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2 A INGLATERRA VITORIANA: O CONTEXTO DE OSCAR

4.2 ESTETICISMO E DECADENTISMO NOS PARATEXTOS DAS

O esteticismo emergiu na França, no fim do século XIX, com a proposta de cultuar a arte pela arte. Segundo Mucci (2004, p. 16), no esteticismo,

a atitude, a ideologia, a cosmovisão mesmo que estabelecendo a autonomia inquestionável dos padrões estéticos, erige a arte como valor supremo, como instância absoluta, como objetivo único da vida; o esteticismo desconhece qualquer ética que possa sobrepor-se à estética, a essa estética da estética.

Nessa vertente, a arte não se vincula necessariamente aos valores imanentes dos polissistemas culturais de um país, como o social e o político. A produção literária gerada nesse período, dessa forma, evidenciava a busca por independência em relação a preceitos morais e éticos e a valores políticos e sociais vigentes, portanto, opondo-se ao realismo e aos ideais burgueses e capitalistas do fim do século XIX. Unindo-se ao decadentismo, também francês, em formação, instaurava- se na literatura inglesa por meio de Walter Pater, segundo Mucci (2004, p. 19), com a obra Studies in the history of the renaissance, de 1878. Sua estética preconizava um novo hedonismo - utilizando-se de todo o tipo de experiência de vida – e, contraditoriamente, de uma nova espiritualidade. Pater influenciara Wilde, que também se espelhava em

John Ruskin, artista e arquiteto esteticista. Assim, forma-se em Oscar Wilde o “esteticismo trágico”, segundo Mucci (2004, p. 27), que culmina com sua decadência e morte.

O total comprometimento de Wilde com o esteticismo se verifica no depoimento do crítico literário contemporâneo do autor, Ransome35 (1912, p. 95), o qual relata que Wilde recebeu críticas por Dorian Gray ser amoral, simplesmente retorquindo: “minha história é apenas um ensaio sobre a arte decorativa. É uma reação ao realismo puro”. O crítico literário enfatiza o caráter esteticista do livro, descrevendo-o como: “o romance que seria tão adorável como um tapete persa e tão irreal quanto ele” (RANSOME, 1912, p. 99). Para responder às críticas literárias recebidas a Dorian Gray, Oscar Wilde escreve o prefácio autoral do seu romance, que foi incluído quando o material foi publicado como livro em 1891.

O escritor esteta e decadentista, segundo Ferreira (2004, p. 78), conduz o leitor por um mundo mais amplo e cheio de beleza. Por meio da destruição de estereótipos, da dúvida e das limitações, permitindo apreciação dos extremos presentes na obra nos elementos de contentamento ou medo, de suavidade ou intensidade. Ferreira (2004) acrescenta que a estética decadentista, na época de Wilde, conferia ao artista a possibilidade de criar algo belo de forma inusitada e, segundo a autora, Wilde conseguia permanecer no superficial, preservando suas máscaras (FERREIRA, 2004, p. 79). Muitas traduções brasileiras da obra O retrato de Dorian Gray contêm paratextos que se referem ao esteticismo, como uma forma de introdução do leitor às crenças literárias que subjazem à composição do romance.

O prefácio autoral original, segundo Genette (2009, p. 176) tem algumas funções primordiais, como a de assegurar uma leitura mais informada, ao mesmo tempo persuadindo o leitor a prosseguir. Outros propósitos desse tipo de paratexto são a valorização de um tema abordado na obra, enfatizando sua consideração por parte do leitor. Na mesma linha, o autor pode fornecer indícios sobre a novidade do conteúdo, ou sua originalidade. No prefácio original de O retrato de Dorian Gray, escrito como uma resposta às críticas recebidas sobre a imoralidade da obra, Wilde dissocia sua arte do mundo real,

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Autor de crítica literária sobre Oscar Wilde e sua obra, em livro publicado em 1912, que abrangia estudo de seus poemas, prosa, os ensaios de Intenções, seu teatro De profundis e informações biográficas. Sua obra crítica foi escrita com o auxílio de materiais cedidos por seu testamenteiro, Robert Ross.

enaltecendo-a, colocando-a acima das atividades cotidianas de um contexto vitoriano por demais sisudo, a seu ver:

O artista é o criador de coisas belas. Revelar a arte e ocultar o artista é o objetivo da arte [...] Aqueles que encontram significados belos nas coisas belas são aqueles que as cultivam. Para esses há esperança. Eles são os eleitos para quem as coisas belas significam apenas beleza. Não existem fatos morais ou imorais em um livro. Os livros são apenas bem ou mal escritos. Isto é tudo. [...] É o espectador e não a vida que a Arte realmente espelha. [...] Nós podemos perdoar um homem por tornar algo útil, mesmo que ele não a admire. A única desculpa para se produzir algo inútil é aquilo que se admira intensamente. Toda forma de arte é completamente inútil (WILDE, 2012, p. 13- 14).

Vinte e quatro aforismos compõem essa carta de defesa ao Esteticismo, de forma inusitada e provocativa. A maioria das traduções brasileiras da obra O retrato de Dorian Gray inclui esse prefácio, contribuindo para melhor compreensão do romance. Entretanto, não obtivemos a confirmação de que o prefácio se inclui nas traduções de Clarice Lispector (1975), Douglas Tufano e Renata Tufano (2011), Caio Riter (2011), Claudia Lopes (1994) e Eduardo Ornick (2002), pois os dados fornecidos para esta pesquisa não os contemplavam.

A estética de Wilde está igualmente descrita e explanada em muitos dos paratextos das várias traduções da obra. A tradução de Jeanette Marillier, em 1952, publicada pela editora Livraria Martins, por exemplo, destaca elementos referentes ao esteticismo e ao decadentismo. Encontra-se nas orelhas do livro pequena biografia (ANEXO II), informando que Oscar Wilde foi discípulo entusiasta de John Ruskin, precursor dos preceitos esteticistas na Inglaterra vitoriana. Destaca as influências recebidas por Wilde durante suas viagens à Grécia e à Itália, as quais enriqueceram sua arte e sua literatura. A biografia, de elaboração editorial, lembra que o autor empreendeu viagem à América onde fez exposições que se reportavam à sua estética, obras e encenações. Algumas expressões e adjetivos nessa biografia o ligam ao movimento estético:

Homem mundano, considerado como um dos mais brilhantes ornamentos da sociedade de seu tempo, Oscar Wilde dominava os salões da época

com o fulgor de sua conversa e elegância de suas atitudes. Era um ídolo festejado por todos e sua glória, cintilante de ironia e graça parecia imortal [...].

A tradução de Lígia Junqueira Caiubi, de 1965, pela editora BUP, possui o revelador paratexto capa, de Eugênio Hirsch, que traz a ilustração de um homem de feições contritas, denotando uma expressão reflexiva. O desenho mostra um homem envelhecido e aparentemente entediado. Seu desânimo expressa uma referência ao decadentismo, pois o desencantamento é elemento marcante dessa estética, como sublinha Amaral (2009). Segundo o estudioso, trata-se de “[...] um indivíduo isolado e solitário, cortado dos laços da experiência coletiva anterior. Resta-lhe a experiência individual, o senso de estranhamento e de nostalgia desse mundo e do mundo perdido” (AMARAL, 2009, p. 72). Figura 1: Capa do livro O retrato de Dorian Gray, tradução de Lígia Junqueira Caiubi, publicado pela editora BUP em 1965

Fonte: Acervo da Biblioteca Nacional.

Mucci (2004, p. 17) recorda que as duas estéticas, o esteticismo e o decadentismo fundiram-se, incorporando valores e elementos comuns

a ambas. O decadente-esteta opunha-se ao progresso e aos valores capitalistas, incorporando a ênfase à beleza e à arte em sua obra e em sua vida, como no caso de Wilde. Tal característica encontra-se explicitada no paratexto da tradução de O retrato de Dorian Gray, por José Eduardo Ribeiro Moretzsohn, em 2010, publicada pela editora Abril (ANEXO II). A obra apresenta posfácio editorial, de Heitor Ferraz no qual se encontram alusões à figura dândi do autor, não necessariamente radical, mas desafiadora da moral da Inglaterra da época. O posfaciador defende que “é o romance de um esteta, ao mesmo tempo com as limitações do próprio esteticismo – se esvazia diante da realidade, do tempo que dolorosamente passa e abre sulcos no rosto do homem” (FERRAZ, 2010, p. 294).

Os temas presentes no livro, segundo o editor, advêm da poética proposta por Walter Pater e John Ruskin, que defendia moral, ética, estética e religião muito particulares. Como consequência, são prolíficos os debates de natureza filosófica, a opção pela forma da escrita do teatro, intensificando a persuasão do leitor por meio da ausência de um narrador. Por fim, o autor do posfácio resume o desfecho da obra em que se verifica a conquista da beleza e a ruína do homem narcisista: “será Dorian Gray o herói do esteticismo ou sua vítima ingênua?” (FERRAZ, 2010, p. 295).

Percebe-se, por meio das análises desta seção, que o movimento estético seguido pelo escritor foi preocupação constante dos tradutores e editores das suas traduções brasileiras. Os paratextos, escritos com o potencial de oferecer conhecimento e elucidação, apresentam aos leitores dos séculos XX e XXI a necessária contextualização literária da obra.

O esteticismo e decadentismo são componentes indissociáveis da obra de Oscar Wilde e suas marcas estão na obra O retrato de Dorian Gray. Analisam-se a seguir os elementos distintivos dessas estéticas nos paratextos da obra.

4.3 ELEMENTOS E CARACTERÍSTICAS DA OBRA O RETRATO