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2 A INGLATERRA VITORIANA: O CONTEXTO DE OSCAR

2.3 ESTETICISMO E DECADENTISMO: POÉTICAS

2.3.2 Esteticismo: a formação da persona

Oscar Wilde inicialmente absorveu os principais elementos formadores da sua tendência literária, o esteticismo, de sua admiração pelo pintor Gabriel Charles Dante Rossetti (1828-1882), artista pré- rafaelita e pelo poeta decadentista Algernon Charles Swinburne (1837- 1909). Da mesma forma, apreciou As Flores do Mal, de Charles Baudelaire19 (1857) e Às Avessas, de Joris-Karl Huysmans20 (1884). Em Oxford, Wilde conheceu Walter Pater (1839-1894) e sua obra The Renaissance: studies in art and poetry (1873). Sua influência fora tamanha que o efeito de Pater na obra de Wilde é sentido no trecho de O Retrato de Dorian Gray (1891): “um novo hedonismo, é o que deseja nosso século” (WILDE, 1961, p. 59).

Wilde (1999, p. 151)21 explica em artigo publicado na revista Speaker, em 22/03/1890, alguns postulados da estética de Pater, afirmando que a arte recebe as ideias à medida que proporciona uma pintura com as matizes dos sentimentos, tornando-as mais fluidas. Dessa maneira, não há lugar na arte para dogmas ou procedimentos cartesianos, visto que as tendências são mutantes e existe um apreço por processos construtivos e voláteis. Mucci (2004, p. 16) descreve a emergência do esteticismo:

Contra um estado de coisas, um estado de sítio, que cercava a arte e os artistas, levantaram-se os estetas, empunhando a alma da forma, da pura forma, brandindo a face indevassável do significante, ostentando aquele “valor mais alto” alçado por braços que abraçam apenas a arte,

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Charles Baudelaire (1821-1862), poeta francês criador da personagem flâneur, que vaga pelas ruas e registra as impressões da cidade e de seus habitantes e o termo spleen, que reflete o tédio e a melancolia do fim do século XIX.

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Joris-Karl Huysmans (1848-1907), escritor francês que publicou Às avessas (1884), obra fundadora do decadentismo.

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amante absoluta e ciumenta. [...] Elidindo a realidade, o esteticismo constrói, nesse lugar vazio, nessa ruína, a poética do artifício e do simulacro, que quando simula e anula a sua referência, exige uma cópia idêntica a um original existente.

Walter Pater isolava-se da sociedade, a qual execrava. Principal teórico do esteticismo e do decadentismo defendia a experiência do momento, a libertação do sexo e o hedonismo. Sugerindo o aproveitamento do momento sem restrições éticas, Pater cunhou o novo movimento, que teria entre os seguidores Oscar Wilde e seus colegas franceses (MUCCI, 2004, p. 27). O hedonismo é abordado na obra de Wilde, por exemplo, na peça Uma mulher sem importância. No diálogo entre Gerard Arbuthnot e Lord Illingworth, essa postura fica evidente:

Geraldo: O senhor nunca se casou, não é verdade, Lorde Illingworth?

Lorde Illingworth: Os homens se casam por cansaço; as mulheres por curiosidade. Uns e outros acabam desapontados.

Ger: Mas não acredita o senhor que a gente possa ser feliz estando casado?

L. Ill: Perfeitamente feliz, mas a felicidade de um homem casado, meu caro Geraldo, depende das mulheres com quem ele não se casou.

Ger: Mas quando se está enamorado?

L. Ill: Deve-se sempre estar enamorado. Precisamente por esta razão nunca deveria a gente casar-se (WILDE, 2003, p. 690).

Outra personalidade de impacto sobre Oscar Wilde foi John Ruskin (1819-1900). De acordo com Nassar (2011, p. 97), Ruskin defendia, contrariamente a Pater, que a arte e a ética são indissociáveis, visto que a primeira possui uma finalidade, a elevação moral e espiritual.

Oscar Wilde também recebeu influências ideológicas do Reverendo Sir John Pentland Mahaffy22, o qual conheceu, do mesmo modo, em Oxford. Empreendeu viagem à Itália em sua companhia, o que lhe permitiu entrar em contato com arte e religião, elementos

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John Pentland Mahaffy, professor do Trinity College, que escreveu sobre a arte da conversação, livro ao qual Oscar Wilde teceu crítica publicada no Pall Mall Gazette, em 16/12/1887, intitulada Chá das cinco com Aristóteles.

explorados pelo esteticismo. Assim, inspirado por esse contexto, Wilde escreveu sonetos esteticistas, expressando a admiração que sentia ao se aproximar desse país. O catolicismo o fascinava e, como efeito dessa fascinação, escreveu o poema religioso intitulado Graffiti d‟Italia, publicada posteriormente em Dublin (1877). Visitou Veneza por indicação de Ruskin, e ali percebeu um ponto de encontro da arte bizantina e italiana. Coutinho (2008, s/p) explica as duas novas conotações do termo bizantino no movimento esteticista:

A arte altamente estilizada do oriente cristão e o esteticismo do fim do século dos decadentes. Por sua inclinação aguda de estilo, Oscar Wilde destaca-se com um dos expoentes do neomaneirismo23 decadentista, como o grande propagador da afetação bizantina que estimulou a escrita a subverter a visão tradicional da arte como imitação do real, a rescindir contrato com o bom senso e o senso comum positivistas.

A viagem à Itália, que o inspiraria poética e esteticamente, foi concluída prematuramente, visto que o escritor não possuía recursos para finalizá-la. Esse fato o inspirou a escrever Roma Não Visitada (1881), poema esteticista publicado em sua coletânea poemas:

Oh! Bendita Senhora, que tens mantido Sobre as sagradas colinas o teu reino! Oh! Mãe sem nódoa, imaculada, Com coroas brilhantes de ouro tríplice! Oh! Roma, Roma a teus pés

Deposito a dádiva estéril desta canção! Porque, ai! É íngreme e longo

O Caminho que leva à tua sacra rua (WILDE, 2003, p. 876).

Outra viagem ligada ao esteticismo foi aquela empreendida a convite dos produtores de Patience (1881), peça satírica de W. S. Gilbert (1836-1911) e Arthur Sullivan (1842-1900) sobre essa poética, que desejaram apresentar nos Estados Unidos. Wilde parte para a América junto com o grupo, permanecendo por um ano e divulgando as ideias esteticistas por meio de palestras. Primeiramente definiu o

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Segundo Rodrigues (2009, p. 9), o maneirismo foi um movimento de arte europeu que defendia a inteligência sofisticada, e o artificialismo no tratamento de temas, priorizando a emoção e a elegância e não o mundo natural.

esteticismo como a busca dos signos da beleza, a ciência do belo que permite buscar a correspondência entre as artes e ainda a busca pelo sentido da vida. Em suma, dizia que ali estava para “difundir a beleza”.

Wilde falava sobre a arte inglesa dos pré-rafaelitas da segunda metade do século XIX, que segundo ele, igualava-se àquela do período do Renascimento na Europa. Os seguintes temas ligados ao esteticismo e, de certa forma mais aplicáveis ao cotidiano do público americano, segundo Schiffer (2010, p. 110), foram As artes decorativas e A decoração do lar. Tendo sucesso absoluto, esta última palestra era, na realidade, um de seus passatempos favoritos, por meio da qual preconizava, por exemplo, a valorização do trabalho artístico do artesão: É preciso recordar sempre que o que está cuidadosa e perfeitamente feito por um operário honrado, de acordo com um desenho racional, aumenta de valor e beleza com os anos. O velho mobiliário trazido pelos Peregrinos, há duzentos anos, que vi na Nova Inglaterra, é tão bom e tão belo hoje, como quando acabava de chegar. O que deveis fazer é reunir artistas e artesãos. Os artesãos não podem viver, não podem certamente prosperar sem semelhante companhia. Separai essas duas profissões e tirareis à Arte todos os seus motivos espirituais (WILDE, 2003, p. 1033). A constituição do escritor Oscar Wilde, como esteta decadentista, ocorreu, como visto, de forma gradual e com a incorporação de cada influência recebida, nas diferentes épocas de sua vida. Cruciais, entretanto para sua formação são Walter Pater e John Ruskin. Estes permanecem visíveis em muitas de suas obras, nos diferentes gêneros que abarcou. Na próxima subseção descreve-se a obra wildiana em seus gêneros literários.