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2 A INGLATERRA VITORIANA: O CONTEXTO DE OSCAR

2.4 OSCAR WILDE: GÊNERO E OBRA

2.4.1 Ensaios e prosa não ficcional

De acordo com Robbins (2011, p. 44), a produção em prosa de Oscar Wilde foi prolífica, cobrindo, além de seus ensaios e cartas,

muitos artigos jornalísticos, nos quais assumiu o papel de escritor, editor e crítico. Exemplos dessas produções estão na obra Chá das cinco com Aristóteles e outros artigos, compilada e traduzida para o português brasileiro por Marcello Rollemberg em 1999. Os tópicos variam desde recomendações de livros sobre culinária, como a resenha sobre a obra Dinners and Dishes, publicada na Pall Mall Gazette, em março de 1885, resenhas de obras literárias, como Grandes Escritores por Pequenos Homens, do mesmo periódico, em março de 1887, e biografias, como Ben Johnson, de setembro de 1886, até suas próprias considerações sobre assuntos relacionados à arte e ao cotidiano, como no artigo Os modelos de Londres, extraído da English Illustrated Magazine, de janeiro de 1889:

Os modelos ingleses raramente veem um quadro e nunca se aventuram em exprimir alguma teoria estética. Acabam, na verdade, realizando a exata função do crítico de arte imaginada por Mr. Whistler, que é aquela baseada em não formular qualquer espécie de crítica. Aceitam todas as escolas artísticas com a tolerância de um leiloeiro e posam com a mesma desenvoltura para um jovem e caprichoso impressionista quanto para um erudito e laborioso acadêmico; [...] caminham alegremente através de todos os séculos e todas as vestimentas e, como os atores, só se tornam interessantes quando não são eles mesmos. São todos de boa índole e muito complacentes (WILDE, 1999, p. 114).

Nas obras completas de Oscar Wilde, encontram-se esses e outros textos de prosa, como seus artigos e comentários. Oscar Mendes, compilador e tradutor de Oscar Wilde: Obra Completa, proclama em sua Nota Introdutória à seção Artigos e Comentários (2003, p. 1245) que o autor encontrou no gênero jornalístico espaço para ser irônico, versátil e divertido. No caso da crítica literária, esbalda-se Wilde em divagações, paradoxos, exposição de ideias, num texto semiensaístico.

Sobre sua excursão à América, Wilde escreve Impressões de Ianquelândia. Nesse artigo, o autor escreve sobre as pessoas, lugares e hábitos dos Estados Unidos, de uma forma condescendente e superior, exceto no âmbito da política. Nesse assunto, Wilde elogia a abertura e a educação:

Todo cidadão, ao completar os vinte e um anos de idade, tem direito a votar e adquirir, por isto

mesmo, imediatamente, sua educação política. Os americanos são o povo mais bem educado politicamente do mundo. Vale a pena ir a um país que pode ensinar-nos a beleza da palavra LIBERDADE e o valor desse conceito (WILDE, 2003, p. 1251).

Ainda discorre sobre James Whistler (1834-1903), John Keats (1795-1821), o matrimônio e a questão da vestimenta masculina e feminina. Os ensaios escritos por Oscar Wilde são os textos em prosa que mais o consagraram como um crítico de arte, literatura, e filosofia política. São os textos: A decadência da mentira, publicado no periódico The nineteenth century (1889), Pena, lápis e veneno, em The fortnightly review (1889), O crítico como artista (1890), A verdade das máscaras, publicado no periódico The Nineteenth Century (1889) e A alma do homem sob o socialismo, publicado em The fortnightly (1891). Com exceção do último, os textos foram publicados na coletânea Intenções (1891), um livro que fazia alusão às teorias propostas por John Ruskin e Walter Pater. Na forma de diálogos, ensaios e até uma biografia, de acordo com Robbins (2011, p. 44), a obra sintetiza as crenças políticas e filosóficas de Oscar Wilde.

Em 1894 manifestou simpatia pelos movimentos políticos socialismo e anarquismo, defendendo que o socialismo deveria ser interpretado em âmbito mais amplo, sob a denominação de anarquismo (KILLEEN, 2005, p. 110). Atribui-se grande parte da influência do argumento crítico de Wilde a filósofos políticos como Friedrich Engels (1820-1895), e Ralph Waldo Emerson (1803-1882). Entretanto, argumentam os críticos modernos que o ensaio A alma do homem sob o socialismo, por exemplo, não oferece uma sólida base filosófica, servindo em grande parte, para entretenimento sobre o assunto da política e que as referências famosas de Wilde serviriam para conferir credibilidade e notoriedade ao ensaio. O aspecto referente ao individualismo, por exemplo, mostra discrepância com a questão da abolição da propriedade privada, pois um movimento contradiz o outro.

Wilde sabia, entretanto, o suficiente sobre a questão de dominação e poder entre a Inglaterra e a Irlanda, sua terra natal. Muitas associações irlandesas e inglesas recebiam a classificação de socialistas ou anarquistas, até mesmo a igreja católica, por sua pregação sobre a igualdade, como os Socialistas Cristãos. Os próprios termos socialismo, comunismo e anarquismo não eram bem distintos no fim do século XIX na Inglaterra. John Ruskin possivelmente tenha influenciado Wilde na política com sua visão de capitalismo, em que os termos competição e

interesse próprio, segundo o professor, significariam, na realidade, justificativas para a ganância na sociedade inglesa. O movimento anarquista francês era também muito conhecido por Wilde, por meio de sua amizade com Marcel Schwob (1867-1905).

Dessa maneira, Wilde trazia a formação anarquista emergente do nacionalismo irlandês e os embates dos dois países nas questões político-sociais. Esta se amalgamou às ideias de Ruskin sobre o socialismo cristão e à corrente anárquica e socialista francesa na sua vida adulta, contribuindo para seu interesse e posicionamento sobre o tópico em seu ensaio e mais tarde nos escritos do cárcere.

Killeen (2011, p. 114) aponta que Oscar Wilde é muito criticado por seu exagerado uso dos paradoxos. Algumas de suas peças teatrais são puro paradoxo, e essa figura de linguagem é também utilizada em seus ensaios. O autor da crítica a Wilde oferece uma citação do escritor de Intenções, que pode elucidar sua preferência por esse recurso linguístico e suas implicações para a escrita de seus ensaios:

Não que aprove eu tudo quanto disse neste ensaio. Há nele coisas com as quais estou em completo desacordo. O ensaio simplesmente representa um ponto de vista artístico e na crítica estética a atitude é tudo. Porque em arte não existe uma verdade universal. Uma verdade, em arte, é aquela cuja contraditória é igualmente certa. E como tão somente pela crítica da arte, e graças a ela é que podemos mergulhar na teoria platônica das ideias, tão somente pela crítica de arte e graças a ela podemos compreender o sistema dos contrários de Hegel. As verdades metafísicas são as verdades das máscaras (WILDE, 2003, 1069).

Compreende-se, assim, que Wilde se baseava no método dialético de Hegel, construindo argumento para a discussão de um tópico, por meio da inversão, ou seja, da defesa do contrário de sua tese. Em A decadência da mentira, de acordo com Killeen (2011, p. 118), Wilde afirma que esconde algumas verdades sobre a arte sob a forma sofisticada do ensaio. Visto que o autor se utiliza da inversão para a defesa de uma tese, é recomendável que o leitor aborde seus ensaios sob essa perspectiva. Como exemplo, encontra-se o diálogo entre Cirilo e Vivian:

Viv: Penso em dar-lhe o título de “A Decadência da Mentira: Um Protesto”.

Cir: A mentira? Pensei que os nossos políticos a praticavam habitualmente.

Viv: Asseguro-lhe que não. Não se elevam nunca acima do nível do fato desfigurado e na realidade se rebaixam até o ponto de provar, discutir, argumentar. Quão diferente é isto do caráter do autêntico mentiroso, com suas palavras sinceras e corajosas, sua soberba irresponsabilidade, seu desprezo natural e sadio por qualquer prova! Afinal de contas, que é uma bela mentira? Simplesmente a que possui sua evidência em si mesma. Se um homem é bastante pobre de imaginação para apresentar provas em apoio de uma mentira, melhor fará dizer a verdade imediatamente. Não, os políticos não mentem (WILDE, 2003, p. 1071).

Wilde ainda escreveu missivas de autocrítica, sobre sua própria obra, em grande parte para responder às críticas sobre sua literatura publicadas na mídia. Mendes (2003, p, 1313) afirma que o escritor não reconhecia nos leitores e críticos direito ao julgamento de sua literatura, visto que se considerava um gênio e julgava sua obra portadora de extraordinário valor. Retorquiu críticas do periódico Saint Jame‟s Gazette ao seu romance O retrato de Dorian Gray, às quais respondeu:

O pobre público, ao saber, por pessoa tão autorizada como Vossa Senhoria, que existe um livro pecador que deveria ser proibido e recolhido por um Governo conservador, vai, sem nenhum gênero de dúvida, precipitar-se sobre ele e lê-lo. Mas, ai! notará então que se trata de uma história com sua moral correspondente. E a moral é esta: Todo excesso, bem como toda renúncia, atrai seu próprio castigo (WILDE, 2003, p. 1318).

Ainda respondeu a análises sobre o livro de contos Uma casa de romãs, dizendo que sua escolha vocabular não se propunha a agradar determinada faixa etária, no caso do pressuposto público infantil. Explicou que escrevia por motivação criativa própria e que o público em geral seria o destinatário de seus escritos.

No gênero prosa não ficcional, publicou cartas à mídia e, postumamente, carta ensaística ao Lord Alfred Douglas, em De profundis: epistola in carcere et vinculis. Em De profundis, além de explanar motivos, detalhes e justificativas para suas atitudes, discorre

sobre assuntos como religião, política e questões afetivas. No caso da defesa ao guarda Martin, despedido por ceder biscoitos a meninos aprisionados, bem como missiva endereçada ao governo sugerindo reforma do sistema prisional, Wilde se solidarizava com os detentos:

Quanto aos meninos, muito se tem falado e muito se tem escrito nestes últimos tempos sobre a influência corruptora que exerce a prisão sobre eles. Tudo isto é certíssimo. Um menino fica totalmente contaminado pela vida penitenciária. A influência perniciosa não é, porém, a dos detentos, mas a do sistema penitenciário em sua totalidade: a do diretor, a do capelão, a dos guardas, a do isolamento celular, a da alimentação repugnante, a dos regulamentos redigidos pelos inspetores das prisões, a dessa “disciplina” do cárcere. (WILDE, 2003, p. 1442).

Ainda sob o gênero prosa não ficcional registra-se a publicação de uma segunda fase de conferências, a qual, segundo Mendes (2003, p. 1000) ocorre em Londres por ocasião de seu retorno, na qual profere discurso a jovens estudantes no sentido da apreciação das artes em geral. Esses materiais servem de documentação para o leitor atual, na medida em que fornecem subsídios sobre a estética de Wilde e a mudança de suas concepções artísticas ao longo de sua carreira. Nesta fase, por exemplo, o escritor se distancia da concepção de Ruskin sobre a beleza, de que a arte está ligada à realidade, convidando os alunos de arte a buscarem-na em toda circunstância:

Falemos das relações do artista com seu ambiente, palavra pela qual entendo o século e o país em que aquele nasceu. Toda arte boa, como já disse, nada tem que ver com um século em particular; as condições que produzem essas qualidades são diferentes. E creio que o que deveríeis fazer é realizar totalmente vosso século em particular a fim de separar-vos por completo dele. Lembrai- vos de que, se sois fielmente um artista, não sereis o porta-voz de um século, mas o senhor da eternidade; que toda arte se baseia em um princípio e que os que vos aconselham a criardes uma arte representativa do século atual aconselham-vos a produzir uma arte que vossos filhos, quando os tiverdes, acharão passada de moda (WILDE, 2003, p. 1039).

A prosa não ficcional de Oscar Wilde oferece textos de destaque dentro do total de sua obra. Outros gêneros, de mais ou menos vulto, compuseram sua literatura, como os que se leem a seguir.