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Narrar varandas, avarandar educação em ciências e literatura

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Faculdade de Educação

Instituto de Física Gleb Wataghin Instituto de Química

Instituto de Geociências

GUILHERME TRÓPIA BARRETO DE ANDRADE

NARRAR VARANDAS, AVARANDAR EDUCAÇÃO EM

CIÊNCIAS E LITERATURA

Campinas 2018

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NARRAR VARANDAS, AVARANDAR EDUCAÇÃO EM

CIÊNCIAS E LITERATURA

Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em Ensino de Ciências e Matemática na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA, na Área de ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

Orientador: Prof. Dr. PEDRO DA CUNHA PINTO NETO

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DE TESE DEFENDIDA PELO ALUNO GUILHERME TRÓPIA BARRETO DE ANDRADE E ORIENTADA PELO PROF. DR. PEDRO DA CUNHA PINTO NETO

Campinas 2018

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Física Gleb Wataghin Lucimeire de Oliveira Silva da Rocha - CRB 8/9174

Trópia, Guilherme,

T753n Tr_Narrar varandas, avarandar educação em ciências e literatura / Guilherme Trópia Barreto de Andrade. – Campinas, SP : [s.n.], 2018.

Tr_Orientador: Pedro da Cunha Pinto Neto.

Tr_Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Física Gleb Wataghin.

Tr_1. Ciência - Estudo e ensino. 2. Literatura. 3. Formação de professores. 4. Educação. I. Pinto Neto, Pedro da Cunha, 1960-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Física Gleb Wataghin. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Raconter des vérandas entre l'éducation scientifique et la

littérature

Palavras-chave em inglês:

Science - Study and teaching Literature

Teacher training Education

Área de concentração: Ensino de Ciências e Matemática Titulação: Doutor em Ensino de Ciências e Matemática Banca examinadora:

Pedro da Cunha Pinto Neto [Orientador] Leandro Belinaso Guimarães

Luís Paulo de Carvalho Piassi Alik Wunder

Antônio Carlos Rodrigues de Amorim

Data de defesa: 20-02-2018

Programa de Pós-Graduação: Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática

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BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE DOUTORADO

ALUNO: GUILHERME TRÓPIA BARRETO DE ANDRADE

ORIENTADOR: PEDRO DA CUNHA PINTO NETO

MEMBROS DA BANCA:

1. PROF. DR. PEDRO DA CUNHA PINTO NETO

2. PROF. DR. LEANDRO BELINASO GUIMARÃES

3. PROF. DR. LUÍS PAULO DE CARVALHO PIASSI

4. PROFA. DRA. ALIK WUNDER

5. PROF. DR. ANTÔNIO CARLOS RODRIGUES DE AMORIM

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

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Ao meu avô Plinio Bossi Barreto, um inventivo narrador.

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disciplina Arte, Ciência e Tecnologia das professoras Susana Dias e Carolina Cantarino, nós assistimos a entrevista da artista Adriana Varejão para o programa Sangue Latino. Uma imagem dessa entrevista me acompanhou durante todo o curso. Eric Nepomuceno, apresentador do programa, pergunta a Adriana Varejão: o que é saudade? A artista responde: eu tenho saudade da saudade... Eu adoro sentir saudade, acho uma coisa boa... Deixa eu pensar no que eu sinto saudade... E então a imagem respirante, pensante e silenciosa da artista vai se embrenhando a rastros de luzes que correm em um fundo preto e a um belo som de um bandolim... Com essa imagem que gostaria de agradecer com saudades os afetos, os pensamentos, os sons, as imagens, os silêncios, as dúvidas compartilhadas ao longo da vida e deste percurso doutoral.

Saudades das viagens com meus pais e minha irmã quando deitávamos no banco de trás do carro e ouvíamos por muitas vezes os versos: “Oco de pau que diz, eu sou madeira beira, boa da vau triz triz, risca certeira, meio a meio o rio ri, silencioso sério, nosso pai não diz diz, risca terceira...” ou “Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões, gosto de ser e de estar, e quero me dedicar a criar confusões de prosódias e uma profusão de paródias que encurtem dores e furtem cores como camaleões...” e ainda “nada a temer senão o correr da luta, nada a fazer senão esquecer o medo, abrir o peito a força numa procura...”.

Saudades de Cris, Olga e Reginaldo, de compartilhar momentos simples, prazerosos e únicos: experimentar uma boa comida ou uma boa bebida; ver um filme, uma peça de teatro ou uma exposição; trocar dicas de livros; contar, reclamar e rir de muitas histórias...

Saudades de Patrícia e Caio das nossas agradáveis conversas e deliciosos almoços em Campinas.

Saudades do meu orientador professor Pedro da Cunha Pinto Neto. Pedro é um orientador extremamente generoso com seus orientandos ao acompanhar sem restringir caminhos de pesquisas. Sentirei saudades das nossas conversas em que trocamos sugestões de leituras e que saía com boas questões para pensar.

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Tecnologia. Saudades do incentivo à escrita com a educação e a pensar movimentos narrativos com o professor Guilherme Prado na disciplina Conhecimento, Ensino e Pesquisa, e com a professora Maria Inês Petrucci-Rosa na disciplina Currículo, Docência e Cotidiano Escolar. Saudades das incríveis aulas com a professora Carmen Lúcia Soares na disciplina Imagens, Corpo e Educação. Saudades da professora Alik Wunder, das suas palavras cuidadosas, do seu incentivo a apostar e radicalizar com a pesquisa, das críticas e sugestões que movimentavam pensamentos e por me acompanhar em boas conversas ao longo do doutorado. Saudades das leituras atentas, sensíveis e questionadoras dos professores Leandro Belinaso Guimarães, Luís Paulo Piassi e Antônio Carlos Amorim compartilhadas na defesa da tese. Certamente essas muitas saudades me acompanharão pera seguir com os pensamentos desta pesquisa.

Saudades do acolhimento e das experiências acadêmicas proporcionadas pelos professores Didier Moreau e Mônica Macedo Rouet no período de estágio doutoral na Universidade Paris 8. O período de estágio doutoral foi financiado parcialmente pelo programa PSDE/CAPES o qual agradeço pelo apoio.

Saudades de Sônia, Tati, Max e Dani, novos amigos em um momento muito especial que partilhamos as angústias de ver os acontecimentos do Brasil de fora e também os encantos de novas oportunidades que o estar fora nos trouxe.

Saudades das novas amizades e das amizades reencontradas ao longo do doutorado: Aline Nascimento, Aline Barbosa, AnaLu Matos de Oliveira, Antônio Almeida, Carla Félix, Douglas Bianchinni, Jairo Barduni, Leandro Dutra, Marcelo Rosa, Patrícia Santos, Rafael Bolelli, Tamara Bernardes, Vanessa Brandão e Caio Teodoro.

Saudades das lutas educacionais combativas de professores jovens e cheios de energia no IFSULMG e acima de tudo pela calorosa amizade de Lidi, Paula, Aline, Cris, Luís, Melissa, Flávia e Geraldo.

Saudades das alunas e alunos, professoras e professores da FACED/UFJF pela oportunidade do trabalharmos juntos e de ampliarmos nossos pensamentos e nossas vidas. O período doutoral foi financiado parcialmente pelo programa PROQUALI/UFJF o qual agradeço pelo apoio.

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pesquisadores do campo da educação em ciências no Brasil: os pedagogos não sabem ensinar ciências naturais nas escolas de educação básica. Esta pesquisa analisa experiências de formação de professores de ciências naturais no curso de Pedagogia da Universidade Federal de Juiz de Fora (Minas Gerais, Brasil) que se afastam do ponto de vista que os pedagogos não sabem os conteúdos de ciências naturais para pensar outras perspectivas formativas. Nessas experiências, os estudantes em formação foram convidados a ler textos literários de diferentes autores, como Mia Couto, Manoel de Barros e Clarice Lispector. A leitura central dessas experiências está relacionada ao romance A varanda do Frangipani de Mia Couto no qual a natureza é recriada a fim de produzir novas experiências de pensar e novas maneiras de inventar a vida. A varanda é uma metáfora do tempo e do espaço para essas experiências de pensamento. A partir dessas leituras literárias, os estudantes foram convidados a contar e escrever, em imagens e em textos, as suas próprias varandas. Para além de simples descrições, essa proposta pedagógica foi uma tentativa de buscar, a partir de um posicionamento marginal ao conhecimento científico pré-estabelecido, a potencialidade de criar e inventar formas de ensino. Para criar pensamentos com essas experiências nesta investigação, partimos das seguintes questões : a partir de movimentos de percepção e expressão com leituras literárias e aquilo que temos inventado como mundo natural, que textos e imagens expomos, experimentamos e estamos atentos ao pensar a formação de professores de ciências em um curso de pedagogia? Como as narrativas literárias e ficcionais expressam e abrem movimentos de percepção do mundo natural e como estas percepções diferem e se conectam com os modos que as ciências olham e narram o mundo? O fundamento teórico da pesquisa situa sobre as noções de igualdade de inteligências e de emancipação intelectual do autor Jacques Rancière, segundo o qual nós todos somos igualmente qualificados para pensar. E o pensamento nessa rede teórica não se refere a interpretação ou a explicação, mas a um exercício de ganhar experiência de pensamento sem prescrição do que pensar ou de que verdade sustentar. A metodologia de pesquisa escolhida situa na produção de textos literários que adentram aos registros escritos das experiências formativas no curso de Pedagogia. Os resultados da pesquisa são mini-contos e imagens-varanda que são apresentados ao leitor ao longo de toda a tese. Os mini-contos e as imagens varanda, criados pelo pesquisador como exercício metodológico de pesquisa, não visam um retrato, uma representação da realidade vivida nos cursos de formação, mas eles percorrem maneiras de contar que, segundo Jacques Rancière, tornam indefinidos as fronteiras da razão dos fatos e da razão da ficção. As práticas de escrita da pesquisa contam e reinventam as varandas narrradas nos cursos de formação sob a forma de composições entre ensino, ciências naturais e literatura. Assim, os resultados da pesquisa não desejam reproduzir e analisar experiências educativas, mas produzir pensamentos com essas experiências. A potência literária da pesquisa partilha outros movimentos de escrita entre a formação de professores de ciências em um curso de Pedagogia e aquilo que temos inventado nas práticas escolares como o mundo natural.

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science education in Brazil: educators do not know how to teach science education in elementary schools. This research analyzes the experiences of the science education teacher training in the Pedagogy course of the Federal University of Juiz de Fora (Minas Gerais, Brazil) that depart from the point of view that the pedagogues do not know the contents of the natural sciences to think others formative perspectives. In these experiences, the students in formation were invited to read literary texts of different authors, like Mia Couto, Manoel de Barros and Clarice Lispector. The main reading of these experiences is related to Mia Couto's novel Under the Frangipani in which nature is recreated in order to produce new experiences of thinking and new ways of inventing life. The balcony of Frangipani is a metaphor of time and space for these thought experiences. From these literary readings, students were invited to count and write, in pictures and texts, their own balconies. In addition to simple descriptions, this pedagogical proposal was an attempt to search, from a marginal positioning to pre-established scientific knowledge, the potentiality of creating and inventing forms of teaching. To create thoughts with these experiences in this investigation, we start with the following questions: What texts and images do we expose, we experiment and we are aware when we think about the science education teacher training from movements of perception and expression with literary readings and that we have invented as a natural world in the course of pedagogy? How do literary and fictional narratives express and open perceptual movements of the natural world and how do these perceptions differ and connect with ways of sciences’ looking and telling the world? The theoretical foundation of the research situates on the notions of equality of intelligences and intellectual emancipation of the author Jacques Rancière, according to which we are all equally qualified to think. And the thought in this theoretical network does not refer to interpretation or explanation, but to an exercise in gaining experience of thought without prescription of what to think or what truth to sustain. The research methodology chosen locates in the production of literary texts that enter the written records of the formative experiences in the course of Pedagogy. The results of the research are mini-stories and balcony-images that are presented to the reader throughout the entire thesis. The mini-stories and the balcony-images, created by the researcher as a methodological research exercise, do not aim at a portrait, a representation of the reality lived in the training courses, but they go through ways of telling that, according to Jacques Rancière, the borders become indefinite the reason of the facts and the reason of fiction. The writing practices of the research count and reinvent the balconies narrated in the training teachers courses in the form of compositions between teaching, natural sciences and literature. Thus, the research results do not wish to reproduce and analyze educational experiences, but produce thoughts with these experiences. The literary power of research shares other writing movements between the science education teacher training in a course of Pedagogy and what we have invented in school practices as the natural world.

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chercheurs en enseignement des sciences naturelles au Brésil: les instituteurs formés dans les cours de licence en Pédagogie ne sauraient pas enseigner les sciences de la nature à l’école primaire. Cette recherche analyse des expériences menées dans le cours de sciences naturelles dans la licence en Pédagogie de l´Université Fédérale de Juiz de Fora (Minas Gerais, Brésil). Ces expériences s´éloignent de ce reproche de “manque” de contenu scientifique des futurs instituteurs. Ces étudiants en licence ont été invités à lire des textes littéraires, par exemple le roman La véranda au frangipanier de l’auteur Mia Couto. Dans ce roman, la nature est recréée afin de produire de nouvelles expériences de pensée et façons d'inventer la vie. La véranda y est une métaphore du temps et de l’espace pour ces expériences de pensée. À partir de ces lectures, les étudiants ont été invités à raconter et écrire, en images et en textes, leur propre véranda. Au-delà de simples descriptions, cette proposition pédagogique était une tentative de chercher, depuis un positionnement marginal et étranger à la connaissance scientifique pré-établie, la potentialité de créer et d´inventer des formes d’enseignement. Pour créer des pensées avec ces expériences dans cette recherche, nous avons commencé par poser les questions suivantes: Quels textes et images exposons-nous ? Expérimentons-nous ? Et avons-nous conscience dans la formation des professeurs de sciences, des mouvements de perception et d'expression avec les lectures littéraires et ce que nous avons inventé comme monde naturel dans le cours de pédagogie? Comment, en effet, les récits littéraires et fictifs expriment-ils et ouvrent-ils les mouvements perceptuels du monde naturel et comment ces perceptions diffèrent-elles et se connectent-elles aux façons de regarder et de raconter le monde de la science? Le fondement théorique de cette recherche repose sur les notions d´égalité d´intelligences et d’émancipation intellectuelle de Jacques Rancière, selon lesquelles nous sommes tous également qualifiés pour penser. Et les pensées ici ne se réfèrent pas à l´interprétation ou à l´explication, mais à un exercice de gain d´expérience de pensée, sans prescriptions dictant quoi penser ou quelle vérité soutenir. Pour cette investigation, nous avons choisi de fonder la méthodologie de recherche sur l’écriture littéraire, à partir de la production de récits d’expériences dans le cadre de la fomration. Les mini-contes et les images créés par le chercheur, en tant que méthodologie de cette recherche, ne visent pas un portrait, une représentation de la réalité vécue, mais ils parcourent des manières de raconter qui, selon Jacques Rancière, rendent indéfinies les frontières entre la raison des faits et la raison de la fiction. Ces pratiques d’écriture du chercheur racontent et réinventent des vérandas sous la forme de compositions qui intègrent des enseignements, des sciences naturelles et de la littérature. Les résultats de la recherche sont ainsi des images et des textes littéraires qui ne veulent pas uniquement reproduire des expériences éducatives, mais produire de la pensée avec ces expériences. La puissance littéraire de la recherche partage différents mouvements d’écriture entre l´éducation et ce que nous avons inventé comme étant le monde naturel. La recherche montre des possibilités d’une éducation émancipatoire dans le cadre de la formation de professeur de sciences naturelles dans la licence en Pédagogie.

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Fig.1 - Imagem varanda 1 ... 17

Fig.2 - Imagem varanda 2 ... 36

Fig.3 - A varanda do frangipani, Mia Couto (2007) ... 38

Fig.4 - A legião estrangeira de Clarice Lispector (1999), Poesia Completa e Memórias Inventadas, as infâncias de Manoel de Barros de Manoel de Barros (2010a, 2010b) ... 39

Fig.5 - Imagem varanda 3 ... 45

Fig.6 - La Condition Humaine, René Magritte (1933) ... 46

Fig.7 - La Clefs des Champs, René Magritte (1936) ... 46

Fig.8 - Sun on the Pool, David Hockney (1982) ... 47

Fig.9 - Place Furstenberg, David Hokney (1985) ... 47

Fig.10 - Imagens da obra Histórias do não ver de Cao Guimarães (2013) ... 49

Fig.11 - Imagem varanda 4 ... 62

Fig.12 - Imagem varanda 5 ... 64

Fig.13 - Imagem varanda 6 ... 73

Fig.14 - Imagem varanda 7 ... 81

Fig.15 - Imagem varanda 8 ... 96

Fig.16 - Imagem varanda 9 ... 103

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CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior ENPEC – Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências FACED – Faculdade de Educação

IFSULMG – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais PROQUALI – Programa de Qualificação

PSDE – Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora

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Capítulo 1

Educação em Ciências em um curso de pedagogia avarandando pensamentos ... 16 Capítulo 2

Culturas, literatura e educação em ciências ... 65 Capítulo 3

De mar, montanhas, varandas e pensamentos ... 82 Capítulo 4

Ler aquilo que jamais foi escrito ... 95

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Cuidado. Cuidado com o que planta no mundo. Com o que toca. Com a capacidade que a gente tem de se envolver com as coisas. Com o amor, que espanca doce. A gente sente tudo. Se envolve com tudo! Tudo.

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Aprendo contigo mas você pensa que eu aprendi

com tuas lições, pois não foi, aprendi o que você

nem sonhava em me ensinar. Você acha que eu

ofendo a minha estrutura social com a minha

enorme liberdade?

Clarice Lispector, Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, 1998, p.157.

Educação em ciências em um curso de Pedagogia avarandando

pensamentos

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Ele chegava por volta das 10 horas domingo, passava o dia.

Cumprimentava um por um. A avó cozinhava branca de farinha de

trigo. Os velhos dedos do avô desenhavam letras na máquina

barulho. Depois do ritual de chegada, avistava então a grande

varanda no fundo da casa. No piso da varanda, ora cimento, ora

terra, ora pedra, ora grama... Via um hipopótamo de três pernas,

um mosquito verde tocando gaita, e um carro caixa d’água. No

domingo seguinte, o hipopótamo ganhava mais duas pernas e

estava atrás do galinheiro. O mosquito verde acompanhava ao

fundo o som do milharal que cantava balançando em muitas

direções. E o carro havia partido deixando uns cacos no chão.

Ficava em dúvida se aqueles cacos eram esconderijo de lodo ou

lugar de tirar fotografias das famílias de formigas. E no outro

domingo... Era dado à língua das galinhas. E negociava com as

grandes folhas de taioba avoarem para a seca figueira. Numa

dessas negociatas, a avó o chamou e lembrou que estava em

tempo escola e que entrasse para o quarto sem dele antes sair com

a leitura do livro O Sobradinho dos Pardais. Pediu um tempo só

para avisar ao martelo que cessava a ajuda na construção da

ponte-flor-de-hibisco-caída e foi levado ao quarto. Após alguns minutos

saia correndo do quarto com o livro nas mãos, quando, de longe, a

avó o interrompeu e questionou: o que acontece com o pardal no

final do livro? Tomado pela questão, estático, o menino passava

por um momento pensamento que congelava os segundos do

tempo. Ele contemplava a capa do livro e, em seguida, olhava

fixamente para fora em direção à varanda. E então perguntou: e se

o livro de pardal sem pardal?... Ou com outro pardal?

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Difícil demarcar um momento cronológico do início desta pesquisa. Nessa caminhada, as narrativas que nos acompanharam não estão no tempo do relógio, são tempos de pensamentos. As escolhas foram por trilhas de experiências que desencadearam a vontade da escrita com esses pensamentos. Essas experiências, de alguma forma, foram reinventadas e expostas conjuntamente nas disciplinas Fundamentos Teóricos Metodológicos e Prática Escolar em Ciências I (três turmas) e Fundamentos Teóricos Metodológicos e Prática Escolar em Ciências II (uma turma) no curso de pedagogia na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora nos anos de 2012 e 2013.

Ao ser designado professor dessas disciplinas no fim de 2011, pulsaram ideias, questões e muitas possibilidades de caminhos a percorrer e, junto havia também angústias, inseguranças, incertezas com o novo, pois como arriscar ensinos, ciências naturais e pedagogias? Defendia, naquele momento, que experiências docentes no nível de ensino da educação básica eram fundamentais para compor um formador de professores, sendo que nas minhas vivências docentes nunca havia experimentado ensinar ciências na educação infantil ou nas séries iniciais do ensino fundamental. Assim havia certa impressão pessoal contraditória de ser o professor daquelas disciplinas o que foi se dissolvendo no percurso das potencialidades das atividades partilhadas.

O curso de pedagogia da UFJF se configurava a partir da organização de três grandes grupos de disciplinas: o primeiro era o grupo das disciplinas de Fundamentos da Educação (Sociologia da Educação, Filosofia da Educação, Psicologia da Educação, Política Educacional, etc.); o segundo era o grupo das disciplinas dos Fundamentos Teórico-Metodológicos e Prática Escolar voltado para as práticas de ensino de (Fundamentos Teórico-Metodológicos e Prática Escolar em Ciências, Geografia, Matemática, EJA, Língua Portuguesa, entre outras); e o terceiro era o grupo dos estágios supervisionados (educação, infantil, alfabetização, séries iniciais do ensino fundamental, gestão educacional, EJA). Assim, as disciplinas Fundamentos Teórico-Metodológicos em Ciências e Prática Escolar I e II compunham o segundo grupo de disciplinas. Compreendia até então que essas disciplinas “serviam” para formar o professor de ciências da educação infantil e das séries inicias do ensino fundamental. Essa ideia seria diluída ao longo das experiências formativas.

Nas semanas seguintes fiquei com a pergunta: que formações, ciências, linguagens, leituras, sensibilidades poderiam ser inventadas em uma disciplina com ciências da natureza no curso de pedagogia?... Essa pergunta ainda me acompanha. Ela não é o

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problema de pesquisa desta investigação, mas ela o acompanha. Assim, para expor um pouco como fomos lidando com essa questão e com outras, tento, a seguir, narrar alguns pensamentos que nos acharam nos percursos das práticas e da pesquisa a partir de diferentes leituras.

Os professores polivalentes que atuam nas quatro primeiras séries do ensino fundamental têm poucas oportunidades de se aprofundar no conhecimento científico e na metodologia de ensino específica da área, tanto quando sua formação ocorre em cursos de magistério como em cursos de Pedagogia. (BIZZO, 1998, p. 65).

Muitas das questões que elas sugeriram foram extraídas de livros didáticos que consultavam, como por exemplo: O ar tem peso? Por que as bexigas flutuam? O que é o ar? Na tentativa de elaborar questões sem empregar o livro didático, a deficiência nos conteúdos científicos conduzia à formulação de perguntas que não favoreciam uma ampliação do rol de conhecimentos dos alunos sobre o tema, como ocorreu com a professora aspirante (...) (LONGHINI, 2008, p.247).

Pensando no ensino de ciências nos anos iniciais, não é difícil perceber que raramente tópicos de física são abordados em sala de aula. Um dos principais motivos deve-se ao fato de que a maioria dos professores não consegue (ou não sabe) ensinar este tema tão amplo e presente na vida cotidiana, já que não o estudaram durante sua formação inicial e raros tiveram contato durante a formação continuada. (COLOMBO JÚNIOR et al, 2012, p.490).

Portanto, considerando-se a indissociabilidade entre forma e conteúdo, ainda que as professoras compreendam e dominem algumas estratégias metodológicas de ensino (como se evidenciou pela adesão à ideia-chave Ensino centrado no universo do aluno), essas ficam comprometidas pelas deficiências no campo dos conteúdos específicos. E a falta de domínio dos conteúdos faz com que as professoras tenham dificuldade em elaborar e introduzir estratégias de ensino inovadoras, por isso, a maior expectativa das docentes em relação aos cursos de formação em serviço é de que eles forneçam novas metodologias de ensino. (AUGUSTO e AMARAL, 2015, p.506).

Todos os trechos acima são fragmentos de pesquisas e estudos em Educação em Ciências que discutem as práticas e formação de professores de ciências naturais das séries iniciais do ensino fundamental. Os trabalhos referem-se à atuação do pedagogo como professor de ciências. É muito comum que estudiosos da Educação em Ciências, ao produzirem discursos da relação do pedagogo com o ensino de ciências, centralizem a discussão no conteúdo, e, notadamente, na “falta” / “deficiência” do conteúdo de ciências do pedagogo e suas implicações “problemáticas” para a Educação em Ciências.

Incomodado com essa insistência da “falta”, algumas questões me mobilizaram: que condições históricas possibilitam para que estudiosos da Educação em Ciências vejam e

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digam do pedagogo professor de ciências dessa perspectiva? Que lugares ocupam os discursos da “deficiência”? Como esse discurso circula, se sustenta e se mantém? Dentre muitas possibilidades de pensamentos a essas questões e sem querer prescrever uma única repsosta ou esgotar as possibilidades de discussão, entendo que os discursos da “falta” do conteúdo em ciências pressupõem que no seu oposto há um conteúdo definido a ser empenhado pelos pedagogos para tornarem-se “verdadeiros” professores de ciências. Como se pensássemos que houvesse um texto com uma única mensagem, a qual, o leitor deveria dominar suficientemente bem as habilidades para capturá-la. Essa “falta” remeteria a um modelo educacional ancorado em uma visão do conhecimento científico como algo acabado, completo e sem espaços para o novo. Tal visão apontaria para um modelo educacional de transmissão, ou seja, uma vez que o conhecimento a ser galgado no ensino de ciências está pronto, bastaria o pedagogo alcança-lo e transmiti-lo, superando a “falta” e garantindo o acesso a um conhecimento em que tudo “já tem seu lugar, tudo já está dado, tudo é rotina. Já se aprendeu o que ver, quando ver e por que ver (...) não cabem perguntas, dúvidas surpresas, estranhamentos. (...) não há mais espaços para (re)invenções, para experimentar outras formas de ser (...)”. (CHAVES, 2013, p. 39). Esses estudos em Educação em Ciências marcam um discurso político fundado sob uma presumível verdade: os atores sociais são incapazes de pensar por conta própria aqui materializado pela figura do pedagogo.

Alguns estudiosos da Educação em Ciências têm realizado tentativas de tensionar a perspectiva da “falta” de conteúdo de ciências do pedagogo. Por exemplo, o estudo de Belusci e Barolli (2013), apesar de reiterar as deficiências em conteúdos específicos dos estudantes do curso pedagogia, discute a possibilidade de encurtar a distância existente entre o sujeito pedagogo e o conteúdo de ciências. As autoras propõem à captura dos estudantes de pedagogia para imprimir esforços na aprendizagem das ciências, mostrando “o quanto esse conhecimento poderia estar a serviço dos estudantes no sentido de lhes trazer satisfação.” (BELUSCI e BAROLLI, 2013, p.156). O trabalho de Lima e Maués (2006) também afirma a precariedade dos conhecimentos dos professores de ciências das séries iniciais do ensino fundamental. No entanto, os autores apresentam uma mudança do foco de discussão do professor pedagogo que “não sabe” o conteúdo para o que potencialmente ele pode ensinar de ciências, rompendo com o modelo de pensamento do déficit do conhecimento. Eles questionam: “Mas será que o fato da professora ter um conhecimento precário dos

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E era bom. “Não entender” era tão vasto que ultrapassava qualquer entender – entender era sempre limitado. Mas não entender não tinha fronteiras e levava ao infinito, ao Deus. Não era um não entender como um simples de espírito. O bom era ter inteligência e não entender. Era uma benção estranha como a de ter loucura sem ser doida. Era um desinteresse manso em relação às coisas ditas do intelecto, uma doçura de estupidez. (...) Compreender era sempre um erro – preferia a largueza tão ampla e livre e sem erros que era não entender. Era ruim, mas pelo menos se sabia que se estava em plena condição humana.

Clarice Lispector, Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, 1998, p.43-44.

conteúdos conceituais de ciências influência de forma crucial o ensino?” (LIMA e MAUÉS, 2006, p. 165). O estudo aponta para o desafio de fazer os professores pedagogos acreditarem que, dentre as múltiplas possibilidades de conhecimentos que atravessam a docência, podem e sabem ensinar ciências para as crianças.

Esses estudos apostam no espaço escolar e no percurso formativo de professores de ciências para séries iniciais do ensino fundamental em lugares que as finalidades e os efeitos de sentidos produzidos pelos conhecimentos científicos são ressignificados. Os conhecimentos científicos escolares e os conhecimentos sobre a docência em ciências seriam constituídos em um processo de mediação didática, convocando e ressignificando diversas formas de conhecimento sobre o mundo, dentre eles, concepções de como se produz conhecimento científico. No entanto, apesar da tentativa de tensionamento ao discurso da “deficiência”, entendo que essas pesquisas deslizam sentidos em uma mesma superfície de pensamento: o fato que divide o sujeito e o conhecimento em que a relação entre o pedagogo e o ensino de ciências parte de uma perspectiva sempre desigual e distante. A mediação didática ajuda num movimento de aproximação e de menor desigualdade, mas não questiona o pensamento que separa uma ideia de sujeito a uma ideia de conhecimento.1

A partir da leitura desses estudos, busquei outros olhares que afastavam essa separação sujeito e objeto de conhecimento. Por um momento pensava que poderíamos tentar uma inversão. E se a designada “falta” de conteúdo pudesse ser a potencialidade da relação do pedagogo com o ensino de ciências? A ausência de ter um conteúdo pré-definido a ser alcançado possibilitaria novas formas de criar ensinos e ciências. Mas, nesse

1 Todas as citações literárias da pesquisa estarão em caixas de texto destacas ao longo da tese, como a caixa

destacada à esquerda nesta página com a citação do livro de Clarice Lispector. Dessa foram diferencia-se as citações literárias que não possuem a intenção de ilustrar ou esclarecer a discussão da pesquisa. As citações literárias retomam os textos literários que nos acompanharam ao longo do trabalho para compor pensamentos com a pesquisa.

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pensamento, de alguma forma, o discurso da “deficiência” deslizava ainda numa mesma superfície. A naturalização da “falta”, nessa perspectiva, continuava na base do pensamento.

Foi no trabalho cotidiano com os alunos do curso de pedagogia que arriscamos não somente um deslizamento de sentidos da desigualdade e distanciamento entre o sujeito e o conhecimento, mas pensamentos outros de sujeitos e conhecimentos. Numa tentativa de desnaturalizar o discurso e anteriormente a qualquer assertiva a designação de um “problema”, pensamos que ensinos e ciências da natureza são possíveis ser inventados com os percursos formativos. Não assumimos como fundamento a perspectiva da “falta” de conteúdos que antecipa o tradicionalmente considerado “problema” na relação do pedagogo com o modo de se pensar o mundo natural.

Queríamos sair da rotina, ver outras coisas, em outros tempos com outros motivos – e talvez, até sem motivos... Queríamos perguntar e ser perguntados, inclusive gostaríamos de não ter as respostas prontas, de inventar, também de aprender, de expormos juntos. Queríamos estranhar a ciência e possibilitar ciências... Queríamos expandir o espaço, o tempo, experimentar formas de ser outra coisa, inclusive outras gentes. O poeta Manoel de Barros (2010a, p.302) nos impulsionava quando diz que “as coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis: Elas desejam ser olhadas de azul – Que nem uma criança que você olha de ave”. Era preciso, talvez, permitir sermos outras coisas para estar na disciplina de outros modos: inventando ciências (im)possíveis?

Na tentativa de desnaturalizar formações, ensinos e ciências que modulam, calam, definem, restringem nossa apropriação da vida, nosso movimento no mundo, apostamos em movimentos de explorar a vida e experimentar o mundo em pensamentos. Mas como desenhamos experiências e pensamentos nas relações entre sujeito e objeto de conhecimento diante dessa aposta?

Alguns estudos, como Jan Masschelein e Maarten Simons (2014a, 2014b), inspiraram a pensar a relação entre os alunos do curso de pedagogia e o ensino de ciências naturais como um espaço de suspensão entre o sujeito e objeto de conhecimento e um tempo para experiência do pensamento. Os autores atribuem o espaço educativo como lugar do pensamento que suspende o passado e o futuro abrindo uma lacuna no tempo linear, o presente. O espaço educativo não é pensado como lugar de prescrições a que conhecimento se filiar, a que verdade defender ou a que sujeito ser.

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“(...) a escola chama os jovens para o tempo presente e os liberta tanto da carga potencial de seu passado quanto da pressão potencial de um futuro pretendido planejado (ou já perdido). A escola, como uma questão de suspensão, implica não só a interrupção temporária do tempo (passado e futuro), mas também a remoção das expectativas, necessidades, papéis e deveres ligados a um determinado espaço fora da escola. Nesse sentido, a escola é um espaço aberto e não fixo.” (MASSCHELEIN e SIMONS, 2014b, p.36-37).

O conhecimento em ciências naturais dentro de um percurso formativo de professores deriva de seus usos sociais convencionais, mas não coincide com eles. No espaço educativo, esses conhecimentos são suspensos de sua tradição de pensamento. O conhecimento “não está mais nas mãos de um grupo social ou geração particulares e não há nenhuma conversa de apropriação: o material foi removido – liberado da circulação regular.” (MASSCHELEIN e SIMONS, 2014b, p.32). O sujeito também está suspenso no contexto educativo, suspenso de regras e contextos sociais que explicam o modo de ser e de expectativas sociais que definem o que pode alcançar. Ele pode ser outra coisa.

Masschelein e Simons (2014b) em diálogo com a obra de Hannah Arendt discutem o espaço educativo como lugar de experiência do pensamento. A perspectiva de exercício do pensamento apresentada na obra Entre o passado e o futuro de Hannah Arendt (1972, p.41) aposta em exercícios que

(...) não contêm prescrição sobre o que pensar ou o que verdade defender. Menos que tudo, eles pretendem reatar o fio rompido da tradição ou inventar alguns substitutos ultramodernos com que preencher a lacuna entre o passado e o futuro. Em todos esses exercícios põe-se em suspenso o problema da verdade; a preocupação é somente como movimentar-se nessa lacuna.

A ação de pensar não é baseada fundamentalmente na explicação ou interpretação de conhecimentos, mas abre brechas para agir e se relacionar com o presente. “Isso quer dizer que o presente, como a lacuna onde esses exercícios acontecem, só existe na medida em que o homem reconhece ou experimenta a si mesmo com um iniciante, como um sujeito da ação, e se insere no tempo.” (MASSCHELEIN e SIMONS, 2014b, p.13). Poderíamos em percursos formativos no curso de pedagogia com ensinos e ciências mover-se no presente, adquirir experiências em como pensar e renovar sentidos com o presente? “Como estar presente no/para o presente, como ver o presente outra vez, como se relacionar com ele e como continuar?” (p.16).

Acompanhando as questões iniciais apresentadas, resgato as experiências de dois personagens que compuseram pensamentos nos percursos formativos do curso de pedagogia

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A mulher não está sabendo: mas está cumprindo uma coragem. Com a praia vazia nessa hora, ela não tem o exemplo de outros humanos que transformam a entrada no mar em simples jogo leviano de viver. Lóri está sozinha. O mar salgado não é sozinho porque é salgado e grande, e isso é uma realização da Natureza. A coragem de Lóri é a de, não se conhecendo, no entanto, prosseguir, e agir sem se conhecer exige coragem.

Clarice Lispector, uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, 1998, p.79.

com ensinos e ciências e com os percursos desta tese, são eles: Lóri, da obra Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres de Clarice Lispector (1998), e Joseph Jacotot, da obra O mestre ignorante de Jacques Rancière (2002).

Loreley ou Lóri é uma protagonista complexa que se apresenta pouco a pouco por meio de uma viagem internalizada, complicada e angustiante em torno do amor. O romance Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres de Clarice Lispector (1998) constrói-se em um jogo em direção à aprendizagem de amar entre Lóri, uma professora primária que se muda do interior para o Rio de Janeiro, e Ulisses, professor universitário de filosofia. A narrativa está em terceira pessoa e raramente aparece em primeira, mas em grande parte expõe os pensamentos, as experiências, as aprendizagens da protagonista.

No processo de aprender, Lóri arrisca e experimenta. O acontecimento do aprender afeta o tempo. A narrativa que revive a memória não segue uma ordem cronológica linear, mas registra as sensações de Lóri com o presente. Por exemplo, não há menção de qualquer prescrição que remeta a uma distância de conhecimento pelo fato de Ulisses ser professor universitário e Lóri ser professora primária. Muito pelo contrário! Ambos no jogo de sedução, no aprendizado de amar se encontram perdidos. Não se conhecem, por vezes, nem a si mesmos. Mas caminham com a coragem de seguir, de se expor e de experimentar a vida no presente sem um ideal a ser alcançado. Lóri, nos registros das sensações, partilha o comum como algo novo, reinventa.

Alguns pensamentos de Lóri nos acompanham ao longo deste primeiro capítulo da tese compondo e atravessando as inquietações desta investigação. Apesar de uma breve apresentação da obra, a intenção, nesta tese, não se trata em falar sobre os percursos de Lóri, mas de pensar e escrever com ela, compor pensamentos.

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As sensações de Lóri a aproxima de pensamentos com o amor, com o processo de aprendizagem e experimentação da vida. Lóri cria pensamentos com os raios do luar, com a ação de entrar no mar, com a tarde quente, com o perfume da terra, com o gosto e a textura das frutas e com a decisão de cortar os cabelos. A aprendizagem ocorre por meio da experiência que ela tem quando se aproxima das coisas sem liga-las à sua função (LIN, 2015, p.31). E, sim, Lóri é uma professora primária! Ela é uma pedagoga! Apesar do termo pedagoga não ser utilizado no romance.

O segundo personagem que nos acompanhou foi Joseph Jacotot. O filósofo Jacques Rancière encontra o personagem Jacotot a partir de estudos sobre trabalhadores operários do início do século XIX que em suas experiências tentavam romper com a desigualdade e divisão social que o trabalho promovia: de um lado os que pensam e os que sabem e de outro os trabalhadores que agem e são ignorantes. De acordo com Masschelein e Simons (2014a), Rancière retoma as histórias desses trabalhadores que lutavam por emancipação que (...) consistia em reivindicar o tempo que a burguesia requeria para si própria: o tempo que não é o tempo do trabalhador e da necessidade, mas o tempo livre (...) (p.84). Rancière recorre à memória desses trabalhadores e coloca-os no tempo presente para discutir política, democracia e emancipação. A retomada da história de Jacotot traz os estudos de Rancière para discussões do campo educativo para pensar a igualdade de inteligências e uma perspectiva outra de emancipação intelectual.

Joseph Jacotot foi um professor de Retórica em Dijon e revolucionário na França de 1789. Ao se restaurar a Dinastia dos Bourbons, foi exilado nos Países Baixos. No exílio, recebeu a permissão do rei dos Países Baixos para o posto de professor e leitor de literatura francesa na Universidade de Louvain. De acordo com Rancière (2002), foi nesse contexto, no ano de 1818, após 30 anos de carreira como professor, que Jacotot viveu uma aventura intelectual. Entre os estudantes holandeses e Jacotot havia o que denominaria uma impossibilidade comunicativa. Se de um lado os estudantes não sabiam francês, por outro Jacotot ignorava o holandês. Não havia uma língua comum para instruí-los, uma impossibilidade de transmissão e compreensão no processo educativo tradicional. Jacotot buscou, então, algo comum que pudesse os reunir e caminhar apesar de suas dessemelhanças. Encontrou na publicação da edição bilíngue do livro Telêmaco o ponto de partida dos estudos. Com a ajuda de um intérprete indicou aos alunos a leitura e aprendizado do texto francês amparado pela tradução no livro. Não houve no processo qualquer compreensão dos estudantes que fosse mediada pela explicação do professor. Durante o

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curso solicitou exercícios de repetição do que os alunos haviam aprendido e constante leitura do livro para que pudessem narrá-lo. Ao pedir aos alunos que escrevessem em francês o que pensavam sobre o que haviam lido, Jacotot se surpreendeu. Antevendo textos mal escritos, o professor encontrou textos em que os estudantes se saíram muito bem como possivelmente um francês nativo o faria. Como os alunos puderam aprender sem a tutela explicadora do professor? É nessa aventura intelectual de Jacotot que Rancière mergulha para pensar a educação. Ao rememorar as experiências de Jacotot, o filósofo recria pensamentos e reflexões colocando-as na educação contemporânea em questões como: quem e para quem educará os educadores? Receber a palavra do mestre é um testemunho de igualdade ou desigualdade? O sistema de ensino tem por pressuposto uma desigualdade naturalizada ou uma igualdade em intervir? (RANCIÈRE, 2002).

A noção de emancipação intelectual em Jacques Rancière situa em uma preocupação diferenciada ao que frequentemente associamos à palavra emancipação nas pesquisas em Educação em Ciências. Rancière afasta-se da perspectiva da emancipação associada às práticas de conscientização ou de libertação, por exemplo, tratada nos estudos de Paulo Freire. A prática emancipatória em Paulo Freire está dirigida para o coletivo, para uma conscientização que busca organizar os oprimidos em coletividade rumo a uma emancipação social. Enquanto a noção de emancipação de Rancière, a partir da experiência de Jacotot, dirige-se ao indivíduo. Para Rancière, a igualdade não é uma perspectiva de conscientização coletiva, mas um investimento no desenvolvimento da vontade individual, uma emancipação intelectual. Mas há algo em comum entre os pensadores da emancipação. Os estudos de Rancière se aproximam de Paulo Freire quando ambos pensam no processo de emancipação intelectual como vetor de movimentos de emancipação política que rompem com uma lógica social, uma lógica de instituição. (VERMEREN et al, 2003, p.199).

De acordo com Rancière (2012), a relação pedagógica situa de forma oposta a noção de emancipação intelectual. Na relação pedagógica, há um papel atribuído ao mestre de eliminar a distância ente seu saber e a ignorância do ignorante (aluno). O mestre sabe como transformar seu saber em objeto de saber ao ignorante, o momento que deve fazê-lo e também o protocolo que deve utilizar. O que falta ao aluno é o saber da ignorância, o conhecimento da distância que separa o saber da ignorância. Assim, Rancière aponta que a relação pedagógica tem como pressuposto a desigualdade das inteligências. Essa desigualdade separa o mestre que possui o saber e sabe em que consiste a ignorância e o

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aluno que não possui o saber e não sabe em que consiste a ignorância. Esse processo pedagógico é caracterizado como embrutecimento em que há um domínio hegemônico do saber do mestre que coloca o aluno sempre como um sujeito da falta, da incapacidade intelectual, de uma inteligência menor-desigual, como aponta o estudioso:

É a lógica do pedagogo embrutecedor, a lógica da transmissão direta e fiel: há alguma coisa, um saber, uma capacidade, uma energia que está de um lado e deve passar para o outro. O que o aluno deve aprender é aquilo que o mestre o faz aprender. (RANCIÈRE, 2012, p. 18).

(...) o ignorante, por sua vez, não se acredita capaz de aprender por si mesmo – menos, ainda, de instruir um outro ignorante. Os excluídos do mundo da inteligência subscrevem, eles próprios, o veredicto de sua exclusão. (RANCIÈRE, 2002, p. 34-35).

A noção de emancipação intelectual, diferente do embrutecimento, tem como pressuposto a igualdade das inteligências. No processo pedagógico emancipatório o mestre situa o aluno em experiências de pensamento em que se rompe a desigualdade das inteligências e hierarquia das posições. São experiências que não antecipam o que deve ser aprendido, mas potencializa sensibilidades em aprender algumas coisas novas para ambos e juntos.

A distância que o ignorante precisa transpor não é o abismo entre sua ignorância e o saber do mestre. É simplesmente o caminho que vai daquilo que ele já sabe àquilo que ele ainda ignora, mas pode aprender como aprendeu o resto, que pode aprender não para ocupar a posição intelectual, mas para (...) pôr suas experiências em palavras e suas palavras à prova, de traduzir suas aventuras intelectuais para uso dos outros. (...) O mestre (...) não ensina seu saber, mas ordena-lhes que se aventurem na floresta das coisas e dos signos, que digam o que viram e o que pensam do que viram, que o comprovem e o façam comprovar. O que ele ignora é a desigualdade das inteligências. Toda distância é uma distância factual, e cada ato intelectual é um caminho traçado entre uma ignorância e um saber, um caminho que abole incessantemente, com suas fronteiras, a fixidez e a hierarquia das posições. (RANCIÈRE, 2012, p. 15-16).

Na lógica da emancipação intelectual há sempre entre o mestre e o aprendiz uma terceira coisa que nenhum deles é dono, cujo sentido nenhum deles detém exclusivamente ou que se mantém com eles, afastando qualquer perspectiva de transmissão fiel.

De acordo com Pellejero (2009), o exercício intelectual de Jacotot desperta pensamentos do que pode uma inteligência quando considerada como qualquer outra e considera qualquer outra inteligência igual à sua. O mestre se retira do jogo da desigualdade, reestruturando as relações pedagógicas. Ele disponibiliza o livro, a atividade, interroga, provoca uma palavra, provoca a manifestação de uma inteligência que se ignora ou que se

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Sua voz era outra, perdera o tom do professor, sua voz agora era a de um homem apenas. Ele quisera ensinar Lóri através de fórmulas? Não, pois não era homem de fórmulas, agora que nenhuma fórmula servia: ele estava perdido num mar de alegria e de ameaça de dor. Lóri pôde enfim falar com ele de igual para igual. Porque enfim ele se dava conta de que não sabia nada e o peso prendia a sua voz. Mas ele queria a vida nova perigosa.

Clarice Lispector, uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, 1998, p.154.

descuidava. Não se sabe que percurso o aluno caminhará. O aluno deve ver tudo por ele mesmo, comparar incessantemente e sempre responder à tríplice questão: o que vês? o que pensas disso? o que fazes com isso? (RANCIÈRE, 2002, p.44). O mestre também ignora aquilo que o aluno deve aprender. O aluno (...) aprenderá o que quiser, nada, talvez. Ele saberá que pode aprender porque a mesma inteligência está em ação em todas as produções humanas, que um homem sempre pode compreender a palavra de um outro homem. (RANCIÈRE, 2002, p. 37). O mestre acompanha e verifica ao longo do processo os pensamentos mobilizados por essa inteligência ignorada e o faz com atenção para que o pensamento proferido não seja alvo de repressão.

Pensando com a experiência de Jacotot e as reflexões de Rancière, retomo o discurso da “incapacidade”, da “deficiência” do pedagogo com ensino e ciências da natureza. Ao remeter a questão da “falta” e do distanciamento entre o pedagogo e o conhecimento em ciências da natureza, os estudiosos da

Educação em Ciências produzem uma hierarquia, uma ordem social. Essa hierarquia situa em uma ordem explicadora embrutecedora que expressa uma razão dominante de pensamento que caracteriza as relações sociais de poder e implica em uma série de questões: é possível o pedagogo ensinar ciências da natureza? Não seria melhor o professor especialista em ciências ensinar os estudantes das séries iniciais do ensino fundamental? São essas relações sociais de poder que se acomodam discursivamente e configuram uma visão embrutecedora do mundo ao acreditar na realidade da desigualdade de inteligências.

Vermeren et al (2003), ao entrevistar Rancière, discutem que o presente é o momento da emancipação e que sempre há a possibilidade de afirmar uma lógica de pensamento que não é a lógica da desigualdade, mas da igualdade de inteligências.

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Masschelein e Simons (2014a) nos ajudam a pensar a noção de igualdade não como um estado de ser ou ideia de que todos devemos ter oportunidades, capacidades e habilidades iguais. A igualdade não é algo pronto ou completo, também não é algo a ser verificado, comprovado ou a ser alcançado. Os autores discutem que a igualdade é um ato concreto de intervenção. Qualquer intervenção no que é visível e dizível assume uma concepção de igualdade; ao intervir, o indivíduo verifica sua igualdade com um ser que é capaz de falar e agir. A igualdade refere-se ao pressuposto (e não ao fato) de que todos nós somos capazes (de sermos qualificados) (p.137-138). A igualdade é um ponto de partida em que todos podem intervir, pensar, falar, entender.

Era dia de apresentação de seminário. O professor havia dividido a

turma em alguns grupos e ao longo da disciplina cada grupo ficaria

responsável pela apresentação de um texto. Mas não era

necessariamente uma apresentação sobre o texto. Era uma

apresentação com o texto ou pelo menos com os pensamentos que nos

suscitavam. Ele dizia que o texto era um pretexto para pensarmos em

ideias e que não queria uma apresentação literal, que nem ao menos

seria necessário fazer referência ao texto. Queria que pensássemos e

que a apresentação fosse um movimento do que faríamos com esses

pensamentos. O formato era livre. Ficávamos todas em dúvida,

perdidas. Não seria mais fácil apresentar o texto?... Estávamos numa

noite fria e armava uma grande chuva logo no início da aula. Então o

grupo começou a apresentação. Todas as alunas haviam lido o texto

previamente, mesmo aquelas que não eram do grupo. O texto era sobre

formação de professores, educação ambiental e algo de sermos

estrangeiros em nós mesmos. Apostava na descolonização de saberes a

partir de situações estrangeiras. Ao longo da apresentação a chuva

começou e chuva daquelas barulhentas. Mas a inquietação maior foi

com a apresentação do grupo. Eram imagens, vídeos... Éramos

chamados a falar junto com o grupo, entender coisas e a pensar juntas

coisas que havia dúvidas... Aquilo era do texto? Quando é que o grupo

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entraria no conteúdo do texto? Uma amiga de tão ansiosa chamou em

paralelo uma das integrantes do grupo. E disse a ela: quando é que

vocês vão falar do texto? Vocês vão perder pontos! Era uma sensação

estranha... O que estávamos fazendo? Olhei para o professor, ele estava

firmemente olhando a chuva. Estava uma chuva de lado, aquela que

batia como se fosse para lavar o vidro da janela. Era como se aqueles

fios de água que cruzavam desordenadamente entrassem nas suas

ideias. Toda a aula mexia com todos. O tempo acabou e fomos para

casa. Na semana seguinte, o professor iniciou a aula dizendo que a

apresentação o acompanhava naqueles dias. Que estava impressionado

pelo grupo que fazia a opção de não entrar em explicações infinitas

sobre o texto. E apostava que era capaz de pensar, conversar e agir com

o texto. Mas que por alguns momentos, todo o movimento de

estranhamento da aula o fazia perguntar se o grupo havia lido o texto...

Ora professor, a intervenção estrangeira da aula nos retirou tanto de nós

mesmos que por vezes duvidamos da nossa capacidade de entrar em

caminhos outros. Talvez, nós não estávamos tão preparados para

sermos estrangeiros. E há preparação para isso? Precisávamos

caminhar com os pensamentos e adentrar na desordem da chuva. Será?

Tendo como inspiração os estudos de Jacques Rancière sobre a emancipação intelectual e igualdade de inteligências para pensar apostas de percursos formativos e de pesquisa com ensinos e ciências naturais em um curso de Pedagogia, busquei diferentes trabalhos do campo da educação em ciências que já estabeleceram diálogos com diferentes noções desenvolvidas por Rancière. A ideia não é, ao resgatar esses estudos, realizar uma revisão bibliográfica de autores da educação em ciências que se apropriam do pensamento de Rancière. Ou, pelo menos, não me filiar estritamente a uma ideia de revisão bibliográfica comumente atribuída a essa atividade: a pretensão de uma discussão que se deseja totalizante das produções acadêmicas como expressão do que é, de fato, discutido na área. Assim, também, não pretendo, na escolha dos estudos, sistematizar a partir de períodos delimitados ou classificações de periódicos mais ou menos qualificados compondo um

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mapeamento/panorama da comunidade acadêmica no sentido de revelar a realidade do que se produz sobre o objeto investigado. Não desejo situar o que foi e o que não foi produzido na relação do campo da educação em ciências com o pensamento de Jacques Rancière para então demarcar um território em que meu estudo ocupará. A tentativa de retomar esses estudos é compor reflexões com artigos em periódicos, apresentações em congressos, capítulos de livros dos quais tive contato ao longo do desenvolvimento do doutorado. A não neutra seleção desses estudos arrisca algumas conversas como formas de criar pensamentos com ensinos e ciências naturais. E que caminham com as muitas vontades desta pesquisa. Uma observação é que não me detive em delimitar, na seleção intencional, os temas dos estudos relacionados à formação de professores, o objeto de pesquisa mais central desta tese. Há trabalhos de diversas perspectivas e temas que circulam o campo da educação em ciências, como, por exemplo, a educação ambiental e a divulgação e comunicação científica.

Os primeiros trabalhos são do professor Jesse Bazzul (2013, 2015) que, a partir das noções de igualdade, política e dissenso de Rancière, apresenta reflexões teóricas com o campo da educação em ciências. Para Bazzul (2013), Rancière pode oferecer aos educadores em ciências exemplos de possibilidades de uma política emancipatória e subjetiva, desenvolvendo novos espaços pedagógicos. A proposta da igualdade de inteligências desconstrói a noção que parte de relações desiguais na escolarização em que os professores sabem o conhecimento e a distância desse ao aluno ignorante, enquanto o aluno está sempre do lado da incapacidade, do não conhecimento. Segundo o pesquisador, essa desconstrução resistiria à contínua necessidade em definir “o que é ciência” ou “o que deveria ser aprendido em ciências” para abrir caminhos para educadores que se dedicam a desnaturalizar hierarquias tradicionais na educação em ciências. A igualdade radical como uma abordagem também tem o potencial de permitir uma reavaliação crítica da ciência como um discurso carregado de julgamento de valor, permitindo que as vozes de aprendizes em ciências sejam expostas. (Bazzul, 2013, p.250, tradução nossa). Para o autor, o movimento em direção à igualdade de inteligência na educação em ciências é um momento para reformular compromissos pedagógicos, promovendo novas possibilidades de relações políticas com a educação científica. Em outro trabalho, o autor retoma a discussão política ao pensar relações entre educação em ciências e democracia (BAZZUL, 2015). O objetivo é fornecer uma base teórica para uma concepção mais politizada de cidadania no ensino de ciências usando a filosofia política de Jacques Rancière. O autor aposta na noção de dissenso do

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filósofo, em diferença a uma cidadania consensual como princípio democrático. O dissenso produz democracia enquanto contestação do que era considerado bom senso, fissurando certezas. A cidadania como um movimento no sensível, ao invés de manter o status quo, mantém possibilidades políticas e o potencial para a mudança. (BAZZUL, 2015, p.3, tradução nossa). As noções de Rancière de política e dissenso podem lançar as bases para pensar uma cidadania que desafia o que é considerado naturalizado. Em educação em ciências, isso significaria repensar a forma como abordamos questões sociais e políticas, onde prevalece, tradicionalmente, a busca de consensos e movimentos de pouca intervenção com os estudantes.

Pellejero (2009) nos lembra que para Rancière a política aparece não como o exercício ou luta pelo poder, mas como certa reconfiguração dos dados e dos problemas em um espaço político, isto é, como

(...) o enquadramento de uma esfera específica da experiência, de objetos comuns, e de sujeitos de reconhecida capacidade para designar esses objetos e discutir sobre os mesmos. O político é o conflito sobre a própria existência dessa esfera, a realidade desses objetos comuns e a capacidade desses sujeitos (RANCIÈRE, 2005).

Assim, educadores em ciências podem pensar na promoção de cidadania politizada em práticas que perturbem uma naturalização de quem pode pensar, criar, inventar, intervir com as ciências. É nessa discussão que Dias e Rodrigues (2014, p.139) questionam: De quais outros modos podemos nos aproximar da imensidão de mundos que povoam, habitam os objetos, as coisas, os corpos, as imagens, palavras e sons sem projetar sobre eles as formas já conhecidas, as falas repetidas, as vidas já vividas? As autoras se aventuram em estudos que convocam imagens, literaturas, sons para pensar divulgação, comunicação, educação, arte, mudanças climáticas e ciências. Para isso, estabelecem conversas com a noção de dissenso de Rancière desenhando escritas em comunicação-educação dissensual,

(...) suspendendo temporariamente certos juízos; gerando curiosidade, atenção, hesitação, provocando pequenas falhas no automatismo dos hábitos de pensamento e de percepção. Acolhendo a incerteza, a indeterminação, a imprevisibilidade, criando afetos de efeitos indeterminados (...) (p.152).

Nessas escritas, as autoras perturbam um modo hegemônico de pensamento com as ciências, fugindo de escritas pedagógicas para as quais são necessárias explicações, causa e efeito, transmissão, reconciliação com um sentido pressuposto, um sentido já dado. As escritas querem desafiar o leitor, confundir sentidos, provocar interrogações, deslocar o que

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A madrugada se abria em luz vacilante. Para Lóri a atmosfera era de milagre. Ela havia atingido o impossível de si mesma.

Clarice Lispector, uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, 1998, p.159.

é visível, sensível e enunciável, querem produzir ficções. Segundo as autoras, a ficção para Rancière é o trabalho de produzir dissensos, mudar os modos de apresentação sensível e as formas de enunciação, os quadros, escalas ou ritmos, construindo novas relações entre a aparência e a realidade, o singular e o comum, o visível e seus sentidos. (p.141)

Outro trabalho, Salgado (2015), também recorre à noção de ficção em Jacques Rancière para pensar uma educação ambiental que explora, amplia e recria narrativas orais e imagéticas de moradoras e moradores do Sertão do Peri (Florianópolis-SC). A autora discute que o filósofo se distancia da dicotomia entre a razão dos fatos e a razão da ficção, diluindo as fronteiras entre o real e o ficcional. Para Rancière, tanto o real quanto o ficcional pertencem a um mesmo regime de pensamento. O real precisa ser ficcionado para ser pensado. (RANCIÈRE, 2005, p.58). Nessa impossibilidade de fronteiras entre o real e ficcional que a pesquisadora questionou a possibilidade de criar histórias com os moradores da região investigada. A aposta política de criar essas histórias foi através de fotografias criando subjetividades, (...) outros olhares, efetuando um rearranjo dos signos que se criaram a partir do dispositivo elaborado nesta pesquisa para ficcionar a atmosfera do Sertão do Peri (...) (SALGADO, 2015, p.5), permitindo pensar, inventar, intervir com outros Sertão do Peri.

Guimarães e Pereira (2015) investigam imagens midiáticas sobre a sustentabilidade e as maneiras de lidarmos com essas imagens em práticas pedagógicas. Os investigadores apontam que as imagens midiáticas de sustentabilidade antecipam uma lógica de pensamento em que o ambiente é um lugar planejado, controlado, definido e “verde”. E que o propósito da investigação é abrir outras lógicas de pensamento com as imagens, multiplicando-as. Os autores recorrem às noções de polícia e política em Jacques Rancière no desenho da investigação. A polícia, segundo o filósofo, é uma lógica que cerceia e coloca ordem no pensar, sentir e agir, distribuindo no espaço as formas de intervir com o mundo. Já a política é um deslocamento nessa distribuição da polícia, ela é uma alternativa à ordem do pensamento, uma resistência, contestação e ação em outro movimento com o espaço, com o visível e com o sensível. Nesse movimento político, os pesquisadores procuraram possibilidades de novas relações com as imagens de sustentabilidade, comumente associadas

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