei para sempre. Impossível saber. (COLASANTI, 2014, p.163)

A ideia deste terceiro capítulo começou durante a avaliação da banca de qualificação desta tese de doutorado. Naquele momento os minicontos e as imagens-varanda, que ainda não eram denominados dessa forma, foram apresentados de maneira inicial. No entanto, a proposta apresentada estava pouco clara para as professoras componentes da banca de qualificação, por exemplo, se essas produções eram criações do pesquisador a partir das experiências formativas no curso de pedagogia, ou se eram as produções dos alunos do curso de pedagogia. Tentei apontar ainda que de forma rápida na qualificação que os minicontos e as imagens-varanda eram efetivamente os resultados do exercício investigativo desta pesquisa. Eles não eram as produções dos alunos ou sobre os alunos, mas eram produções de pesquisa com aquilo que foi experimentado nos cursos formativos. A aposta era fazer desse exercício investigativo uma composição com as ideias dos pesquisadores e escritores que então costuram a pesquisa, entre eles, Jacques Rancière, Masschelein e Simons, Mia Couto, Manoel de Barros, Clarice Lispector. E entrar com esses autores em um exercício de ficcionalização do real para então pensá-lo e discuti-lo, de assumir uma não definição de fronteira entre o real e o ficcional das experiências vividas com a formação de professores e com a pesquisa indistintamente.

A partir daí conversamos que um caminho possível do encaminhamento da qualificação seria então ser mais generoso com o leitor para que ele entrasse no jogo proposto pela pesquisa. Uma dessas possibilidades seria explicitar um pouco mais do que foi realizado nos cursos formativos, de fundar uma base, um “chão” para que o leitor pudesse entrar junto comigo num campo de sonho das varandas narradas, seja por meio dos textos seja por meio das imagens.

Saí da qualificação pensando em dois percursos de desenvolvimento da tese para compor o que discutimos. O primeiro foi uma grande reformulação do primeiro capítulo na tentativa de já apresentar ao leitor um pouco do que foi desenvolvido nos cursos de formação assim como já explicitar ao leitor a proposta de pesquisa dos minicontos e as imagens- varanda. Esse caminho resultou na reformulação do primeiro capítulo desta tese. O segundo caminho foi a composição de um novo capítulo em que focaria fortemente nas atividades realizadas. Contar como essas atividades se deram: suas propostas, dúvidas, desvios, encantamentos. O que me incomodava nessa proposta era a possibilidade de fazer um texto extremamente descritivo e informativo. Como se fosse descrever nesse capítulo aula por aula, seus objetivos, suas metodologias, seus resultados. Essa opção me parecia

extremamente incoerente com a proposta da pesquisa que deseja vibrar as palavras e os pensamentos e não apenas situa-las numa ordem então pré-concebida. Isso me parecia contraditório aos pensamentos que componho com os demais autores nesta investigação. A proposta então que se desenhou para este capítulo foi que poderia entrar num exercício de escrita ficcional para contar o que foi desenvolvido nos cursos de formação de professores. Criar um texto que na impossibilidade de fronteira entre o real e ficcional conte das nossas experiências vividas e ajude o leitor a entrar na pesquisa que se propõe narrar varandas e avarandar educação em ciências e literaturas.

Para o desenho da escrita deste capítulo me debrucei sobre três aspectos. O primeiro foi procurar e ler pesquisas em educação que se aventuraram numa escrita literária e ficcional, como Gonçalves (2016) e Tkotz (2006). O segundo aspecto foi pensar numa metodologia do que seria interessante selecionar e contar ao leitor nossas experiências formativas. Nesse caminho, a sugestão do ensaio de Colasanti (2014), indicado pela banca de qualificação, me ajudou a desenvolver um caminho para a escrita. Nesse ensaio, a escritora Marina Colasanti conta que foi convidada para uma conferência no 19º COLE - Congresso de Leitura do Brasil. A demanda dos organizadores do evento era de que a escritora contasse seu trabalho, seu processo de escrita. No desenvolver do ensaio, a autora conta diversas estratégias, modos que foi ao longo da sua carreira exercitando a escrita. Ressalto a incerteza que a autora explicita do ato de escrever e de sua vontade de buscar outros caminhos na escrita diferentes do que já realizada como cronista no Jornal do Brasil.

Meu desejo buscava outros caminhos que, entretanto, não sabia nomear. Em busca desses caminhos, e sem saber que estabelecia um padrão para o futuro, criei uma estrutura e comecei a escrever para atendê-la. Já não sei, passados tantos anos, como essa estrutura nasceu, mas era ousada, embora eu não me desse conta disso. E ousado era o tema, para uma jovem principiante. Soube logo que não desejava escrever um romance – como não o desejei até hoje – nem exatamente contar uma história. Ou talvez quisesse contá-la, mas de outro modo, não linear, não óbvio, já que o linear e o quase óbvio eram meu prato cotidiano na redação. (COLASANTI, 2014, p.156).

Dentre os muitos caminhos de escrita que Marina Colasanti percorreu, ela nos conta uma experiência do processo de produção do livro A morada do ser. A autora conta que trabalhava para publicidade e fortemente para publicidade imobiliária. O sufocante e intenso mundo do mercado imobiliário na qual a autora habitava fez-se inspiração para o tema do seu livro. No processo de produção, a estrutura do livro seguiu o percurso de escritas curtas e não lineares dos livros anteriores. Mas nesse livro a autora apostou nos

minitextos para produzir um painel mais amplo sobre o tema escolhido. Os minitextos não eram apenas fragmentos intelectuais dispersos, mas caminhavam na construção de um mosaico, permitindo ao leitor, mesmo sem perceber, construir uma reflexão sobre o tema. Para tal, a partir de uma série de leituras descritas pela a autora, ela desenhou numa prancheta um mapa imobiliário com um edifício/livro de 9 andares com 7 apartamentos cada e mais três coberturas. Para cada quadrado/apartamento do edifício/livro a autora foi preenchendo anotações com o fator/tema preponderante do que deveria habitá-lo. Tomada essa estrutura, a autora então passou a escrever os contos correspondentes às anotações:

Chegou um ponto em que me vi enlouquecer, e escrever os contos correspondentes às anotações. Fiz um desfile de 7 de setembro atravessar um apartamento, com os cavalos deixando seu rastro de bosta fumegante. Fiz uma obra no piso de um banheiro desencavar o crânio de um pitecantropo. Fiz sofás e poltronas se sentarem no colo dos seus proprietários, para assistirem tv. Fiz o deserto se infiltrar por baixo de uma porta, e a infiltração gerar uma ilha no andar inferior. Mas por baixo disso, falei da casa como continuidade do corpo, abrigo e útero, necessidade primeira. E falei da perda de privacidade, da distância entre quem dorme lado a lado, dos rituais domésticos e da sua ausência, da vida. (COLASANTI, 2014, p.159)

Foi esse mundo inventivo em que Marina Colasanti estruturou sua escrita literária que me inspirei para contar um pouco mais das atividades relacionadas ao narrar varandas no curso de pedagogia. Pensando que a varanda também é uma parte de um imóvel, montei um mapa imobiliário como uma grande varanda. Para cada pedaço da varanda fui escrevendo anotações de temas, encontros, conversas, pensamentos. Fui assistindo a esse esboço e criando intimidade com ele até o ponto que iniciei a escrita dos textos literários deste capítulo. Criou-se uma proposta de um mosaico de textos literários que deseja que o leitor ao lê-lo atravesse, mesmo talvez sem percebê-lo, nossos movimentos de narrar as varandas.

O terceiro aspecto que me debrucei para o desenho da escrita deste capítulo foi resgatar os materiais desenvolvidos nas atividades do curso de pedagogia. Foram nesses materiais que encontrei e recriei os personagens que fizeram parte das histórias contadas. Encontrei nos materiais uma anotação de uma aula em que apresentei para uma turma um vídeo do projeto Espelho D’água1. Sempre ao longo do curso ia apresentando uma série de textos, imagens, vídeos que disparassem outras formas de ver as temáticas que são desenvolvidas nos processos educativos da educação em ciências naturais. E lembro-me que

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Projeto financiado pela Lei Murilo Mendes de Incentivo à Cultura mantido pela Prefeitura Municipal de Juiz de Fora (PJF) e gerenciado pela Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (Funalfa).

o projeto Espelho D’água me chamou muita atenção quando tive contato com a sua proposta de pensar as memórias e as águas. A pesquisadora Raquel Lara Rezende, idealizadora do projeto, propôs uma série de imagens, textos, vídeos que desenham histórias, memórias e saberes dos moradores de Juiz de Fora com as águas e resgatam um poder vital do elemento natural que aparece dentro dos aspectos culturais e espirituais de diversas sociedades em diversos tempos e espaços. Para a pesquisadora, os relatos produzidos pelo projeto falam sobre compreensões diferentes da vida e, também, de nossa profunda ligação com as águas que habitam chão e céu, corpo e ser. O vídeo do projeto que apresentei para os alunos era intitulado “Lançamento do site – projeto Espelho D’água”, disponível em: https://www.facebook.com/pg/pesquisaespelhodagua/videos/?ref=page_internal. O vídeo mostra uma entrevista com a Dona Katalin Vallo, uma imigrante húngara, que no período pós-segunda guerra mundial atravessou o oceano atlântico para vir morar no Brasil. O depoimento resgata sua travessia pelo oceano e suas sensações com o mar no caminho. No debate sobre o vídeo, pensamos nas formas que criamos relações com a água na vida e nas práticas educativas e que algumas vezes podemos trilhar caminhos de incerteza de não saber como tanto marca Dona Katalin na sua experiência. Nesse debate, uma aluna ficou fortemente tocada com as discussões, pois nos contou que sua mãe também é uma imigrante vinda de Portugal para o Brasil no mesmo período que a Dona Katalin. A mãe da aluna também atravessou o oceano atlântico em um barco numa viagem de semanas bem como havia uma série de histórias das suas relações com o mar, com as águas.

Revendo essas histórias nas minhas notas de professor ao longo do curso de pedagogia e também demarcando que, ao narrar as varandas, a presença da mãe ou do avô ou da avó eram constantes, resolvi buscar e recriar nessa personagem da mãe portuguesa as histórias que vivenciamos no curso em relação à proposta de ler A varanda do Frangipani e de narrar nossas próprias varandas. Assim é na reinvenção dessa personagem, mãe portuguesa que atravessou o Atlântico para chegar à Juiz de Fora e que tem uma filha que faz o curso de Pedagogia na UFJF, sendo essa chamada a ler Mia Couto, Clarice Lispector e Manoel de Barros para narrar varandas e avarandar educação em ciências, que desenharei as histórias que serão apresentadas a seguir. Histórias que partem de temas e notas demarcadas na minha planta imobiliária da varanda como fez a escritora Marina Colasanti e que buscam imergir o leitor nos pensamentos que foram base para a produção dos minicontos e das imagens-varanda desta tese.

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Posso dizer que me criei nessa casa. Foram muitos anos, muitos dias que ao amanhecer projetei meu corpo em direção à varanda ao fundo. Observada por um pequeno galo de Barcelos em cima da cantoneira, eu contemplava as nuvens que parecem uma explosão, aquelas que são traços curvos sem fim e outras que se desfazem e se refazem continuamente. Elas me fazem lembrar as nuvens que contemplava, quando criança, na travessia de barco de Portugal ao Brasil. Foi uma grande viagem. Atravessar o Atlântico. Não tinha a dimensão do que era. Era inevitável olhar para o mar. Olhava e olhava e olhava intimamente... Que meu corpo já desmanchava, era uma expansão daquelas águas. Vida que se move ao que está por vir. Chegando ao Brasil, minha família e eu subimos interior adentro a procura de trabalho e fomos parar em uma cidade chamada Juiz de Fora. Achei estranho o nome, mas gostei porque eu também era de fora. Fomos morar numa região muito alta da cidade. Lá eu olhava da janela outro tipo de mar, o chamado mar de montanhas como o que eu vejo exatamente agora quando desvio o olhar das nuvens. Essas montanhas me incomodam até hoje. Elas são muito estáticas, como se delimitassem fronteira. Não vejo o horizonte. É como um limite, uma cerca. Sinto uma saudade da travessia, daquela brisa oceânica. Saudade daquele limite visto na linha do fundo do oceano que nunca chega. É pura invenção. Sou interrompida nos meus pensamentos por um barulho.

Ouço passos leves, curtos e ansiosos. E outros mais longos e serenos.

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Ao encontro com aqueles passos, corri até a cozinha. Joguei mais um pouco de farinha na massa de pão então pronta para ir ao forno. Logo ele chegou curioso para ver o que fazia e disse: Bom dia vovó! Seguiu lá com olhar intruso de sempre. Em seguida, minha filha entrou na cozinha com todo

material dela e dele. Ela foi mãe jovem como eu e se dividia em cuidar da casa, do filho e de seus estudos. Todo dia pela manhã o deixava aqui para seguir para a universidade. Ela é a primeira pessoa de toda a minha família que estuda numa universidade. É muita coragem! Uma universidade que é muito próxima da nossa casa, mas que também é muito distante ao mesmo tempo. Ela faz o curso de Pedagogia. Ela tentou me explicar que poderá trabalhar com muitas coisas, mas entendi mesmo que vai ser professora de criança. Muitas coisas que ela utiliza nesse curso ficam aqui na minha casa. Hoje ela trouxe mais algumas coisas. São textos, cartazes, desenhos, livros, vídeos. Sempre que posso entro nesses materiais. Já conheci o Paulo Freire, Michel Foucault, Bourdieu, Michael Apple, entre outros. Nem tudo entendo. É bom não entender tudo. Fico fascinada. Minha filha, depois de um pequeno gole de café, se organiza para partir. Vejo certa tristeza no olhar dela. São muitas coisas a fazer que a deixa exausta, mas é mais que isso. Ela que nasceu dentro das fronteiras dessas montanhas mineiras, vive fechada nesse lugar. Penso que lhe falta mar para transbordar... De um lado escuto o portão fechar. Ela partiu. De outro lado, o cheiro do pão no forno me convoca para continuar o dia.

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Antes de partir, minha filha colocou o meu neto para fazer dever de casa da escola em um quarto. Ele só tem cinco anos e já é cheio de deveres de casa para escola. Ele nem sempre está contente com essas atividades. Elas o limitam... É difícil que ele finalize essas atividades em um momento preciso. Logo que sua mãe parte eu o vejo num dilema. Ficar no quarto com as atividades ou ir brincar na varanda. Acompanho seus pequenos passos pela janela. Ele até leva o caderninho de atividades para a varanda. Com as montanhas ao fundo, vejo meu neto que divide sua atenção entre o caderno de atividades da escola e algumas coisas na varanda. A varanda sempre o seduz. Ele acompanha uma fileira de formigas, conversa constantemente

com as plantas e com as pedras e fica sempre intrigado com o orvalho. Ele humaniza as ferramentas de jardinagem do meu marido. Em suas mãos, os objetos têm vontades e compõem novas maneiras de estar com a varanda. Ele desorganiza a natureza dos objetos. Ele os olha como início a cada dia. Observá-lo é um exercício de escapar do tempo, da vida... Mas logo ele volta ao caderno de atividades. Às vezes o acompanho para terminar logo esses afazeres e voltar para suas traquinagens. Minha filha tem sorte, ela será professora de muitas crianças.

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Bernardo é quase árvore. Bernardo tem um silêncio tão alto que os passarinhos ouvem de longe. Os passarinhos vêm pousar no ombro de Bernardo e os peixes vêm ao encontro de suas mãos. O olho de Bernardo renova as tardes e aumenta o poente. Bernardo desregula a natureza. Bernardo enriquece a natureza com a sua incompletude... Bernardo era um personagem de um dos poetas, Manoel de Barros, que minha filha está lendo para uma disciplina de Ciências no curso de Pedagogia. Ela me contou que ele existiu mesmo e morou no Pantanal. O poeta tinha um grande apreço por Bernardo: por prezar as insignificâncias do mundo, por olhar as coisas de forma menos razoável, por transpor os limites do mundo, por fazer a palavra ser outra e outra e outra. Minha filha contou que a leitura desse poeta contribui para uma atividade em que ela tem que narrar sua própria varanda... Fui então andando em direção à minha varanda. Meus passos foram seguindo sem destino final com a varanda. Como narrar uma varanda? Fui observando e apanhando objetos largados ao longo do tempo: um pedaço de cerca, um prego enferrujado, um pacote meio aberto de sementes de girassol e um chocalho do meu neto quando era bebê... Tantas coisas perdidas, insignificantes que se refaziam naquele lugar...

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Logo cedo, após me levantar, sentei em uma cadeira de palha que temos na varanda de nossa casa. Temos na verdade, duas cadeiras de palha. Elas são confortáveis para passar o tempo. Observei que do lado oposto da outra cadeira havia uma algazarra de bem-te-vis zangados em uma árvore. Quando voltei o olhar para a outra cadeira, ela estava lá: uma mulher que jamais tinha visto, mas havia algo de familiar... Ela fumava um cigarro que segurava entre dois dedos de uma mão. Os demais dedos se encontravam e deslizavam constantemente uns sobre os outros. Ela tinha uma expressão séria, forte, concentrada e cansada. Quando começamos a conversar percebi que ela tinha um sotaque diferente. Ela olhava para baixo na conversa, me encarava raras vezes, como um lampejo. Só fixava o olhar em mim quando dava uma resposta curta, seca e direta. Fora isso falava muito com as mãos que flanavam no ar sem caminhos e pareciam muito com suas ideias sobre o imoderado, sobre o estrangeiro e sobre a inteligência. Contei para ela que minha filha era muito inteligente. Que fazia Pedagogia. Mostrei o último texto que minha filha estudou e que eu estava lendo. Mas era muito difícil, não tinha inteligência para compreendê-lo. Falava de uma dona de casa (pois eu acho que a personagem é uma dona de casa) no seu encontro com o ovo certa manhã. E de todo o devaneio que essa personagem faz de pensar com o ovo. Falava que era impossível entender o ovo. O ovo era impossível. Entender não era a forma de vê-lo... Ela deu uma risada breve. Disse que conhecia bem esse texto. Que era um mistério para ela também. Que inteligência não era uma questão de entender e sim de se expor, sentir, de entrar em contato, de incorporar. Inteligência é para ampliar o mundo. É por isso que escrevemos para ficarmos livres de nós mesmos. Para sermos outros... Acho que não entendi o que aquela mulher quis dizer, mas gostei tanto daquelas palavras... Tirei meus óculos para pensar um pouco. A impossibilidade de ver me ajudava a pensar. Quando voltei com os óculos a ver nitidamente, ela já não estava mais lá. Até logo, Clarice.

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Foram muitos objetos do curso da minha filha que passaram pela minha