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2 A INGLATERRA VITORIANA: O CONTEXTO DE OSCAR

2.3 ESTETICISMO E DECADENTISMO: POÉTICAS

2.3.1 Decadentismo: estética finissecular

Moretto (1989, p. 14) relata que o movimento decadente, ou decadentismo, ocorreu após o Naturalismo e anteriormente ao Simbolismo, estéticas literárias do fim do século XIX e início do século XX. Consistindo em uma estética inicialmente francesa, disseminou-se

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Robert Baldwin Ross (1869-1918), jornalista e escritor, amigo e testamenteiro de Oscar Wilde, encarregado de gerenciar sua obra literária. Apoiou-lhe no período após o cárcere em que viveu na Europa e cuidou de seu funeral.

posteriormente para toda a Europa. Formou-se a partir da negação do positivismo, das exigências políticas e sociais, das convenções e das obrigações da vida civilizada. Por causa dos desdobramentos da revolução industrial e a chegada do século XX, que portava as incertezas do novo e o fim de um modo de vida, percebia-se um sentimento de fadiga, de morte, de estagnação:

Sinos subitamente saltam a soar / E lançam para o céu um urro lancinante, / Como errantes espíritos sem pátria ou lar / Que se põem a gemer continuadamente.

- E longos funerais, sem música ou tambores, / Desfilam lentamente em minha alma; a Esperança, / Vencida, chora, e a Angústia, atroz em seus horrores. / Sobre minha alma humilde o negro pálio lança (BAUDELAIRE, 2012, p. 94). Moretto (1989, p. 15) descreve que se sentia um clima de nostalgia à medida que o fim do século clamava por novas formas de expressão, arte e literatura. O decadentismo preencheu momentaneamente essa lacuna visto que se opôs às escolas vigentes, o parnasianismo e o naturalismo, com o vislumbre de algo novo.

Assim, de certa maneira, o decadentismo estendeu o movimento romântico até o fim do século XIX, recriando-o em uma proposta de linguagem poética que renegava os valores atuais e procurava nova forma de expressão (MORETTO, 1989, p. 31). Nessa esteira, o artista decadentista admirou os artistas pré-rafaelitas, a lenda do medievo, a mitologia grega, o tema do cotidiano e do urbano e do fantástico, que passou a incorporar em sua própria arte. Nos versos de Baudelaire:

Paris muda! Mas nada na melancolia Se alterou! Paços novos, andaimes e obras, Velhos bairros, para mim é tudo alegoria, E as recordações, pesam mais do que rochas. Assim, diante do Louvre, uma imagem me oprime;

Penso no grande cisne e seus gestos sem jeito, Tal como os exilados, grotesco e sublime, E roído de anseio sem trégua! Então feito Andrômaca, dos braços do esposo caída, Besta vil, sob a mão de Pirro, nada ameno, Ao lado da tumba vazia estendida; Viúva de Heitor, oh! E mulher de Heleno!

(BAUDELAIRE, 2012, p. 108)

Sobre o decadentismo, Amaral (2009, p. 50) afirma que Nietzsche criticou o movimento literário em vista da sua proximidade ao ultrarromantismo, com a negação da luz e a ênfase na escuridão. Fazia também ressalvas à afeição dos adeptos dessa estética pela civilização e a artificialidade ao invés dos elementos primitivos do mundo, a natureza, e da realidade. O filósofo constatou que, na decadência, os valores da civilização estão plenamente realizados, e, portanto, tornam- se banais e abstratos.

Percebe-se essa relação de abstração e banalização na assertiva de Lord Illingworth sobre as mulheres na peça Uma mulher sem importância:

Não deveria tentar nunca compreendê-las. As mulheres são quadros. Os homens são problemas. Se você faz questão de saber o que pensa realmente uma mulher – o que, a propósito, é sempre uma coisa perigosa – olhe-a, mas não a escute (WILDE, 2003, p. 689).

Amaral aponta que as figuras presentes nessa estética são além do dândi, o flâneur, o narrador baudelairiano, “indivíduo isolado e solitário, cortado dos laços da experiência coletiva anterior. Resta-lhe a experiência individual, o senso de estranhamento e de nostalgia desse mundo e do mundo perdido” (AMARAL, 2009, p. 72). Em Oscar Wilde, a figura do flâneur se faz presente em Dorian Gray, quando vaga pela cidade de Londres:

Mal soube por onde andou. Lembrou-se confusamente de ter vagado por mal iluminadas ruas e ter passado por baixo de arcadas sombrias e diante de casas de aspecto hostil. Mulheres de vozes roucas e risos estridentes chamavam-no. Encontrou-se com bêbados vacilantes, blasfemando e gesticulando sozinhos como símios monstruosos. Viu crianças grotescas amontoadas nas soleiras das portas, e ouviu gritos e blasfêmias em quintais lúgubres (WILDE, 2003, p. 122). Amaral (2009, p. 203) ainda menciona o decadente como aquele indivíduo à margem do social, o passivo, inadequado, entediado (spleen), que assume uma atitude desencantada e isolada. O dândi Algernon Moncrieff, em A importância de ser prudente, mostra seu lado

antissocial, seu tédio em relação à sociedade e aos parentes e defende sua liberdade, conquistada por meio da criação do amigo imaginário:

Você inventou um utilíssimo irmão mais moço chamado Prudente, a fim de poder dar uma fugida até à cidade, tantas vezes quantas lhe agradar. Eu inventei um inestimável amigo, permanentemente enfermo, chamado Bumbury, a fim de poder fugir para o campo, quando me aprouver. Bumbury é perfeitamente inestimável. Sem a má saúde extraordinária de Bumbury, não me seria possível, por exemplo, jantar com você esta noite no Willis, pois há mais de uma semana estou de fato comprometido com tia Augusta (WILDE, 2003, p. 796).

Ainda verifica-se no decadentismo a manifestação de valores contrários aos do sistema vigente e concretizados por meio do mal, como em Charles Baudelaire, Edgar Alan Poe e Oscar Wilde, no seu Retrato de Dorian Gray. Segundo Amaral (2009, p. 203), há um mergulho: “Nas profundezas abissais da alma humana, tentando realizar até o limite o conceito católico de pecado [...] como se o reconhecimento do Mal e do Pecado servisse como antídoto à constatação da morte de Deus”.

O trecho a seguir de O retrato de Dorian Gray, em que Dorian assassina o pintor Basil e confronta-se com seu corpo, ilustra essa vertente:

Dorian entreabriu a porta. Enquanto o fazia, ele viu o rosto do retrato sorrindo maliciosamente à luz do sol. No chão, de frente ao retrato, jazia a coberta. Ele lembrou que, na noite anterior, pela primeira vez em sua vida, esquecera-se de cobrir o retrato, quando se esgueirou para fora do quarto. Mas o que era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava, molhada e resplandecente, em uma das mãos, como se a tela estivesse sangrando? Como aquilo era horrível! – ainda mais terrível, parecia-lhe por um momento, que a coisa silenciosa que ele sabia estar esticada sobre a mesa, a coisa cuja sombra grotesca e deformada no carpete manchado não se levantara, mas que estava ainda ali como ele a deixara. (WILDE, 2012, p. 115).

Oscar Wilde incorporaria o decadentismo em sua obra, mas não somente elementos e preceitos desse movimento. Igualmente essencial para a composição de sua literatura foi o esteticismo, iniciado, em verdade, anteriormente às influências decadentistas que recebera dos franceses.